Não sei o que poderá decorrer dessa reapreciação individual de tais casos.
Sei, porém, que tal ideia suscitara já uma série televisiva norte-americana de grande sucesso, tanto mais que, nesse país, existe um regime de prescrição diferente do nosso e que, portanto, a tal revisão poderá levar, eventualmente, à reabertura, pelas autoridades, dos processos já arquivados por falta de provas.
Por uma questão de segurança jurídica dos cidadãos, tenho muitas dúvidas sobre tais atividades e sobre a sua razão de ser e os seus fins.
Na Justiça conflui uma vontade de apuramento da verdade objetiva, de apuramento de responsabilidades, de punição dos culpados, mas, também, de realização da paz, que o tempo que decorreu sobre os factos criminosos deve propiciar.
Não é, porém, sobre este tema que quero falar, embora a ideia que ele me suscitou tenha nascido da referida notícia do jornal francês.
Uma questão é procurar «au transe» apurar a verdade, outra, bem menos ambiciosa, mas porventura mais prática, é detetar os erros cometidos e com eles aprender e, se possível, ensinar outros a não os praticar.
Se recordarmos, nos últimos anos – e mesmo mais recentemente – algumas, mas deveras importantes, têm sido as acusações do MP que não tiveram acolhimento total ou parcial na fase de instrução, ou já em juízo.
Haverá, como é óbvio, muitas razões para isso: umas boas, outras más.
Umas serão da responsabilidade o MP, outras dos juízes que as analisaram e sobre elas decidiram.
A mais frequente acusação que se faz aos tribunais em casos de grande complexidade – e, portanto, aos juízes -, é a da sua falta de especialização e capacidade para lerem devidamente a prova fornecida pela acusação.
Ao MP imputa-se, em alguns caos, a insustentável leveza na formulação das acusações.
Diz-se que abusa das provas indiretas, colmatando, assim, de algum modo, as narrativas que subscreve com alguma imaginação certeira, mas, por vezes, mal sustentada em elementos de prova que possam ser reprodutíveis em julgamento.
Estas são as críticas mais vulgares e mais repetidas, designadamente pelas partes envolvidas nos processos.
Contudo, muitas outras características das investigações e das acusações delas resultantes podem e devem ser, também, escalpelizadas.
Refiro-me, por exemplo, à planificação dos processos, tendo em vista a sua apreciação por juízes concretos que os vão analisar e que – pese o sorteio na sua distribuição – não podem deixar de estar incluídos num número restrito de pessoas com idiossincrasias próprias e conhecidas e que, por isso, são determinantes para o sucesso dos casos que têm de examinar.
Refiro-me, também, à extensão das peças processuais penais que podem – por essa razão – produzir situações em que a falha num detalhe, quase impossível de prever, pode fazer sacrificar todo o restante sólido edifício da acusação.
Falo, ainda – e sobre isso muito mais haveria de ser dito -, da estratégia na apresentação da prova em juízo.
Obviamente que no decurso de uma carreira judiciária todos vamos aprendendo com os erros: uns mais, outros menos, é certo.
A questão que aqui quero suscitar deve, porém, ser situada num outro plano: o plano da revisão coletiva dos sucessos obtidos e, também, o dos possíveis erros praticados e o da forma de os ultrapassar para o futuro, evitando que outros caiam neles.
Ora, é precisamente nesse plano – o do estudo das questões que levaram ao sucesso e insucesso de um processo criminal – que importaria meditar e incluir, como regra, a reapreciação da estratégia e da ação desenvolvida pelos autores das investigações e das acusações.
A ideia não devia dirigir-se a um possível apuramento de responsabilidades profissionais (disciplinares ou outras), antes a uma revisão dos planos traçados e à necessidade de aprender com eles.
Nessa análise e aprendizagem, a fazer em conjunto, e na responsabilidade coletiva que delas deve nascer e frutificar, reside a vantagem de o MP estar organizado estatutariamente como um corpo hierarquizado.
Só partilhando e dissecando coletivamente os sucessos e insucessos dos casos mais significativos, pode o MP ultrapassar as dificuldades que, em alguns processos – e logo nos mais importantes – tem, indubitavelmente, sentido.
Um insucesso pode não significar menor empenho e menos sabedoria jurídica: pelo contrário, ele pode contribuir, se bem estudadas e reapreciadas as formas de atuação concreta do MP e os seus efeitos, para sucessos garantidos futuros e, assim, para a realização efetiva da justiça.
A responsabilidade individual na condução de um processo não deve ser óbice e afastar a responsabilidade institucional na apreciação dos resultados obtidos e na correção das metodologias usadas.
É por essa razão que faz todo o sentido uma aprendizagem comum, edificada no estudo dos processos mais emblemáticos que resultaram bem e dos que não resultaram.
Nota: Devido a um problema técnico o texto de opinião do autor da semana passada, intitulada O Papel da Eurojust, esteve parcialmente cortado durante algumas horas, mas pode ser lido na íntegra aqui.