O economista lançou o seu mais recente livro, Um Dia Haverá, onde fala sobre a sua paixão pela botânica, pelas suas coleções de canetas e pelo Benfica. Aproveitou ainda para falar sobre a situação económica do país. O ex-ministro das Finanças considera ruinosa a forma como está a ser gerido o negócio do Novo Banco, defendendo que vão ser os portugueses, mais uma vez, a pagar a fatura, assim como se vai repetir com a TAP. António Bagão Félix lamenta o facto de Portugal ter “planos a mais e planeamento a menos”. Em relação às metas definidas pelo Governo, considera que estão ultrapassadas. Acredita que o PIB este ano deverá atingir os 10% e, em relação ao défice, tudo dependerá da forma como irão evoluir as receitas fiscais e as despesas do Estado, mas não está muito otimista. O mesmo cenário repete-se em relação à taxa de desemprego.
O Novo Banco volta a estar envolvido em polémica. Como vê a venda dos edifícios?
Este Novo Banco é tão mau ou pior que o velho banco, devido às situações que se vão sucedendo. Sei apenas o que li na imprensa, mas uma situação em que eventuais situações de perdas, imparidades ou prejuízos que acabam, direta ou indiretamente, por ser pagos pelos portugueses exige, desde logo, uma grande transparência de processos, independentemente da sua legalidade ou não. Há um argumento que se usa nestas situações ao dizer que tudo é legal, mas uma coisa é ser tudo legal do ponto de vista da conformidade com a lei vigente, outra coisa é ser legítimo, ou seja, estar de acordo com as normas éticas e deontológicas da própria atividade, neste caso financeira e bancária. Em relação à venda de imóveis, não tenho qualquer dúvida de que se trata de uma situação censurável. Mesmo do ponto de vista legal, não tenho condições para dizer que sim ou que não, mas se não é um caso de polícia, até parece que é. Qual foi a razão para se ter vendido nestas condições? Qual foi a razão para se fazer a engenharia financeira do Luxemburgo, Portugal, ilhas Caimão? E para vender a um valor que não está escrutinado, porque este banco tem de estar sob tutela por ser uma entidade com necessidade de capital contingente que está previsto no contrato. No meu entender, foi um disparate, tudo isto foi uma sucessão de disparates.
O Fundo de Resolução não deveria ter algum controlo?
Não sei se deu aval ou não. Neste momento, ainda não é conhecido. Mas a situação tem de ser elucidada, esclarecida. Umas semanas antes do início da pandemia, o atual presidente do banco veio quase dizer numa entrevista que nós, contribuintes, também temos de pagar as consequências da pandemia naquele banco. Mas porquê naquele banco? Em nome de quê? É o resultado de se ter vendido a uma entidade que, de facto, não parece que tenha grandes escrúpulos.
Sempre se falou em fundo-abutre…
Independentemente desses termos, esse fundo faz de parqueamento durante um determinado número de anos para depois vender em melhores condições. Não tem uma expressão de consolidar o sistema financeiro através do próprio banco. É mais toca-e-foge, ou seja, tem lucros e sai. E chega-se a um ponto em que parece que isto não tem fim. Parece que é a segunda operação imobiliária portuguesa em termos de montante – mais uma razão para se saber o que aconteceu.
E, ao mesmo tempo, o banco continua a necessitar de injeções de capital…
Pode dizer-se formalmente que esta operação é uma operação que cabe no capital contingente até ao limite de 3900 milhões mas, direta ou indiretamente, vai lá ter, seja através do IRC do próprio banco, seja via capital contingente. Há outra questão interessante que é a primeira prova de convergência entre o ex-ministro das Finanças e o atual governador do Banco de Portugal.
A venda foi feita por ele enquanto ministro das Finanças e a operação terá de ser avaliada já com a função de governador. É aqui que entram os tais entraves e falta de parcialidade de que sempre se falou?
Mais uma vez, não é uma questão de legalidade, é uma questão de ética. E, de facto, do ponto de vista ético, é uma questão que ninguém gostaria de ter porque pode fazer divergir ou não o atual governador do Banco de Portugal do ex-ministro das Finanças. Mas há essa possibilidade e há coisas que se devem evitar.
Mas pode haver agora mudança de ideias com a mudança de cargo?
Isso não é necessariamente mau, mas não é necessariamente mau se houver uma manutenção das responsabilidades. As responsabilidades do governador do Banco de Portugal não são as mesmas do ministro das Finanças e isso pode gerar determinado tipo de conflitos de interesses de salvaguarda do bem comum e da proteção dos contribuintes.
Há quem peça a intervenção do Ministério Público, nomeadamente o PSD. Concorda?
Talvez possa ter de passar por aí mas, neste momento, representaria queimar uma série de etapas que é necessário fazer antes – desde logo, o controlo político por via do Parlamento e, do lado institucional, temos de contar com a função do Banco de Portugal e do Fundo de Resolução, que têm de aclarar a situação e salvaguardar, neste caso, os clientes do próprio banco. É também importante que conheçamos os resultados dos auditores em diferentes fases e saber se foram ouvidos sobre esta situação ou não, porque foi feita uma venda ao desbarato a uma entidade que, aparentemente, ninguém conhece, num rendilhado artificioso de elisão fiscal que é proporcionada por alguns Estados-membros europeus que também são paraísos fiscais, o que é uma vergonha.
Mas a ideia da nacionalização volta a estar em cima da mesa….
A posteriori, podemos dizer que tivemos um mau negócio que foi a nacionalização do BPN, que também começou por uma coisa pequena e, depois, a decisão acabou por ser posta em causa. Hoje verificamos que foi uma má opção. Quanto à nacionalização temporária do Novo Banco, tinha tido uma vantagem que era o controlo político, local e institucional. Teria sido maior do que sobre um banco em que, apesar de tudo, o Estado tem 25%. São negócios que se fazem, como é o caso da TAP. O Estado tinha 50%, não nomeava administradores e não sabia de nada. Do ponto de vista político, uma coisa foi a resolução do antigo BES, em que servimos de cobaias no contexto de resoluções bancárias da União Europeia – foi o único caso que houve. Mas o negócio da venda do Novo Banco já foi da responsabilidade do Governo de António Costa, ele que não tire o cavalinho da chuva. São sempre decisões difíceis e muito discutíveis; agora, que não faça intuir ou deixar passar a ideia de que não tem nada a ver com o Governo dele porque tem tudo a ver com o Governo dele.
Falou do negócio da TAP. Como vê a solução que foi agora encontrada?
O mundo é cheio de inevitabilidades. Há sempre alternativas. O problema do processo da TAP foi o pecado original. Foi a circunstância de se ter transacionado a TAP em termos que não pareceram os melhores, quer no início, quer depois, já com o Governo de António Costa, quando o Estado voltou a comprar 50% da TAP para não ter qualquer poder, o que é uma coisa absolutamente estranha. Não tinha administradores executivos nem sabia de bónus de administradores, não sabia de nada, mas comprou 50%. Pergunto: para quê? E chegou-se a esta situação. Evidentemente que as companhias aéreas estão todas numa situação trágica. Sou favorável a uma companhia de bandeira, sobretudo por razões geopolíticas – pelos PALOP, pelos países onde há emigração portuguesa –, dado que é preciso preservar algumas rotas e algumas escalas que vão além de uma companhia comercial normal. O que, para mim, seria desejável, e cheguei a ouvir isso antes da pandemia, é que estaria a ser equacionada uma parceria com outra companhia aérea. Chegou-se a falar da Lufthansa e, para mim, isso teria sido o ideal porque trazia know-how e algumas sinergias. Neste contexto, admito que politicamente não haveria alternativa, mas vai-nos sair muito caro e nem sei como vai acabar.
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