É preciso recuar entre 3 e 5 milhões de anos para se encontrar uma concentração dos gases com efeito de estufa comparável àquela que existe hoje na atmosfera do planeta. O mundo vibrava então numa espécie de assombro inconsciente, pois a humanidade não existia ainda, e a temperatura era entre dois e três graus mais elevada do que a que hoje se regista. O nível do mar estava entre 10 e 20 metros mais elevado. O ano de 2018 marca um novo máximo histórico na concentração de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, de acordo com um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Sob a alçada das Nações Unidas, esta agência leu mais uma página da crónica do desastre, frisando que estes resultados demonstram que todos os esforços que estão a ser feitos para lidar com a emergência climática não tiveram qualquer impacto e que o fosso entre os objetivos de redução das emissões e a realidade se mostra “gritante e crescente”. “Não há qualquer sinal de uma desaceleração, muito menos de um declínio na concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera – isto apesar de todos os compromissos assumidos no Acordo de Paris sobre alterações climáticas”, referiu o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.
As emissões a nível global continuam a subir e o boletim daquela agência faz parte de uma série de estudos que estão a ser divulgados nas vésperas de outra cimeira da ONU dedicada à crise climática. Enquanto persiste uma infundada reserva sobre o consenso científico à volta desta questão, com a bem-sucedida campanha de desinformação patrocinada pelas indústrias dos combustíveis fósseis, o relatório da OMM aponta como principais causas o aumento de carros a circular nas estradas e uma tendência para o renascimento do uso do carvão como fonte de energia. Quase todos os países estão a contribuir para o aumento das emissões, com a Índia a dar um salto de 6,3% em relação a 2017, seguida pela China, com 4,7%, e os EUA, com 2,5%. A Europa, por sua vez, não participa na escalada, mas, ao contrário do que vinha sendo a tendência da última década, também não regista uma redução assinalável.
Numa altura em que a crueza dos factos soa já como um grito, a agência ficou aquém de um tom alarmista, deixando claro, no entanto, que a menos que sejam tomadas medidas drásticas para inverter esta tendência até 2030, será a vez de a catástrofe elaborar e desenvolver argumentos que irão finalmente converter até o mais resoluto dos negacionistas. Por agora, se o relatório da OMM publicado ontem nos diz que a concentração global de dióxido de carbono passou de 405,5 partes por milhão em 2017 para 407,8 em 2018, não se espera que este recorde provoque grande sobressalto. De resto, o que mais divide hoje ativistas e especialistas está ligado a qual o registo mais adequado para se exprimir o caráter de urgência desta crise, quando há perigo de a perspetiva realista se alinhar com uma noção terrivelmente pessimista do que nos espera.
Se a sucessão de alertas parece ter dado lugar a uma estéril progressão, como um sinal frio registado por uma máquina incapaz de produzir um trecho musical que nos arrepie, o que mesmo os modelos mais conservadores nos dizem é que será muito difícil segurar um aumento de 1,5 ou até 2 graus da temperatura. De acordo com o Climate Action Tracker, um grupo de pesquisa independente, apenas duas das nações que assinaram o Acordo de Paris – Marrocos e Gâmbia – estabeleceram para si mesmos metas em linha com o objetivo de impedir que o aumento da temperatura vá além do grau e meio. Outros cinco países fixaram as suas metas para corresponder a um aumento de dois graus. Todos os outros celebraram o histórico acordo e participaram nas tão efusivas celebrações para depois estabelecerem metas “insuficientes”, “altamente insuficientes” ou de tal modo inadequadas que provaram estar a marimbar-se para o acordo, e mais valia que tivessem seguido o exemplo dos EUA, saindo, ao invés de assumirem hipocritamente uma posição para, à sorrelfa, fazerem o contrário.
Assim, mesmo os esforços mais otimistas já não tentam pôr fim ao sexto episódio de extinção em massa na Terra, mas tão-só trocar um cenário apocalíptico por outro menos severo. Numa altura em que vastas regiões do planeta estão a tornar-se inabitáveis, em que as ondas de calor se agravam em intensidade e frequência e os períodos de seca se dilatam, em que se sucedem os desastres naturais provocados pela instabilidade climática, perturbando de forma irrecuperável os ecossistemas marinhos e terrestres, a situação é de tal modo desesperada que alguns autores admitem que só o terror poderá defender uma réstia de esperança. No tempo de uma só geração está a decidir-se o futuro da vida no planeta. Só desde 1990 registou-se um aumento de 43% das emissões dos gases de estufa e, não sendo o mais potente destes gases, o dióxido de carbono representa quatro quintos deste efeito e perdura na atmosfera por séculos.
Um dia destes, não fará muita diferença abrir uma notícia destas encadeando uma série de factos ominosos sobre a evolução da tragédia climática em que estamos imersos ou proferir raivosos impropérios. Armando um grande escarcéu, com linhas escritas com espuma na boca ou citando friamente algum dos relatórios de autópsia, falaremos a língua dos condenados. E a ansiedade diante da perspetiva do fim fará com que o ruído que domina a época se possa interpretar mais tarde como um largo repertório de choro, por vezes convulsivo, outras vezes reduzido ao mais seco soluço.