É inegável que as medidas do Governo de Luís Montenegro para os jovens, no que à habitação diz respeito, foram uma lufada de ar fresco para muitos. A isenção do IMT e do imposto de selo permitiram que milhares de jovens aproveitassem para comprar casa. O valor da poupança até podia não ser elevado – depende sempre do valor da casa – mas qualquer ajuda é bem-vinda nestas alturas.
E os dados mostram que foram muitos os jovens que aproveitaram. Segundo o Banco de Portugal (BdP), mais de quatro em cada dez pessoas que contrataram crédito habitação própria permanente em 2024 tinham até 35 anos, uma percentagem que está acima do ano anterior. Em números, 43% das pessoas que obtiveram crédito habitação própria permanente em 2024 tinham entre 18 e 35 anos, um aumento de dois pontos percentuais face a 2023 (41%). E é preciso ter em conta que esta medida do Governo apenas teve início no mês de agosto.
Segundo os dados mais recentes do Ministério das Finanças, quase 26 mil jovens até aos 35 anos já beneficiaram da isenção de IMT e Imposto de Selo desde agosto de 2024. E pouco tempo depois de estar operacional, já há mais de 6 mil pedidos de créditos da casa com garantia pública, que possibilita financiamentos bancários até 100%.
‘Não há almoços grátis’
André Casaca, consultor e promotor imobiliário, é da opinião de que “as medidas do Governo contribuíram para dinamizar a contratação de crédito habitação por parte dos jovens até aos 35 anos”.
No entanto, atira: “Não considero de forma alguma que estas medidas sejam uma “salvação”. Como se diz em economia, ‘não há almoços grátis’”.
Por isso, André Casaca reitera a opinião que já defendia antes da implementação destas medidas governamentais: “A acessibilidade à habitação não pode ser analisada apenas pela capacidade de comprar casa” e que “o funcionamento saudável do mercado habitacional não pode, em circunstância alguma, depender quase exclusivamente da compra e venda de imóveis”.
Para o responsável, “é fundamental promover um mercado de arrendamento habitacional sólido, capaz de responder às reais necessidades da população”, mas, mais do que isso, “é essencial desenvolver projetos imobiliários exclusivamente destinados ao arrendamento, garantindo uma oferta estruturada e equilibrada”.
É que, na sua opinião, “sem aumentar significativamente a oferta no mercado de arrendamento habitacional, o problema da habitação não será resolvido”.
Quanto aos dados relativos ao crédito habitação que aumentou até aos jovens até aos 35 anos, André Casaca confessa que tal resulta das medidas governamentais. No entanto, deixa o alerta: “Parece-me também que estas medidas acabaram por criar um ‘mercado especulativo’ em torno dos imóveis cujos valores de venda não ultrapassam os limites estabelecidos pelo Governo”.
Agora que vamos a eleições, o responsável imobiliário diz que “é difícil antecipar o que poderia acontecer” mas adianta que, “tendo em conta os diversos programas apresentados pelos diferentes partidos durante as campanhas eleitorais, parece-me evidente que nenhum deles estabeleceu pressupostos verdadeiramente realistas para criar as bases de uma solução estrutural para o problema da habitação”, defendendo que a maioria das propostas “pareceu focada em medidas de curto prazo, sem abordar de forma consistente as causas profundas da escassez de oferta e do desequilíbrio no mercado habitacional”.
Recorde-se que Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), já tinha defendido ao i que “se essas medidas permitirem que, por si só, alguns jovens consigam aceder a casas que de outro modo não conseguiriam, serão boas medidas”. Até porque dão mais capacidade competitiva aos jovens. “É importante percebermos que, num contexto de mercado caracterizado por escassez de oferta perante fluxos de procura, a realidade é que diferentes compradores concorrem entre si para comprar uma casa. E estas medidas o que fazem é dar aos jovens melhor capacidade competitiva”, defende.
E realmente ajudaram muitos jovens. Mas Paulo Caiado admite que, no entanto, é preciso ter em conta que apenas estas medidas não chegam para se resolver um problema que não é de hoje. “É preciso fazer muito mais”, atira. E o quê: “Nomeadamente, estimular um novo segmento de mercado com casas a preços controlados”. Dessa forma, adianta, “seria possível ter um segmento relevante de mercado onde, de um lado, o Estado tem de dar prioridade a três fatores importantes no preço final de uma casa: o terreno, toda a estrutura fiscal que incide sobre a construção e o prazo de licenciamento de um projeto”.
O presidente da APEMIP não tem dúvidas de que o Estado, “ao entregar estes três fatores, pode exigir como contrapartida um preço regulado, estimulando um novo e abrangente segmento de mercado”.
Ajuda ao setor?
Mas há quem diga – e os números parecem mostrá-lo – que estas medidas vieram também ajudar o setor do imobiliário, tendo em conta que há mais casas vendidas. O consultor e promotor imobiliário ouvido pelo i diz que “é verdade que as medidas permitiram apoiar ‘algumas franjas do mercado’”. No entanto, “parece-me evidente que não houve alterações estruturais que permitam ao país ter um verdadeiro plano para resolver o problema do acesso à habitação”, alerta.
É que, conforme explica ao nosso jornal, “vender mais casas não significa que temos uma solução – ou sequer as bases de uma solução – para o problema. Infelizmente, aumentar o número de transações não resolve a falta de oferta adequada nem a dificuldade de acesso das famílias à habitação”. Por isso, defende que “o desafio continua por resolver e exige medidas estruturais, ajustadas à realidade do país”.
Preços das casas e rendimentos baixos travam independência
As medidas do Governo ajudam mas há muitos entraves que continuam a não deixar os jovens conseguir acesso a habitação própria. Falamos não só dos baixos rendimentos como dos preços elevados das casas.
Um recente estudo da Century21 mostra isso mesmo: os preços elevados das habitações (43%) e rendimentos insuficientes (30%) são os principais obstáculos à independência dos mais jovens. Os dados mostram que os jovens dos 36 aos 40 anos, 88,6% vivem de forma independente, enquanto esse número desce para 76,3% entre os 28 e os 35 anos. No entanto, entre os jovens dos 20 aos 27 anos, 49,5% ainda vivem com os pais.
Entre os jovens que já se emanciparam, 74,8% dos que têm entre 36 e 40 anos alcançaram essa condição há mais de cinco anos. Mas para aqueles que ainda não são independentes, “o caminho para a emancipação está repleto de desafios”.
O desafio de conseguir comprar uma casa é ainda agravado pelo facto de uma forte concentração da oferta de imóveis em valores superiores a 300 mil euros, que representam a maior parte das casas disponíveis no mercado.
A Century21 defende que “a baixa disponibilidade de imóveis acessíveis é, aliás, um dos fatores críticos”, uma vez que apenas 1% da oferta em Lisboa está disponível abaixo dos 100 mil euros, “e mesmo na faixa até 125 mil euros, a disponibilidade é praticamente inexistente (1% em Lisboa e 1% no Porto)”. “Essa escassez restringe significativamente as opções para jovens com menor capacidade de financiamento, reforçando a necessidade de políticas públicas que ampliem a oferta de habitação a preços acessíveis”.
“Para muitos jovens, sair de casa dos pais significa dar início a uma vida a dois, mas a verdadeira dificuldade não está na vontade de emancipação e sim na conjugação de rendimentos baixos com a instabilidade profissional. Ter uma casa própria e construir um futuro continua a ser um grande sonho para a maioria dos jovens portugueses. No entanto, para muitos, esse sonho tem sido adiado indefinidamente. Este estudo apresenta uma realidade inquestionável: os jovens não desistiram de sair de casa, mas o sistema tem dificultado que consigam atingir esse objetivo de vida”, afirma Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal.
O responsável acrescenta ainda que “a escolha de uma casa não depende exclusivamente do preço”, uma vez que os jovens “dão prioridade à proximidade de serviços, à existência de transportes públicos eficientes e à eficiência energética da habitação, atribuindo menos relevância à dimensão do imóvel. O desafio real não é apenas garantir habitação acessível (affordable housing), mas sim condições para um custo de vida sustentável (affordable living)”. Ricardo Sousa explica também que os apoios à habitação “são percecionados como insuficientes e a solução não pode assentar apenas em apoios do Estado. Se formar família continua a ser um dos principais objetivos dos jovens e a mobilidade é um fator determinante, é essencial criar condições que tornem o dia-a-dia mais acessível”.
É que a taxa de esforço continua mesmo a travar o acesso dos jovens à garantia estatal no crédito à habitação. E André Casaca não hesita: “Temos, de facto, um problema de custo, agravado pelo baixo rendimento das famílias”, explicando que “a taxa de esforço, no fundo, não passa de um exercício matemático, que pouco resolve se não forem atacadas as causas estruturais do problema”.
Na sua opinião, “é urgente investir em políticas de habitação pública verdadeiramente racionais, sustentadas numa visão de longo prazo, e permitir alterações regulamentares ao nível do planeamento urbano que possibilitem o desenvolvimento de projetos habitacionais ajustados às necessidades demográficas reais do país”. E garante: “Sem estas mudanças, continuaremos a adiar a solução para um problema que só tende a agravar-se”.