Depois de passar a cortina vermelha já nada o poderá salvar do terror da Casa Assombrada. Ao subir as escadas, é convidado a visitar as várias divisões onde os espíritos habitam. Os atores ainda se preparam para começar o espetáculo e nos corredores já se ouvem gritos dos espetadores. Não resista, chegou a uma das últimas sensações de Lisboa e arredores.
O projeto Casa Assombrada, do grupo Teatro Reflexo, não é apenas um projeto de Halloween: trata-se de uma iniciativa pioneira no teatro imersivo de terror em Portugal, que enche casas não só no dia 31 de outubro. Com peças regulares desde 2015, a companhia tem atualmente dois espetáculos em cena – Ímpios, com a última encenação marcada para este sábado no Palácio Cabral, em Lisboa, e Casa Assombrada de Belas, uma reposição do primeiro projeto.
O escuro, as bonecas de porcelana, os palhaços ou o ‘simples’ medo da morte. A inspiração de Michel Simeão, escritor e diretor do projeto, resulta da junção de “algumas referências clássicas do terror” com os próprios medos. “Acredito que somos todos influenciados pela nossa vida, pelas experiências que temos, pelo que lemos e os filmes que vemos. Eu desde miúdo que tenho este fascínio pelo terror”, explicou ao i.
Nestas peças, a dedicação é tudo: durante a participação no Internato, o segundo projeto de terror do Teatro Reflexo, Joana Sapinho chegou a desenvolver uma lesão nas cordas vocais e alguns problemas musculares pela forma como compôs a sua personagem. “A minha personagem só se tornou realmente credível e assustadora quando eu lhe atribuí um deficiência física. Decidi criar uma paralisação de um dos lados do meu corpo, o que incluía a paralisia da boca. Isso fez com que não conseguisse falar normalmente. A voz ficou colocada noutro sítio, a postura do corpo, da língua, tudo ficou diferente. Cheguei a ter pessoas muito próximas que não me reconheciam”, contou ao i.
Os espetáculos criados pelo Teatro Reflexo vão muito além dos simples sustos atrás da porta. Enquanto a Casa Assombrada em Belas, mais precisamente na Quinta Nova da Assunção, no concelho de Sintra, os aventureiros foram convidados a fazer uma visita ao edifício e a enfrentar os seus piores medos, no Internato, em cada divisão da Antiga Casa dos Magistrados, em Sintra, havia uma história diferente onde os espetadores podiam inclusive interagir com os atores. No mais recente projeto, Ímpios, a história é a mesma, apresentada em três salas diferentes, mas desta vez os espetadores são convidados a fazer o mesmo percurso e a passar pelas mesmas experiências vividas pelas personagens.
O teatro imersivo quebra a barreira entre o palco e a plateia e torna a história mais real. “O que eu peço aos atores é que o texto seja trabalhado a partir da verdade, da oralidade e da emoção real porque as pessoas estão muito em cima de nós e eu quero que elas tenham o impacto de levarem com uma torrente de emoções pelas quais nós estamos a passar”, explica Michel Simeão que é também encenador.
“Já fui arranhada e pisada por pessoas do público”
No teatro imersivo, pela proximidade a que os atores estão do público, algumas das técnicas utilizadas na representação deixam de ser opção: “Um estalo é um estalo mesmo e às vezes ficamos com algumas marcas. Já fui muitas vezes arranhada e pisada por pessoas do público que se assustam”, conta Joana Sapinho. “Nós temos sempre consciência de que estão pessoas à nossa volta, que estão a falar e a comentar o que fazemos. Temos de nos abstrair de tudo isso e fazer o nosso trabalho como se não estivesse ali ninguém”, acrescenta Rita Ruaz.
E se alguns espetadores conseguem controlar os nervos e dizer um simples e educado “deixe-me passar, por favor”, outros acabam por ser um pouco mais violentos: “Lembro-me do caso de um rapaz que começou a partir o quarto onde estava a decorrer a experiência. Tirou as gavetas do armário, parecia um furacão. Ele estava a reagir ao medo e exteriorizou-o com uma certa violência. Já vimos isso a acontecer várias vezes”, conta Michel Simeão, diretor do projeto. “Mesmo em Belas, houve atores que chegaram a levar murros, chapadas e pontapés. As pessoas reagem por impulso ao medo”, acrescenta. De reforçar que comportamentos violentos implicam a expulsão do evento.
Mas nem todos se comportam de forma agressiva – a reação ao medo pode, por vezes, torna-se cómica. Luísa Fidalgo, outra das atrizes, recorda “uma cena épica”: “No Internato [outra das encenações organizadas por este projeto] há uma parte em que uma campainha soa e quem está a participar deve esconder-se. Três amigas minhas ficaram cheias de medo e fugiram até uma sala que estava vazia – uma casa de banho – e fecharam-se lá. Uma delas até fez xixi nas calças de tanto medo que tinha. Foi hilariante. Elas dizem que até agora nunca tiveram tanto medo como ali”, contou ao i.
Bilhetes esgotam em minutos
Foi no início da década que Michel Simeão teve a oportunidade de criar o seu primeiro projeto de terror. “Um amigo meu tinha uma casa devoluta, com um ar muito decrépito e assustador, e perguntou-me se eu queria fazer ali alguma coisa. Eu olhei para a casa e disse ‘acho que tenho uma ideia gira que podemos experimentar fazer aqui’”. Inspirado no turismo de terror que se tem vindo a desenvolver na Europa e Estados Unidos, Michel Simeão criou uma história falsa acerca da casa do amigo, publicou-a num blog e organizou visitas guiadas. O evento que criou foi um sucesso. “Tivemos uma loucura de gente a querer participar”, recorda.
Oito anos e três projetos de Casa Assombrada depois, o sucesso mantém-se. A Casa Assombrada de Belas, que estreou em 2015 e esteve cerca de um ano e meio em cena, foi este ano reposta depois de vários pedidos de espetadores nas redes sociais. Os bilhetes têm esgotado em minutos. Todos os dias 1, à meia noite, abrem as bilheteiras, via email, para o respetivo mês. Em outubro, por exemplo, às 00h00, estavam mais de 100 pessoas a tentar reservar bilhetes, anunciou a companhia através da página oficial do Facebook.