Wanda Jackson. “O Elvis era um cavalheiro a incendiar o mundo. E eu com ele”


É a rainha do rockabilly, a mulher que foi monarca em tempos de ditadura masculina, que namorou Elvis Presley, que foi da country ao rock’n’roll numa rápida mudança de acordes. É tudo isto desde meados dos anos 50 e foi em 2011 que Jack White – antigo White Stripes e herói da tradição americana –…


É a rainha do rockabilly, a mulher que foi monarca em tempos de ditadura masculina, que namorou Elvis Presley, que foi da country ao rock’n’roll numa rápida mudança de acordes. É tudo isto desde meados dos anos 50 e foi em 2011 que Jack White – antigo White Stripes e herói da tradição americana – lhe produziu “The Party Ain’t Over Yet”, o disco que levou Wanda Jackson a tocar em todo o mundo. Antes dos concertos em Portugal, hoje e amanhã, conta-nos histórias e esclarece mal-entendidos:

Esta estação de rádio para a qual estou a falar, é de Portugal ou de Espanha?

É um jornal, na verdade, e é português.

Ah, alguém me informou mal. Ou então fui eu que não percebei. É o que dá ficar em casa com gripe, há coisas que não podem correr bem.

Está doente?

Sim. Mas não se preocupe, é uma coisa que acontece com regularidade e habituamo-nos a isso a partir de certa altura, vou tocar aí, sem problema. E o médico mandou-me levar as coisas com calma, disse-me que tenho trabalhado de mais para uma senhora de 74 anos.

Têm sido meses intensos?

Mesmo antes de o médico me avisar já tinha reduzido os concertos, ainda que agora no Verão tenha mais datas. Mas o ano passado foi incrível, com um álbum produzido pelo Jack White, concertos de abertura para a Adele, fui ao programa do David Letterman, do Conan O’Brien. São programas de grande audiência aqui na América, sabe? Isso faz diferença.

E tem percebido a reacção do público?

Tive casas cheias e encores, acho que é a melhor forma de avaliar o que aconteceu. E com a banda que me tem acompanhado posso fazer melhores concertos que alguma vez fiz na minha carreira.

Regressou aos discos, com “The Party Ain’t Over”, graças ao convite e à produção de Jack White. Como é trabalhar com ele?

Quando conheci o Jack, quando ele me levou para o estúdio, pensei: “Mas que raio faço eu aqui?” Quero dizer, ele é mais novo que o meu filho mais velho. Mas isso no showbiz não quer dizer nada. Ele tratou de mim com muito carinho, sempre com ideias muito originais, sobre as canções e as actuações. Levou-me ao limite, até chegar onde ele queria, e isso foi o melhor que me podia ter acontecido. Consegui fazer o melhor momento da minha carreira.

E antes de conhecer o Jack, o que fazia?

Alguns concertos em clubes, uns convites para galas especiais pelo meio, mas era mais dona de casa. Não fazia concertos tão longos nem tinha tanta gente que sabia as minhas canções de cor. Para mim são as melhores noites de sempre. E para quem vai também, porque podem ver e ouvir a rocker girl original.

Ainda que a realidade seja outra.

Sim, e muito diferente. Nem vale a pena falar sobre os métodos de gravação e todas essas coisas técnicas. Se bem que com o Jack White isso não se coloca porque ele ainda grava tudo em analógico, nada de digital. E a verdade é que a maioria dos meus fãs prefere ouvir as minhas canções em vinil do que em CD. Dizem que tem um som mais quente, melhor. Eu não percebo e continuo a gostar mais de CDs. Mas sim, muitas coisas são diferentes. As salas de concertos são maiores, há mais formas de divulgar os concertos e os discos e fartam-se de vender, com as lojas online e tudo isso. Dizem que a música está mal… eu acho que a indústria vai muito bem.

Mas há 50 ou 60 anos não havia tantas decisões motivadas pelo negócio, certo?

Não havia tantas mas isso já existia. Na altura, por exemplo, tiveram que arranjar um nome para nós porque o que fazíamos não era country nem era coisa nenhuma. Ao Elvis chamavam de hillbilly cat. Apenas tiraram o “hill” e substituíram por “rocka”. E era isso o rock’n’roll, o original, primeiro com o Bill Haley, que abriu a porta, e depois o Elvis, que a escancarou para todos nós. Foi o Elvis que insistiu para que eu cantasse e foi nessa altura que descobri como gostava disso.

Ao mesmo tempo, no início dos anos 50, foi namorada do Elvis.

Sim, mas não de forma tradicional. Eu vivia em Oklahoma, onde ainda vivo, e ele no Tennessee. Estávamos juntos quando estávamos em digressão. E era quase todo o dia na estrada para depois trabalhar à noite. Mas quando podíamos saíamos depois dos concertos para estar algum tempo juntos. O meu pai, que viajava comigo, gostava do Elvis. Por isso deixava-me sair durante umas horas. E às vezes íamos todos. Eu tinha 17, era uma adolescente. Ele era um tipo incrível, um cavalheiro a incendiar o mundo. E eu com ele. Acompanhei-o quando ele começou a revolucionar a música.

Além de namorado, Elvis também foi uma inspiração musical?

Não podia ser de outra maneira. Também havia Hank Thompson, Hank Williams, Jimmy Rogers, todos eles tinham um estilo tremendo. Mas foi com o meu pai que comecei a cantar e a tocar guitarra, aos sete anos. Ele era cantor de country e foi por aí que comecei. Na verdade, tenho um novo álbum já gravado e vai ser sobretudo country. Cantávamos quase todas as noites, isto ainda nos anos 40.

Pouco depois, era uma das poucas mulheres na vida do rock’n’roll.

E não era nada fácil. O que os homens faziam, sobretudo, era tolerar a nossa presença. Costumava ser a única miúda naquelas andanças. E era também por isso que o meu pai me acompanhava sempre. As mulheres ficavam mais no público, eram as teenyboppers. E eram um fenómeno, nunca tínhamos visto uma coisa assim, o caos, o efeito que o Elvis causava. Nem a indústria sabia o que fazer. Foram atrás de tudo o que era cantor de rock’n’roll. Depois apareceram os Beatles.

Era fã dos Beatles?

Não. Estava sobretudo zangada com eles.

Porquê?

Eram grandes cantores, com canções muito bonitas, mas a minha editora de então, a Capitol, ocupava todas as suas fábricas para fazer álbuns e singles para os Beatles. Eu não conseguia lançar nada e muitos outros tinham o mesmo problema. Claro que a culpa não era dos Beatles mas era frustrante para nós. Hoje vejo as coisas com mais naturalidade.

Até porque teve uma carreira mais longa que eles.

Mais longa com menos sucesso, não é… E quando somos novos achamos que somos invencíveis, queremos fazer tudo na hora. Na verdade, somos bastante frágeis. Sobretudo quando temos gripe.