Estudantes querem que sala-museu Marcello Caetano acabe

Estudantes querem que sala-museu Marcello Caetano acabe


Em vésperas dos 50 anos do 25 de abril, a Faculdade de Direito ainda é palco de RGA contra Marcello Caetano. O núcleo de estudante feministas desta instituição quer o fim da sala-museu do último presidente do Conselho e a discussão foi ‘revolucionária’.


Os alunos da Faculdade de Direito de Lisboa (FDL) da Universidade Clássica manifestaram-se numa Reunião Geral de Alunos (RGA), na semana passada, contra a existência da  Sala Marcello Caetano, inaugurada em junho de 2022. E irão apresentar a sua posição à direção da Faculdade. Na última RGA, em 23 de novembro, foi a votação a proposta do núcleo feminista da Faculdade de  Direito sobre “A posição a adotar pela Associação Académica da faculdade Direito de Lisboa (AAFDL) quanto ao fim da ‘Sala Prof. Doutor Marcelo Caetano”. E a proposta contra a sala foi aprovada. Só que não totalmente: a Associação Académica ficou vinculada a “repensar a sala”.

 A discussão foi acesa, mas essencialmente confusa, sendo que o resultado final acabou ambíguo quanto à posição concreta a adotar pela Associação de Estudantes. Uma vez que foi difícil encontrar consenso em torno de todos os participantes. Depois de horas de discussão sobre o Estado Novo, o fascismo, o currículo do último presidente do Conselho, as suas virtudes e os seus defeitos, os alunos concordaram em pôr a votação uma outra resolução: serem contra a sala tal como está e não o seu fim. O que foi aprovado por maioria: 64 votos a favor em “repensar sala”, 33 querem deixar como está e 35 alunos abstiveram-se.  Sendo esta uma resolução ligeiramente diferente da proposta do núcleo feminista que apelava ao “fim da sala Marcelo Caetano”, puro e simples. O conteúdo desta RGA, com as várias intervenções, propostas e votações, será redigido em ata e só então se conseguirá perceber qual a oposição concreta que a AAFDL irá levar à direção da Faculdade. 

A direção da FDUL já fez saber que, “até ao momento, a diretora não recebeu qualquer comunicação sobre a proposta” e informa que a Reunião Geral de Alunos não é um órgão da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, não tendo competências em matéria de espaços ou instalações da instituição: “Estas competências são da responsabilidade da Diretora da Faculdade, depois de ouvido o Conselho Académico”. Na resposta enviada por escrito ao Nascer do SOL, a direção da Faculdade acrescenta: “A sala-museu Marcello Caetano foi criada, em 2006, como um espaço que contém o espólio de Marcello Caetano enquanto Professor da FDUL e Reitor da Universidade de Lisboa e que foi cedido pela sua família à Instituição”.

Confrontado com esta iniciativa dos estudantes da FDL, Miguel Caetano, filho do último presidente do Conselho, lembra: “Foi a Faculdade de Direito que nos convidou [para fazer as salas de homenagem], não fomos nós que pedimos nada. Fizeram as salas por serem duas pessoas fundamentais [Marcelo Caetano e Paulo Cunha] para o desenvolvimento da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, porque antes só havia em Coimbra. Parece que a certa altura o meu pai e o Paulo Cunha tinham a regência de dois terços das cadeiras de Direito”. E avisa: “Quando nos convidaram, oferecemos todo o material e apoio, e ainda pusemos lá dinheiro. Se quiserem fechar as salas, têm de nos devolver tudo, se não vamos para tribunal”. Lembrou ainda que este assunto, “volta não volta, dá problemas”.

Esta iniciativa teve como origem uma petição que o núcleo feminista pôs a circular em outubro deste ano em que estes estudantes exigiam “o fim da Sala Marcello Caetano: não pode haver lugar a celebrações acríticas do regime fascista e das suas figuras”, conforme pode ler-se no texto. A petição pretendia que “o fim desta Sala-Museu abra uma conversa coletiva entre toda a comunidade académica para repensar este espaço”. E propunha: “Pensemos em novos usos para esta sala – por exemplo, mais espaços para os núcleos académicos, um museu da resistência estudantil ao Estado Novo, entre outras opções igualmente relevantes. As possibilidades de honrar os/as estudantes que lutaram pela sua liberdade são infinitas”. A petição reuniu cerca de 200 assinaturas, mas provocou a surgimento de uma outra, encabeçada pela aluna Filipa Varejo Coelho. Esta aluna opôs-se ao encerramento da sala-museu e conseguiu mais de 400 assinaturas. Argumentava que o antigo professor foi “um dos mais conceituados juristas a nível nacional e internacional. Mesmo que se questione isto, não se pode questionar a questão de ter sido Reitor da Universidade de Lisboa”. E acrescentava que “a sala mostra o Professor enquanto académico, expondo o seu anel e caneta de curso, alguns apontamentos enquanto aluno, um fichário da biblioteca da época da Faculdade, os trajes da época e algumas publicações do Porfessor. Não tendo qualquer cariz político”. Concluindo que, “com base apenas no plano dos factos, torna-se no mínimo questionável o fim da sala”. 

Este tema foi, então, incluído na ordem de trabalhos da última RGA, a pedido desta estudante, que requereu a marcação de uma RGA de forma a que o ponto fosse debatido e a questão encerrada. Uma vez que se pretendia ter a posição da AAFDL “firmada até ao final no semestre”. Com o tema incluído na ordem de trabalhos, o núcleo feminista deu a conhecer os seus argumentos de forma mais detalhada ao presidente de mesa deste órgão estudantil.  “A pequena sala onde se homenageia Marcello Caetano é uma homenagem seletiva, não falando do seu papel no Estado Novo, uma ditadura que censurou, torturou e assassinou milhares de pessoas”, alegam. E alertam: “A Sala coloca em perigo a democracia”. Segundo estes estudantes, Marcello Caetano foi responsável por um regime “ditatorial onde reinava a censura, prendiam e torturavam os opositores ao Regime, proibiam livros e censuravam os/as autores/as”, tendo também sido responsável por “massacres sanguinários em África”. Quanto aos direitos das mulheres, tema que fundamenta a existência deste núcleo, escrevem: “Os Direitos das Mulheres não eram assegurados, nem no trabalho onde o marido podia proibir a mulher de trabalhar”. E rematam que “a sala ignora toda a outra faceta de Marcelo Caetano, que perpetuou a ditadura, a censura, a repressão e o colonialismo durante o tempo que esteve no poder”. 

Estes argumentos incendiaram a RGA e, apesar de maioritariamente contra, os alunos não se mostraram tão efusivos na oposição. Acabando por ser aprovada uma posição que vincula a AAFDL a ser contra a existência da sala tal como está,  embora não proponha o seu encerramento.

A Sala-museu Professor Marcello Caetano foi criada por proposta de Jorge Miranda em 2006, no centenário do nascimento do professor catedrático, reitor da Universidade de Lisboa e presidente do Conselho de Ministros. Tendo sido inaugurada em junho de 2022. Ali estão expostos manuscritos, autógrafos, trajes académicos, condecorações e objetos pessoais, quase todos cedidos pela família. Há ainda vitrinas dedicadas às condecorações brasileiras, com manuscritos e diversas publicações. Além de um livro considerado único, intitulado Barroco Mineiro, que o antigo presidente do Conselho escreveu no Brasil, mas não assinou.