“A vida não se repete. Ainda que habites os mesmos espaços e saibas mais ou menos o que vai acontecer quando chegas ao trabalho, à pastelaria ou a casa. As cenas são mais ou menos as mesmas só que habitas de maneira diferente. Porque estás diferente.” Quem o confirma é Romeu Costa, que se juntou a Pedro Gil para contar uma história que se passeia na corda bamba entre vários temas e tempos verbais. “Enquanto Vivermos” é a desculpa dos dois amigos para falar sobre quase tudo: começando na memória, passando pelo teatro, o cinema e a amizade.
Para que nada fique por explicar, rebobinemos. Estamos em 1976 e esta é a história de dois amigos, ex-combatentes, que vamos conhecendo à medida que partilham vivências e pensamentos. Poderia este ser um faz-de-conta como qualquer outro se não existisse aqui uma camada extra essencial, sobre o próprio faz de conta. Num segundo plano, precisamente atrás dos actores, estão eles mesmos, a representar a mesma situação – que, apesar de tudo, nunca será igual. “Construir uma memória, fabricá–la, documentá-la e depois relacionarmo-nos com ela ao vivo”, explica o encenador Pedro Gil sobre o método adoptado.
Resumindo, quem assistir à estreia de hoje à noite vai poder desfrutar da peça e também da projecção da gravação do ensaio geral (realizado ontem à noite). Gravar um ensaio e utilizá-lo em ensaios posteriores foi a lógica adoptada pela dupla até agora. A ideia era falar de “como nós habitamos o espaço e o palco na relação com esta memória de ontem”, avança Romeu. Pedro remata: “Nós repetimos mas ao mesmo tempo é irrepetível aquilo que aconteceu naquele dia.” Escusado será dizer, portanto, que o mesmo espectáculo se dividirá em quatro diferentes – cada um será único.
Os doze anos de convivência e as quase dez ocasiões em que trabalharam juntos trouxeram-nos aqui. Pedro Gil e Romeu Costa são co-autores da nova peça e ainda os únicos actores da mesma. Falar sobre o teatro e o cinema, paixões que têm em comum, era inevitável, assim como as relações que se estabelecem entre amigos ou ainda a passagem do tempo.
Este “Enquanto Vivermos” surgiu entre conversas e diálogos feitos ao improviso. Pedro relembra como foi: “Parar, comentar, conversar. Fizemos a coisa a partir de dentro como dois palhaços que fazem o seu número, vai-se experimentando.” Entre malabarismos, muito pode acontecer numa linha infinita de possibilidades. Mas havia um prazo. Quando entregaram a proposta para a peça só tinham uma ideia, em dois meses tiveram de a moldar e fazê-la resultar. “É como se fossemos pintores e disséssemos: ‘No próximo quadro vou só pintar a azul e não quero usar pincéis número cinco.’ Só tínhamos coisas formais, técnicas”, compara Pedro, admitindo que a “criação contemporânea com estreia marcada é sempre um risco”.
O Fascínio começou no cinema, para ambos. “Nunca vi teatro em criança nem em adolescente. Era espectador de cinema que, no fundo, era uma sala escura onde se podiam sentir coisas. Saía dos filmes a andar ou falar como os protagonistas”, conta Pedro. Queriam realizar mas acharam que, para isso, tinham de saber primeiro o que era ser actor. Entretanto, acabaram por ser, também eles, os criadores de novos mundos. O cinema não ficou esquecido e esta peça é um passo nessa direcção. Ao passado que vive de bem com o presente.
A partir de hoje e até domingo, às 21h30 na Culturgest, Lisboa