Sanções na AR. O que Portugal pode aprender com a Europa?

Sanções na AR. O que Portugal pode aprender com a Europa?


Insultos, agressões físicas e má conduta de deputados têm levado à criação de códigos de conduta mais rígidos em parlamentos europeus. Quais as sanções mais comuns lá fora? Portugal deve seguir o exemplo?


Um debate caloroso em dezembro de 1997 acabou com um eurodeputado a apertar o pescoço a outro no Parlamento Europeu. Discutia-se o relatório sobre o tabaco e, a dado momento, o então eurodeputado socialista dinamarquês, Freddy Black, acusa Rosado Fernandes, ex-eurodeputado centrista português, de «receber dinheiro das tabaqueiras». A reação do representante português e ex-líder da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) foi levantar-se da cadeira, dirigir-se a Black e apertar-lhe o pescoço. Como consequência, Rosado Fernandes foi suspenso durante dois dias e retirou-se das listas às eleições europeias.
O caso ficou marcado por ter sido um dos primeiros e mais graves incidentes no plenário europeu, mas depois deste, muitos outros se seguiram. Ficou clara a necessidade de se criar um código de conduta rigoroso para os eurodeputados.
Hoje, o Regimento do Parlamento Europeu estabelece sanções claras para os deputados que usem «linguagem ofensiva» ou atentem contra a Carta dos Direitos Fundamentais.
Exemplo disso, foi o caso do eurodeputado polaco Janusz Korwin-Mikke que, em 2017, foi suspenso e multado em mais de nove mil euros euros por afirmar, durante uma sessão plenária, que as mulheres «devem ganhar menos do que os homens», porque são «mais fracas, pequenas e menos inteligentes».

O PARLAMENTO DO VALE TUDO?
Por cá, o caso não chegou tão longe ao ponto de haver agressões físicas, mas os insultos verbais geraram suficiente revolta para se começar a falar de uma revisão ao Código de Conduta dos deputados na Assembleia da República.
«Aberração, isto não é uma esquina, pareces morta, és uma drogada». Os insultos dirigidos à deputada socialista e com deficiência visual Ana Sofia Antunes, por parte da bancada do Chega, aconteceram durante uma sessão plenária na passada quinta-feira.
As ofensas proferidas com o microfone fechado foram ouvidas por deputados de várias bancadas e não demorou até que começassem a surgir críticas por parte dos vários partidos, da esquerda à direita. Já quanto a sanções, nem vê-las. Há quem diga que existe um ambiente de impunidade no Parlamento e que é preciso haver regras.
Alexandra Leitão quer pôr fim ao que chamou de «ambiente de violência verbal e intimidação» e diz que a bancada socialista «vai estudar e propor alterações ao Código de Conduta dos deputados, incluindo a previsão de sanções como já existem em parlamentos de vários países e no Parlamento Europeu».
A deputada Ana Sofia Antunes frisou em entrevista à SICNotícias que o presidente da Assembleia da República, Aguiar-Branco, «faz o que pode», mas «deveria fazer mais» e que há deputados do Chega que «são permanentes» a proferir insultos, como Filipe Melo, Pedro Frazão e Rita Matias. Aguiar Branco já reagiu e empurra para os partidos com assento no parlamento a decisão de alteração do regimento em resposta aos insultos.

O CASO DO CHEGA À LUZ DAS SANÇÕES EUROPEIAS
Se a proposta socialista avançar, a Assembleia da República terá regras similares às de Bruxelas. O que é que isto significa? Na prática, o caso dos insultos à deputada Ana Sofia Antunes não passaria em branco e os/as deputados/as do Chega responsáveis pelas ofensas seriam punidos.
O artigo 183.º n.º4 do Regimento do ParlamentoEuropeu estabelece que deve ser tido em conta o «caráter pontual, recorrente ou permanente e a gravidade» do comportamento. Tendo já sido relatado por vários dos presentes na Assembleia da República que este é um comportamento recorrente da bancada do Chega então a sanção teria de ter em conta essa agravante.
Por sua vez, o n.º5 do mesmo artigo elenca as medidas sancionatórias que podem passar por «censura», «perda do direito ao subsídio de estadia por um período de dois a trinta dias», «suspensão temporária da participação no todo ou em parte das atividades do Parlamento por um período de dois a trinta dias durante os quais o Parlamento ou qualquer dos seus órgãos, comissões ou delegações se reúnam», ou «proibição de representar o Parlamento numa delegação interparlamentar, numa conferência interparlamentar ou em fóruns interinstitucionais pelo período máximo de um ano».
Está também previsto neste diploma que as medidas «podem ser agravadas para o dobro em caso de infrações repetidas».
O cenário parece ser semelhante nos restantes parlamentos ao nível europeu, sendo a advertência uma das medidas mais comuns, bem como a retirada da palavra – que também existe no regimento da nossa AR.

ESPANHA: 18 DIAS SEM SALÁRIO POR IMITAR DISPARO
Em Espanha, até mesmo um gesto pode levar a uma suspensão. Foi o que aconteceu com Pablo Padilla, deputado do partido Más Madrid, que, em maio de 2024, fez gestos a imitar o disparo de uma arma de fogo durante um discurso da presidente Isabel Díaz Ayuso na sessão plenária da Assembleia de Madrid.
A ação durou apenas alguns segundos, mas valeu-lhe uma suspensão de 22 dias sem remuneração, que depois foi reduzida para 18 dias.
O gesto aconteceu durante um discurso sobre o conflito entre Israel e a Palestina. O Partido Popular (PP) acusou Padilla de ‘ameaçar’ a presidente com o seu gesto, mas o deputado do Más Madrid argumentou que o gesto representava os ‘franco-atiradores de Israel a assassinar a população palestiniana’, justificando-o como uma expressão de indignação perante a postura de Ayuso que, segundo ele, minimizava as mortes dos palestinianos.
Padilla foi acusado de violar as regras de conduta da Assembleia de Madrid, por ter perturbado a ordem no plenário e desrespeitado a figura de autoridade da presidente da Assembleia, acabando sancionado.

REINO UNIDO: EXPULSO POR PROVOCAR DAVID CAMERON
A Câmara dos Comuns, no Reino Unido, também tem normas rigorosas de conduta para assegurar o decoro durante as sessões plenárias.
Conhecido pelos seus comentários incisivos, o deputado trabalhista Dennis Skinner foi suspenso em várias ocasiões por uso de linguagem considerada inapropriada no plenário. Em 2016, durante uma sessão, referiu-se ao então primeiro-ministro David Cameron como ‘Dodgy Dave’ (em português, ‘Dave Duvidoso’), insinuando uma conduta questionável sobre os assuntos fiscais do primeiro-ministro.
Após recusar-se a retirar o comentário foi expulso da sessão pelo então presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow.
As sanções aplicáveis aos membros da Câmara que infringem as regras podem variar conforme a gravidade da infração: o presidente da Câmara dos Comuns (Speaker) pode advertir verbalmente um deputado por comportamento inadequado ou uso de linguagem imprópria durante os debates; m casos de desrespeito contínuo ou infrações mais sérias, o deputado pode ser ordenado a retirar-se do plenário por um período específico; para infrações graves ou repetidas, o Parlamento pode votar pela suspensão do deputado por um período determinado, sem remuneração; e, em casos mais graves, os partidos políticos podem decidir retirar o ‘whip’ de um deputado, expulsando-o do grupo parlamentar.

FRANÇA: SUSPENSO 15 DIAS POR COMENTÁRIO RACISTA
Os comentários ofensivos e, neste caso, discriminatórios, também não são deixados passar em branco no Parlamento francês.
Em 2022, foi aplicada a sanção máxima a Gregoire de Fournas, um deputado recém-eleito do Reagrupamento Nacional (RN) da líder da extrema-direita Marine Le Pen, após ter dito «deviam voltar para África», quando um outro deputado negro questionava o Governo sobre o pedido de ajuda de imigrantes ilegais que tentam chegar à Europa.
O comentário gerou um ambiente de indignação no Parlamento e a presidente da Assembleia, Yaël Braun-Pivet, foi obrigada a suspender a sessão por considerar que não existiam condições para prosseguir.
Gregoire argumentou que não se tinha dirigido ao deputado, mas sim aos imigrantes. Em qualquer caso, foi considerada uma afirmação racista e o deputado de extrema-direita foi punido: suspensão por 15 dias e o corte do salário para metade durante dois meses, considerada a punição máxima de acordo com o Regimento (até então só decretada uma vez).
A decisão foi tomada pela mesa do Parlamento, a mais alta autoridade parlamentar, composta por 22 duas pessoas. Posteriormente foi comunicada pela presidente ao plenário, que a confirmou por maioria simples – só o partido de Le Pen não a aprovou.
«O livre debate democrático não pode permitir tudo. Certamente não [permite] insultos, certamente não racismo, qualquer que seja o objetivo. É a negação dos valores republicanos que nos unem nesta câmara», disse a presidente da Assembleia Nacional, depois da votação.