No passado dia 15 de março, os Houthis, grupo terrorista do Iémen financiado pelo Irão, foram alvo de ataques americanos. A causa dos ataques prende-se com as ações do grupo iemenita contra embarcações, principalmente israelitas, no Golfo de Adem, provocando disrupções no comércio internacional que passa pelo Mar Vermelho e, posteriormente, pelo Canal do Suez, com destino ao Mediterrâneo.
Mas, volvidas sensivelmente duas semanas, uma “bomba”, não no sentido literal, caiu nos Estados Unidos. Na segunda-feira, o editor-chefe da revista americana The Atlantic, Jeffrey Goldberg, publicou uma peça que tem feito tremer a administração de Donald Trump. Intitulado “The Trump Administration Accidentally Texted Me Its War Plans” (A Administração Trump enviou-me acidentalmente por mensagem os seus planos de guerra, em português), o artigo leva os leitores a acompanhar a bizarra, e inédita, experiência de Goldberg.
Goldberg adicionado à conversa
O jornalista, na introdução do texto que tem gerado polémica um pouco por toda a parte, resume o sucedido: «Os líderes da segurança nacional dos EUA incluíram-me numa conversa de grupo sobre os próximos ataques militares no Iémen. Não pensei que pudesse ser real. Depois as bombas começaram a cair». A situação começou com um convite no Signal – uma aplicação de conversas similar ao Whatsapp que, segundo Goldberg, «é um serviço de mensagens encriptadas de open-source popular entre os jornalistas e outras pessoas que procuram mais privacidade do que os outros serviços de mensagens de texto são capazes de oferecer» – enviado ao jornalista por Michael Waltz, o Conselheiro de Segurança Nacional da atual administração americana.
Explosões validaram veracidade do grupo
Mesmo suspeitando que se poderia tratar de uma «armadilha», Goldberg aceitou «na esperança de que fosse o verdadeiro Conselheiro de Segurança Nacional e que quisesse falar sobre a Ucrânia, o Irão ou qualquer outro assunto importante». Esse utilizador acabaria por adicionar o jornalista da The Atlantic a um grupo com o nome «Houthi PC small group», do qual faziam parte utilizadores com o nome dos principais protagonistas do Governo – o vice-presidente J. D. Vance, o Secretário de Estado Marco Rubio, o Secretário da Defesa Pete Hegseth, a Diretora de Inteligência Nacional Tulsi Gabbard, o enviado especial para a Ucrânia e para o Médio Oriente Steve Witkoff, a Chefe de Gabinete de Donald Trump Susie Wiles, entre outros.
«Tinha fortes dúvidas de que este grupo fosse real», escreveu Jeffrey Goldberg, «porque não podia acreditar que a liderança da segurança nacional dos Estados Unidos comunicasse através do Signal sobre planos de guerra iminentes». «Também não podia acreditar», continuou o jornalista, «que o Conselheiro de Segurança Nacional do Presidente fosse tão imprudente a ponto de incluir o editor-chefe da The Atlantic em tais discussões com altos funcionários dos EUA, incluindo o vice-presidente».
Após abordar alguns detalhes da conversa, omitindo naturalmente outros que não deverão ser de conhecimento público, Goldberg relata o momento em que a possibilidade de toda a história ser real ganhou uma nova força. «Segundo o longo texto de Hegseth, as primeiras detonações no Iémen seriam sentidas dali a duas horas, às 13h45, hora de Leste», conta o jornalista. «Por isso, esperei no meu carro, no parque de estacionamento de um supermercado. Se esta conversa por sinal fosse real, pensei, os alvos Houthi seriam bombardeados em breve. Por volta das 13h55, verifiquei o X e procurei Iémen». «Nessa altura», conclui, «ouviam-se explosões em Sanaa, a capital».
Após chegar à conclusão de que o grupo seria mesmo verdadeiro, Jeffrey Goldberg enviou uma série de e-mails em busca de uma confirmação oficial, tendo esta última sido dada por Brian Hughes, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, e por William Martin, porta-voz da vice-presidência. O primeiro, segundo o jornalista, respondeu duas horas depois, confirmando a veracidade do grupo Signal. «Esta parece ser uma sequência de mensagens autêntica e estamos a analisar a forma como um número inadvertido foi adicionado à sequência», escreveu Hughes. O segundo, conta Goldberg, disse que, apesar da impressão criada pelos textos, o vice-presidente está totalmente alinhado com o Presidente. «A primeira prioridade do vice-presidente é sempre certificar-se de que os conselheiros do Presidente o informam adequadamente sobre o conteúdo das suas deliberações internas», afirmou.
Problemas jurídicos e reações
Esta grave brecha da administração americana, que permitiu acesso a informação confidencial de um plano de ataques, carrega consigo, naturalmente, problemas de natureza jurídica. Esta vertente do problema não foi negligenciada por Goldberg, que entrou em contacto com vários advogados com vista a apurar a gravidade deste erro do executivo americano. «Todos estes advogados afirmaram que um funcionário dos EUA não deveria, à partida, criar uma sequência no Signal. A informação sobre uma operação ativa enquadrar-se-ia, presumivelmente, na definição legal de informação de “defesa nacional”. A aplicação Signal não é aprovada pelo governo para compartilhar informações confidenciais. O governo tem os seus próprios sistemas para esse efeito. Se os funcionários quiserem discutir atividade militar, devem dirigir-se a um espaço especialmente concebido para o efeito, conhecido com uma instalação de informação compartimentada, ou SCIF. (…) Normalmente, os telemóveis não são permitidos dentro de um SCIF, o que sugere que, como estes funcionários estavam a partilhar informações sobre uma operação militar ativa, poderiam estar a circular em público. Se tivessem perdido os telemóveis, ou se estes tivessem sido roubados, o risco potencial para a segurança nacional teria sido grave».
Mike Waltz já assumiu a «total responsabilidade» do caso que considera «embaraçoso». Trump já defendeu o Secretário da Defesa e diz que Waltz «aprendeu com o erro». Assim, um caso inédito, que, ao que parece, não terá consequências mais graves para os membros da administração, permitiu ao público uma melhor compreensão de como as decisões importantes do país, neste executivo, são elaboradas e postas em prática. Das conversas partilhadas pelo editor-chefe da The Atlantic, dá ainda para entender como J. D. Vance e Pete Hegseth avaliam a relação com a Europa – e não é de forma muito positiva.