Weyes Blood. “O Titanic foi um acidente simbólico para a arrogância dos homens”

Weyes Blood. “O Titanic foi um acidente simbólico para a arrogância dos homens”


Depois de ontem ter atuado em Braga, Weyes Blood sobe hoje ao palco do B.Leza, em Lisboa, para apresentar o seu novo álbum, Titanic Rising.


Com o nome artístico roubado ao livro publicado em 1952 de Flannery O’Connor, especialista no gótico sulista e no grotesco, Weyes Blood, nome artístico de Natalie Mering, está a afirmar-se como uma das principais figuras do mundo da música em 2019. O seu mais recente álbum, Titanic Rising, figura entre os melhores lançamentos do ano da Rolling Stone e foi dos mais bem classificados para a Pitchfork. O álbum é uma sequela espiritual do filme protagonizado por Leonardo DiCaprio e Kate Winslet e pretende ser uma reflexão sobre a “arrogância dos homens”. Mas deixemos a californiana expressar-se pelas suas próprias palavras.

Vou começar com uma pergunta bastante clichê. Como se sente ao ter um dos melhores álbuns do ano?

Sabe muito bem mas, inevitavelmente, mal posso esperar para começar a trabalhar no próximo álbum e continuar o meu percurso. Estou orgulhosa de mim mesma, mas tento não me deleitar demasiado com isso, não quero ficar demasiado feliz.

Seguindo esta linha, acha que um artista está à espera que o seu trabalho seja tão aclamado? Por exemplo, acha que quando Kate Bush fez Hounds of Love anteviu o sucesso que veio a ter?

Talvez estivesse à espera, porque acredito que tenha trabalhado nesse sentido. A confiança e o sucesso devem ser atribuídos ao trabalho duro.

Depois dos primeiros álbuns mais lo-fi e experimentais, do belo folk futurístico de Front Row Seat to Earth (2016), agora apresenta Titanic Rising. Como se enquadra este álbum na sua discografia?

Acho que foi uma progressão natural. Começou quando andava a experimentar sons e composições, até que cheguei a um ponto em que estes atributos estavam bastante fortes e sentia que estava melhor a escrever músicas, a controlar este tipo de caos sónico e a transformá-los em sons mais suaves. Espero que as pessoas possam apreciar estes dois lados: as músicas mais lo-fi e as mais hi-fi, porque acho que ambos são eficazes a transmitir emoções. Não há um que seja melhor do que o outro. 

Considerando toda a sua discografia, consegue escolher uma música preferida do seu catálogo?

Essa é uma pergunta complicada. Tenho muitos momentos preferidos, mas ainda gosto muito de Bad Magic [do álbum The Innocents, lançado em 2014]. É uma música que representa muito para mim e é muito fácil cantá-la. Posso cantá-la independentemente da situação, mesmo que não tenha uma banda a acompanhar-me. Mas também adoro Something to Believe e Wild Time [de Titanic Rising], que são duas músicas que, para mim, capturam os tempos que correm, algo que sempre tentei fazer. Também gosto muito de Seven Words [do álbum Front Row Seat to Earth], há muita angústia nessa música.

Já li vários críticos descreverem a sua música como power pop, chamber pop. O que pensa deste estilo de rótulos?

A minha aspiração era ser menos imponente. Queria que o álbum tivesse mais alma, queria que fosse algo como chamber soul ou church soul, queria criar algo menos rígido. Mas percebo porque há pessoas que ouvem isso – é um álbum um pouco barroco, mas acho que não é muito fácil de descrever porque ainda está a crescer e a evoluir.

Fala da sua influência de música gospel e de igreja. Já ouviu o novo álbum de Kanye West?

Ainda não o ouvi de início ao fim, mas estou muito intrigada. Acho que é fixe, sei que as pessoas adoram odiá-lo. Deixem-no ser louco à vontade. Acho que ele, provavelmente, estava a sofrer muito em termos mentais e o gospel e a igreja parecem estar a mantê-lo vivo e com menos dor, o que é bom. Todos precisamos de uma forma de salvação. Quem somos nós para julgar o que as pessoas acabam por escolher?

No seu álbum fala sobre a sequela que nunca chegou a ser feita sobre o Titanic, o Titanic Rising. Acredita que quando James Cameron ouvir o seu álbum vai acabar por levar este projeto para a frente?

Ele não o vai fazer, está muito ocupado a fazer o Avatar (risos). Mas não é esse o tipo de mensagem que queremos passar para as pessoas. Esta referência é menos sobre uma sequela para o filme e mais sobre a sequela do desastre que foi o acidente do navio – um acidente simbólico para a arrogância dos homens, a incapacidade de controlar a natureza. Simboliza tudo o que estamos a passar agora com as alterações climáticas. A verdadeira sequela do Titanic é o derretimento dos glaciares polares.

Continuando a falar sobre a presença do cinema neste trabalho, se a convidassem para participar num projeto como atriz, aceitava?

Sim! Quero entrar num filme! Quer dizer, quem não quer entrar num filme? Mas o filme que estou a descrever no álbum é sobre todas as pessoas. É menos sobre mim, pessoalmente, e mais sobre como a cultura criou este desejo de viver como se estivessem numa história feliz. É sobre como estes mitos, as aventuras e os finais felizes se misturam na nossa perceção da realidade. E todos querem que as nossas vidas sejam vividas dessa forma. 

Li que já tinha pensado neste conceito para o álbum durante algum tempo. Porquê lançar agora este projeto?

Finalmente tive o espaço e o tempo para o escrever e, além disso, antes tinha um título péssimo. Quando estava a trabalhar em Front Row Seat to Earth, propus ao Chris Cohen [multi-instrumentalista, ex-membro dos Deerhoof] o título Titanic 2. Ele achou horrível, e pensei: “Bem, suponho que talvez não seja este o título apropriado”.

Disse que os filmes a enganaram e fizeram-na acreditar em conceitos impossíveis de vida e amor. Quando se apercebeu disso pela primeira vez?

Acho que quando era mais nova, durante a puberdade. Comecei a achar os filmes manipulativos e irrealistas, sentia que estavam a preparar as pessoas para serem desiludidas. Senti-me muito condenada por isso, como se tivesse sofrido uma lavagem cerebral.

Houve algum filme em particular que a fez achar isso?

Sim, o Diário da Nossa Paixão. Achei esse filme um monte de lixo.

Tenho reparado que existem muitos rapazes e homens a ouvir a sua música. Acha que esta é uma forma de eles aprenderem a tratar as mulheres com mais respeito e de uma forma diferente?

Em última análise, a maior forma de respeito que podes mostrar perante uma mulher é compreender a sua perspetiva. Cavalheirismo é bom, mas talvez algo melhor seja tentarem relacionar-se com uma mulher intelectualmente, colocarem-se na sua pele e tentarem compreender a perspetiva diferente que ela pode ter. Acho que é melhor do que tentar protegê-la ou serem demasiado simpáticos. Mas também não há necessidade de evitá-las (risos).

Regressa hoje a Portugal depois do seu concerto em 2017 no NOS Primavera Sound. Sente que criou algum tipo de relação com o país?

Sinto-me muito ligada a Portugal, o público é sempre incrível, adoro a comida e a língua. É uma ligação que já tem muito tempo: a minha mãe coleciona objetos de porcelana portuguesa e galos.

*Editado por Mariana Madrinha