Nos últimos anos tem-se assistido a uma ‘viragem’ na Ciência, muito promovida pelas ciências sociais: o paradigma da participação como princípio para desenvolver ‘ciência experimental’. E com o enraizamento da ideia da sustentabilidade e da necessidade de fazer ciência para responder aos desafios de sustentabilidade das Nações Unidas (respostas por vezes nada sustentáveis, mas fica para outro momento essa conversa), houve o aparecimento da ideia da colaboração para a ciência. Ou em ciência? Vamos por partes.
Colaboração, o que é? Do latim (collaboro, -are + -ção) refere-se à ação de trabalhar com. E aqui vem a primeira parte – trabalhar com. Colaboração é ‘um processo através do qual as partes que veem diferentes aspetos de um problema podem explorar construtivamente as suas diferenças e procurar soluções que vão além da sua visão limitada do que é possível’ (Gray, 1989). Palavras como interesses, conflitos, cocriação, negociação, co-construção, ou apropriação estão a ela associadas. E conceitos como coordenação e cooperação são amplamente utilizados como seus sinónimos, apesar de não o serem; o que difere é a ideia de uma aprendizagem conjunta, a melhoria das capacidades e conhecimento de todos os intervenientes, que é o que realmente a distingue.
Ao longo do século XX observou-se uma mudança em que o papel da experimentação ativa na produção de conhecimento tornou-se desejado. A prática anterior de produção teórica ‘pura’ perdeu relevo dando assim lugar a práticas mais experimentais onde fenómenos societais, antes invisíveis e inacessíveis ao cientista, se tornaram o objeto laboratorial para a construção de conhecimento. E é aqui que entra a colaboração – em que a experimentação, como fonte primária de conhecimento, só é possível ser posta em prática de forma colaborativa com todos os atores e setores da sociedade. A ciência já não trabalha sozinha, no isolado, e o cientista/investigador já não é o seu ator central.
Este desenvolvimento levou ao aparecimento de inúmeras abordagens ao ‘fazer ciência’ – laboratórios do mundo real, laboratórios transformativos, laboratórios vivos, laboratórios urbanos, laboratórios de aprendizagem, laboratórios de transição, laboratórios de inovação, etc. Seria possível utilizar todo o espaço de caracteres deste artigo para continuar a lista mas o que importa aqui referir é que, muitos deles, assentam no princípio da colaboração assente no triângulo ciência-sociedade-política; que apenas a partir de uma comunicação construtiva e trabalho colaborativo entre ‘ciências’ e entre ciência e a sociedade no geral é que é possível fomentar inovação e desenvolvimento com real impacto societal. Isto porque os chamados ‘end users’ (os utilizadores finais do produto científico) são parte ativa e adotam eles próprios o papel de ‘cientistas’. Se pensarmos bem, todos estes exemplos são laboratórios colaborativos, sendo a colaboração em si transformadora de ciência, um fim em si mesma. Chamo a isto, colaboração para a ciência.
Mas no sistema científico português, a ideia de laboratório colaborativo já é norma, ou seja, está definido e institucionalizado para a procura de fontes de financiamento mais diversificados. E aqui entra a segunda parte. Os chamados CoLab são, tal como definido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), uma ‘associação privada sem fins lucrativos ou uma empresa (…) orientadas para a criação de emprego qualificado e de valor económico real’. São uma forma de colaboração entre instituições académicas e científicas, não seguindo a premissa dos exemplos acima mencionados de colaboração estreita com a sociedade no geral. Até porque os atores principais continuam a estar diretamente relacionados com o sistema científico. A colaboração é utilizada de forma instrumental, um meio de operacionalização de ciência a partir da perspetiva de mercado, onde prima ainda um modelo fechado de produção científica. Chamo a isto, colaboração em ciência. E sejamos honestos, a cultura de trabalho colaborativo está longe de ser dominante, mais ainda num setor (como o científico) onde prevalece a competição, e a colaboração ainda é vista como sendo adotada porque ‘o cientista precisa de validação’.
E sim, claro que precisamos! Já dizia Confúcio “o que sabemos, saber que o sabemos. O que não sabemos, saber que não o sabemos”. É neste saber que assentam as maravilhas da colaboração para a ciência – considero o fazer ciência um serviço público, feito para a sociedade e com a sociedade, algo que nos permite produzir conhecimento que é socialmente relevante. Não considero que a ciência seja algo circunscrito aos centros, às instituições e academia. Pesquisem, por exemplo, casos de ciência cidadã. Mas quando o nosso sistema científico fomenta a prática de laboratórios colaborativos como algo de foro contratual entre instituições do sistema científico, exclusivamente vocacionados para a procura de fontes de financiamento específicas, parece-me que estamos a cair no erro de perpetuar a visão que a sociedade ainda tem do cientista: os pensadores, os isolados do mundo, os teóricos, os intelectuais, os ‘sem noção’ da vida real.
No Técnico / CiTUA essa é a nossa abordagem à investigação – co-criação de conhecimento de forma colaborativa com todos os atores da sociedade, com vista a um impacto societal real e de natureza transformadora. Desejo que a mudança de paradigma que foi provocada pela ideia da experimentação seja cada vez mais visível na ciência em Portugal, e potenciada pelo nosso sistema. Vamos mudar?
Professora no Instituto Superior Técnico e investigadora no Centro para a Inovação em Território, Urbanismo e Arquitetura CiTUA