O preço da habitação, parte 2

O preço da habitação, parte 2


Um Estado que só intervém no mercado imobiliário para os muito pobres ou para os muito ricos é, obviamente, um Estado que não possui capacidade para criar uma política habitacional que seja transversal a todos os extratos sociais


Sugeriu-se no artigo anterior que a intenção de equilibrar o preço da habitação em Portugal constitui um desafio que poderia facilmente ser atingido através de políticas de ordenamento do território e planeamento urbano: não há porque construir mais habitações em locais onde os preços das existentes foram inflacionados pela oferta de emprego, equipamentos coletivos, serviços e infraestruturas; há, sim, que promover estas mais-valias onde a habitação que existe está depreciada e desprezada precisamente devido à sua ausência. Esta seria também uma forma apropriada de encontrar equilíbrio na distribuição de recursos num sistema urbano que atualmente funciona de forma parasitária (uma ou duas grandes cidades sugando pessoas e recursos) e não simbiótica (o território organizado através de uma rede hierárquica e cooperativa de aglomerados urbanos grandes, médios e pequenos). Infelizmente, as soluções que tantas vezes se apregoam como forma de resolver o problema da habitação em Portugal centram-se quase exclusivamente na questão da titularidade do imóvel (arrendamento versus aquisição de casa própria), terminando inevitavelmente com um apontar de dedo acusador ao Estado por não promover a oferta de mais imóveis para arrendamento a preços acessíveis. Obviamente, o problema não está na condição da propriedade, mas num facto essencial que inviabiliza tanto a aquisição como o arrendamento: os baixos salários dos portugueses em relação à média europeia. Como tal, seja para pagar uma hipoteca ao banco ou a renda ao senhorio (mesmo que este seja o Estado), o problema monetário persiste. Dado que a questão salarial transcende a questão habitacional e que, a curto/médio prazo, não se preveem alterações em matéria de política de solos que gerem o equilíbrio urbano atrás mencionado, ninguém prevê outra solução que não a disponibilização pública de imóveis (para venda ou arrendamento) a preços muito abaixo daqueles oferecidos pelo mercado – já que não existe qualquer incentivo ou motivação para que a iniciativa privada preencha essa lacuna. Contudo, quem espera alguma solução inclusiva e abrangente da parte do Estado, é bom que espere sentado. Tanto a administração central como a administração local só sabem operar nos dois extremos da política fundiária: promovendo realojamentos e habitação social (quase sempre arquitetonicamente desqualificados) para as camadas sociais mais desfavorecidas e empobrecidas, ou promovendo a alienação (ou concessão) de palácios, quintas e terrenos (quase sempre a preço de saldo e desvalorizados em relação ao seu verdadeiro potencial) para benefício dos investidores mais abastados – os quais encontram nessas alienações desconchavadas de património qualificado oportunidades únicas para rentabilizar habitação de luxo, hotéis e equipamentos privados. Um Estado que só intervém no mercado imobiliário para os muito pobres ou para os muito ricos é, obviamente, um Estado que não possui capacidade para criar uma política habitacional que seja transversal a todos os extratos sociais. A classe média é – e continuará a ser – a grande derrotada desta política habitacional e as consequências desta clivagem terão implicações não só na dimensão social e económica, mas também na dimensão urbanística: esta ficará inevitavelmente marcada por cenários de grandes contrastes, tal como sucede em muitas cidades da América Latina. Esperemos que haja bom senso para mudar o rumo deste navio demagógico e desgovernado.

 

Mestre em Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental

Escreve quinzenalmente