A economia social de mercado baseia–se nas empresas que são capazes de criar riqueza através da venda de produtos e serviços à comunidade, e que depois a investem em novos projetos rentáveis que criam emprego e dinamizam a economia.
Por isso, as empresas bem geridas são capazes de aumentar os seus recursos próprios, captando também poupanças a investidores, a quem inspiram suficiente confiança para que estes lhes confiem diretamente o seu dinheiro, com o objetivo de mais rapidamente fazerem crescer os seus projetos e consequente capacidade produtiva.
Complementarmente, os bancos recolhem as poupanças de milhares e milhares de aforradores e emprestam-nas depois às empresas que considerem que têm as competências tecnológicas e as capacidades de gestão para “multiplicar a riqueza ao serviço da sociedade”.
Ficando a depender da solidez das empresas a quem empresta dinheiro para poder assegurar a remuneração-base garantida aos seus depositantes, a banca será tanto mais sólida quanto maior for o rácio de capitais próprios das empresas suas devedoras.
Ou seja, quanto mais rentável e menos endividada estiver uma empresa, maior será a apetência dos bancos para lhe emprestarem dinheiro .
Com a entrada de Portugal no euro, o crédito tornou-se mais fácil e barato para as empresas. Só que, apesar disso, a respetiva solidez financeira acabou lamentavelmente por diminuir.
E deu-se aqui um fenómeno perverso: desde a entrada de Portugal no euro até à pré-bancarrota de 2011, as empresas que mais se endividaram foram aquelas que mais cresceram.
Ou seja, quem tinha mais dívida, adquiriu também mais poder económico!
E, obviamente, menos dinheiro sobrava na banca para as outras empresas que, mais prudentes, procuravam primeiro obter internamente as margens que depois lhes permitiam crescer com um rácio de dívida controlado.
Foi este sistema de endividamento pouco saudável que gerou uma parte apreciável do malparado bancário, pelo que tudo o que se puder fazer agora para promover o aumento dos capitais próprios nas empresas está também a contribuir para resolver de forma mais eficaz os problemas do malparado na banca.
Era, aliás, nessa linha lógica que se inseria a descida do IRC, aprovado anteriormente pelo governo PSD/CDS com o apoio do PS.
Não se entende, por isso, a incoerência do atual governo que, ao mesmo tempo que suspendeu unilateralmente a descida prevista do IRC, diz que está simultaneamente muito empenhado em promover a capitalização das empresas.
Por outro lado, ao lerem-se as declarações dos responsáveis máximos do governo de que a “recapitalização” da Caixa Geral de Depósitos servirá para “apoiar as empresas”, fica-se perplexo.
Mas como?
– Será que a “ futura “ Caixa Geral de Depósitos pretende aumentar a participação direta no capital social das empresas? E, nesse caso, qual o critério de escolha dos felizes contemplados, de forma a não distorcer a saudável concorrência entre empresas?
É que estamos no mesmo país que há poucos anos assistiu, atónito, aos empréstimos de centenas de milhões de euros pela Caixa a quem usou esse dinheiro para comprar ações dum banco privado concorrente, para assim apoiar a eleição exatamente dos então presidente e vice-presidente da Caixa para irem, respetivamente, para presidente e vice–presidente desse banco concorrente. Este fenómeno extraordinário passou–se em Portugal e, por isso, todo o cuidado é pouco…
– Ou pretende-se apenas emprestar mais dinheiro às empresas de uma forma que estas possam mais facilmente “endividar-se para promover o crescimento”? E, nesse caso, qual o grau de prudência e de rácios de capitais próprios que será exigido às próprias empresas para que se lhes empreste mais dinheiro?
É que, se não se exigirem essas contrapartidas, no curto prazo, quem tiver mais dívidas é quem disporá de mais poder económico para se expandir .
Mas, no médio prazo, todos os contribuintes portugueses poderão estar certos de que serão chamados a pagar mais uma vez uma nova “recapitalização” da Caixa, para poder cobrir o estoiro dos créditos malparados que entretanto se irá verificar.
E é exatamente para evitar que tais devaneios continuem a destruir a parte mais saudável da economia portuguesa que assinei o “Manifesto Por uma Democracia de Qualidade”.
Especialmente num momento em que se assiste, de novo, a tantas jogadas para o controlo de importantes bancos que operam em Portugal, as empresas portuguesas de bens transacionáveis, que vivem de servir a sociedade, esperam que os seus projetos de expansão não venham a ser mais uma vez secundarizados .
E que “não sejam os mais endividados a tomar conta do poder”…
Professor catedrático do Instituto Superior Técnico, Subscritor do “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade”