É em momentos de crise e emoção colectiva que se veem os líderes e os imbecis (nas diferentes variantes – formais e informais – da Comunicação Social).
(Em privado, talvez já os conhecêssemos antes…).
Esta ideia é particularmente pertinente num momento em que o País está, mais uma vez, a sofrer um sobressalto social e económico intenso com os recentes Fogos Florestais que, em rigor, se deveriam chamar Fogos Rurais. Porque é o Mundo Rural que mais sofre com eles.
Sobre a Floresta Portuguesa está praticamente tudo estudado e escrito em dezenas de Estudos e Relatórios (nacionais e internacionais) de qualidade (e alto custo) que, na sua larga maioria, jazem em arquivos e prateleiras de “responsáveis” por entidades (alguns mandaram-nos realizar e pagar) que nunca os leram (para além dos respectivos “Sumários Executivos”).
Raríssimos decisores e opinadores os leram ou discutiram, razão porque – como agora começa a estar na moda – não preciso de recorrer a nenhum ChatGPT que, “coitado”, ainda cai no pecado de citar muitos nomes publicados – alguns, ambientalistas de nome prestigiado – citando-os como “especialistas em fogos florestais” quando, realmente, nem sequer na Academia os estudaram ou viveram.
Ora nesta matéria é sempre preciso ter presente que:
– Os fogos não se apagam! Evitam-se!
(Os meios aéreos, os sapadores florestais, os contra-fogos, os bombeiros voluntários e tudo o resto destinam-se a tentar orientar a progressão do fogo – se o vento deixar… – e a salvar/proteger a vida – e se possível os bens – das pessoas…e já não é nada pouco!!!).
(As descargas dos meios aéreos, nos locais e momentos adequados, destinam-se a baixar a temperatura ambiente, diminuir a velocidade da progressão do fogo e permitir a intervenção mais próxima de meios terrestres – sem água… – capazes de cortarem ou enterrarem o mato ainda não ardido e/ou a criarem uma descontinuidade de material combustível que faça “reorientar” a progressão das chamas. A quase totalidade da água derramada dispersa-se em pequenas partículas e é evaporada antes de chegar ao solo. É aliás a energia necessária a essa evaporação – como acontece na serpentina dos frigoríficos… – que fica a fazer “falta” e enfraquece temporariamente o avanço das chamas, facilitando a tarefa dos combatentes terrestres na proximidade).
– E para se evitarem os fogos… (já que não se apagam…)
Há que começar pela educação cívica de qualidade (não ideológica) nas escolas a todos os níveis e junto da população em geral (deveria ser – também – para isso que existe a figura do “serviço público” de rádio e televisão…);
Explicar que mais importante que a “eleição” ou a “excomunhão” de espécies florestais, o que mais importa é a sua gestão (e tem de haver dinheiro para que essa gestão exista);
Mostrar aos jovens e aos menos jovens que a Floresta é a base de Fileiras Silvo-Industriais valiosíssimas e de enorme e incomparável Valor Acrescentado Nacional (e que o País não tem outras que se lhe comparem);
Explicar continuamente às populações que a Floresta é uma fonte nacional de VALOR: quer pela comercialização de bens tangíveis que o mercado remunera quer pela produção e defesa de bens intangíveis que o mercado (ainda) não remunera mas que a Sociedade quer (e necessita) conservar e tem de estar disposta a pagar;
Os agora chamados Serviços dos Ecossistemas existem desde sempre associados à floresta: a madeira (madeira para construção e fonte de energia desde há séculos), a cortiça, as fibras e o papel, as resinas, os cogumelos, a caça, os frutos secos, etc. Estes, tanto os mercados primitivos como os mais sofisticados e actuais, têm vindo a reconhecer o seu valor e a pagar por eles. Mas há outros – sabemo-lo bem agora – cada vez mais valiosos: Os Bens Públicos, como a qualidade da água e do ar, a biodiversidade, a defesa contra a erosão, a correcção de extremos torrenciais e climáticos, etc. que o mercado (ainda) não remunera mas de que toda a Sociedade beneficia. Estes últimos têm inevitavelmente de passar a ser – directa ou indirectamente – pagos, seja qual for o tipo de proprietário, público ou privado.
Em Portugal – com 3,2 milhões de hectares de coberto florestal, ou seja, cerca de um terço do território continental – o Estado tem apenas 3% – TRÊS POR CENTO – da Floresta; 14% são terrenos constitucionalmente detidos pelos povos locais (os verdadeiros “baldios”) e os restantes 83% são privados (mais de 400 mil proprietários, em que 350 mil detêm parcelas com menos de 3 hectares)… Daqueles espaços florestais privados apenas 5% (do total) são geridos pelas empresas das fileiras florestais, com destaque para as da área do papel e, mais recentemente, da cortiça e do pinho.
Esta nota sobre a dimensão dos terrenos florestais – que revela a existência maioritária de minifúndio (verdadeiro nanofúndio) na Floresta privada, levanta interrogações legítimas sobre a justiça e utilidade do anunciado agravamento brutal, já em 2025, das coimas pela não limpeza dos matos!!! Quem paga e como se paga esta operação? Fomenta-se o abandono das terras por dívidas ao Estado (que nem sempre limpa as suas…)? Convidam-se os estrangeiros ricos ou as indústrias multinacionais mais rendáveis a comprar a terra florestal do Mundo Rural português, a preços de saldo?
É que são pois e afinal as empresas transformadoras das três grandes fileiras silvo-industriais (eucalipto, cortiça e pinho) que viabilizam economicamente um Mundo Rural (e não só…) cuja vitalidade económica escapa ao cidadão urbano comum: a frota automóvel que carrega e transporta diariamente matérias primas florestais para as fábricas e os seus retornos, as pequenas metalomecânicas que fazem a manutenção desses equipamentos, os postos de combustível que abastecem essa frota, os trabalhadores nacionais e estrangeiros que trabalham nas matas, o respectivo material de corte e rechega, a recolha da biomassa sobrante (quando tem procura), os viveiros de novas plantas, as reflorestações e a logística pessoal – nomeadamente a alimentar – dos trabalhadores e famílias envolvidas neste Sector, correspondem a uma nuvem virtuosa que tem de continuar a pairar sobre um País remediado mas com um Mundo Rural cada vez mais pobre e envelhecido.
A destruição da Floresta e/ou o seu abandono institucional explica já hoje – e contribui fortemente – para o “reaparecimento” de aldeias abandonadas e sem jovens com perspectivas de emprego (já não muito longe do litoral do País)!
A enorme ordem de valores monetários associados às actividades descritas atrás é uma evidência que a opinião pública percepciona e de que só os imbecis desdenham: já ouvimos um burocrata de Bruxelas travestido de ministro da Agricultura, afirmar que “Portugal vai ter de plantar árvores que não ardam” (!), já vimos um Primeiro Ministro ir plantar – com larga e pomposa comitiva – sobreiros nas areias do futuro “Sobreiral de Leiria” (!) que viria – segundo o Governo – a substituir parte importante do histórico Pinhal de Leiria (antes, ardido nesse ano) e, muito recentemente, um comentador sugerir na TV que se diminuísse a área florestal com vista a diminuir as futuras áreas ardidas (!).
Existem, porém, valores não monetários, dos citados Bens Públicos que lhe estão associados (igualmente importantes), que não podem deixar de receber uma contribuição financeira e/ou económica do Estado…
E tem sido aqui que as coisas se complicam…a maioria destes agentes económicos e suas famílias não votam tendo como motivação principal a Floresta…daí os eleitos (aos mais altos níveis) tenderem a não gastar nela os vultosos meios financeiros que a tarefa exigiria…
Ora acontece que o “famoso” PRR tem lá hoje (e ainda terá gasto muito pouco…) a provisão de um capítulo (C8), dotado de 615 milhões de euros que o governo anterior prometeu aplicar na Floresta mas que, está em risco de não ser gasto (ou de ser apenas parcialmente gasto contra “inimigos imaginários” ou “adversários errados”). Nele se preveem, como prioritários, a construção de mais faixas de gestão de combustível (de cuja eficácia a presente crise permitiu duvidar, pela falta, no seu interior, de meios humanos nos momentos críticos), o pagamento de programas de rádio (…!), o apoio a sapadores florestais (maioritariamente autárquicos) o acréscimo dos meios de “supressão” do fogo e o cadastro florestal, quando uma aplicação desse dinheiro (que parece ser muito mas, se não for gasto…terá de ser devolvido, por não poder ser realocado fora da Floresta…) no apoio à recuperação das áreas actualmente atingidas pelo fogo, por via das Organizações de Produtores Florestais, terá seguramente retorno mais sólido e geração de VALOR visível que os interessados cuidarão de proteger.
É bom lembrar que o já então gigantesco e pouco transparente Fundo Ambiental “canibalizou” num dos últimos Orçamentos de Estado o pequeno Fundo Florestal Permanente (criado em 2004) que, originalmente, se destinava a financiar os proprietários florestais para a execução das operações silvícolas ambientalmente necessárias que se revelassem economicamente inviáveis. Tal não aconteceu antes do Decreto Lei que passou a obrigar a “limpar” a floresta e continuou a não acontecer desde aí, agora que os meios financeiros deste “Super Fundo” são bem mais abundantes…
Sem isso, como dizia recentemente na SIC o Arquitecto Paisagista Henrique Pereira dos Santos, vamos observar uma regeneração anárquica das espécies ardidas, numa desordem e desgoverno total, a que se deveria chamar “verdadeira sucata florestal” (sem futuro nem préstimo para as fileiras silvo-industriais nacionais).
Talvez venha apenas a servir para uma “espécie de regresso” à Idade Média, quando as matas e as árvores serviam para fornecer lenhas para queimar nas lareiras dos nobres e nos fogareiros dos miseráveis.
Como dizia o notável Engenheiro Silvicultor dos Serviços Florestais, José Moreira da Silva, cujo nome trabalho ficou para sempre ligado à criação do Parque Nacional da Peneda Gerês: “Toda a floresta dita de protecção, tem de produzir, assim como toda a floresta dita de produção tem de proteger”
Basta pensar nos pinheiros e abetos plantados nas encostas dos Alpes ou dos Pirinéus (que não “produzem” nem tábuas nem celulose) para se perceber que a protecção que proporcionam contra as avalanches é um “produto” indispensável que não se compra nem vende nos mercados… mas que alguém teve ou tem de pagar.
Se este texto se chama “Floresta e Criação de Valor”, gostaria de poder partilhar em breve com os leitores, um outro, bem mais telegráfico, destinado a concretizar propostas e sugestões de vias para dar valor aos espaços silvestres e aos bens e produtos florestais”…
Antigo secretário de Estado das Florestas