Desta vez acabou mal. Há 25 dias que uma milícia ocupa o edifício de uma reserva natural para animais selvages no Oregon. Na sua maioria rancheiros ultraconservadores, contestam a autoridade de Washington e afirmam lutar pela defesa dos seus direitos constitucionais. À frente do grupo estava Ammon Bundy, preso esta terça-feira durante um bloqueio de estrada enquanto se dirigia – com um conjunto de seguidores – para uma sessão de doutrinamento numa localidade próxima.
As autoridades policiais receavam uma escalada de tensão ou um cerco demorado, como já aconteceu no passado, por isso montaram uma “emboscada” longe do refúgio. A estratégia funcionou e além de Ammon foram presas mais seis pessoas, entre elas o seu irmão Ryan. Um oitavo elemento do grupo entregou-se e um outro foi morto – segundo informação avançada pela filha trata-se de Robert “LaVoy” Finicum, também rancheiro e que fazia as vezes de porta-voz do grupo. O FBI e a polícia do Estado do Oregon emitiram um comunicado relatando as prisões e a morte, mas recusaram-se a avançar com identificações.
Os detidos vão agora ser acusados por crime federal de conspiração através do uso da força, intimidação ou ameaça, para impedir as autoridades dos EUA de cumprir suas funções oficiais.
Não vou para uma cela A ocupação tinha começado a 2 de janeiro, em resposta à pena de prisão (que os ocupantes consideram desajustada) aplicada aos rancheiros Dwight e Steven Hammond, condenados por terem provocado fogo numa propriedade que pertence ao Estado norte-americano.
Durante três semanas, as autoridades tentaram pacificamente que o grupo desocupasse o refúgio, sem sucesso. Face aos crescentes protestos pela passividade das forças policiais, a polícia teve de agir. E eles chegaram até de rancheiros locais que alinham com o argumentário de Bundy e do seu bando, mas que criticam a ocupação,
No início da invasão do refúgio da reserva de Malheur, Ammon Bundy tinha dito que admitia ali ficar durante anos e que, se necessário, o seu grupo estava disposto a empunhar armas e até a morrer.
O jornal “The Oregonian” cita uma testemunha que diz que foi isso mesmo que aconteceu com “LaVoy” Finicum: carregou contra as autoridades quando os dois carros em que o grupo viajava foram mandados parar; a resposta da polícia matou-o. “É aqui que vou dar o meu último suspiro, quer tenha 90 anos, 95 ou 55 [a idade atual, com que morreu]” – já tinha anunciado no início do mês à “Associated Press”. “Não vou é passar os meus dias numa cela”
O “Oregonian” conta que um negociador da polícia, que identifica como “Chris”, falava diariamente com Ammon Bundy, tentando convencê-lo a sair. Outros elementos do grupo foram aceitando as ofertas das autoridades para regressar a casa, explica o jornal. Os membros da milícia que ficaram no refúgio estão agora a ser dirigidos por Jason Patrick, que também já falou ao telefone com o negociador. Afirma esperar que a crise se resolva pacificamente, argumenta que a maioria dos ocupantes decidiu ficar e insiste que os Hammond têm de ser libertados. A polícia, entretanto, criou um perímetro de segurança à volta do edifício.
Cowboys contra índios Os Bundy são rancheiros, tal como Finicum ou os Hammond. Mais precisamente são cowboys que vivem do gado e passam meses a transportá-lo pelos vários Estados do Velho Oeste, à procura das melhores pastagens. Ultraconservadores, há anos que desafiam Washington, defendendo o direito constitucional de serem o Estados, os “distritos” (counties) ou os próprios indivíduos a gerir a terra. A principal luta destes homens é contra as reservas federais de território, onde não podem passar com o seu gado ou têm de pagar taxas para as atravessar. Mais de 80% do Nevada – de onde é originária a família Bundy – é gerida por instituições federais, civis ou militares. Nos vários Estados em redor, e de onde eram originários os outros presos (Montana, Idaho, Utah, Arizona), este valor corresponde a cerca de metade.
A família Bundy há muito que é conhecida das autoridades. O pai dos irmãos, Cliven Bundy, mantém um braço-de-ferro desde os anos 90 com a “besta negra” destes cowboys, o Bureau of Land Management (o BLM, no que se pode traduzir como o Centro de Administração da Terra) que lhe impôs taxas para poder usar as terras do governo federal como pasto para o seu gado. Clive recusou e já deve mais de 1 milhão de dólares de taxas e custas judiciais por pagar. Esta oposição a Washington não se manifesta apenas pelos terrenos. Estes cowboys – que lutam contra o Estado Federal como os seus antepassados há mais de cem anos lutavam contra os índios – consideram também que são os xerifes e não a polícia do país a impor a lei.
Entre batalhas legais e a ajuda dos xerifes, Cliven foi ganhando espaço e em 2014 chegou a confronto com o BML, quanto o organismo decidiu que chegara a hora de “confiscar” o gado dos Bundy. Milícias de todo o país chegaram em sua defesa, ligadas a movimentos de extrema-direita e que também não reconhecem a autoridade federal. Em abril desse ano as coisas ficaram feias, e esteve iminente um embate entre os agentes do Bureau e uma multidão furiosa e armada. Depois do susto, o BML fez ameaças, mas o gado de Cliven Bundy continuou a pastar onde não podia.
Desta vez, tinha de ser diferente.