O encantamento com a política lá fora dos Trump’s contra o silêncio e desinteresse sobre o que acontece em Portugal


Trump tomou posse e já inundou novamente o espaço mediático global com anúncios controversos: da moeda digital às primeiras alterações em políticas climáticas. Enquanto isso, aqui em Portugal, assistimos a este espetáculo como espectadores atentos, mas esquecemos que os desafios do nosso país permanecem intocados.


Nos últimos dias aumentou o grau de obsessão nacional e assistimos a um espetáculo mediático que já se tornou quase ritualista: o escrutínio intenso, quase tóxico, sobre a política dos Estados Unidos da América. Donald Trump, novamente ele, tomou posse agora como 47.º Presidente dos Estados Unidos e, desde então, tem ocupado páginas de jornais, podcasts e dezenas de programas de análise política em Portugal.

Falamos de tudo e de nada: avaliamos as suas palavras até às vírgulas sobre as suas políticas ambientais, explicamos como vão funcionar as moedas digitais que anunciou, comentamos todas as figuras que o rodeiam e até fazemos listas dos multimilionários americanos que seguem a sua narrativa. O fascínio é total, quase hipnótico. E, enquanto isso, em Portugal, o que discutimos? Ou melhor, o que deixamos de discutir?

Trump tomou posse e já inundou novamente o espaço mediático global com anúncios controversos: da moeda digital às primeiras alterações em políticas climáticas. Enquanto isso, aqui em Portugal, assistimos a este espetáculo como espectadores atentos, mas esquecemos que os desafios do nosso país permanecem intocados.

A política nacional é constantemente eclipsada por esta obsessão com o que se passa do outro lado do Atlântico. Parece que nos preocupamos mais com as escolhas de Trump do que com os desafios do nosso próprio país e com as medidas implementadas pelo nosso Primeiro-ministro Luís Montenegro. Falamos da moeda digital lançada por Trump, mas quantos sabem discutir o impacto do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em Portugal? Falamos das políticas ambientais americanas, mas raramente nos debruçamos sobre as falhas na transição energética nacional, onde projetos prometidos há anos continuam no papel.

E o contraste não se limita às questões de governação ou retórica política. Quando os Estados Unidos da América escolhem um presidente, as análises são intermináveis. Cada decisão, cada gesto, cada nomeado para a administração americana é dissecado ao pormenor. Em Portugal, quem analisa com seriedade os candidatos às autárquicas ou às presidenciais? Quantos debates aprofundados vimos sobre a sustentabilidade das nossas políticas públicas, o impacto da desertificação do interior ou a falta de estratégias para a habitação?

Não dá para os grandes meios de comunicação substituírem um programazinho de comentário político de generalidades americanas, dos dez que cada um tem, por um de debate sobre políticas públicas e estratégias de políticas do território das autárquicas, por exemplo?

Na mesma semana em que discutimos a composição do gabinete do Presidente Donald Trump, quantos portugueses sabem detalhar o que aconteceu no último debate sobre o orçamento municipal de Lisboa através de comentários públicos ou que pormenor há do estado de revisão dos Planos Diretor Municipal que andam todos maioritariamente atrasados no nosso país? O que mais afeta a nossa vida passa ao lado do radar mediático.

E sabemos como esta história continuará: amanhã discutiremos as reações da oposição americana, do partido democrata no pós-Joe Biden, depois as implicações globais das suas políticas e o que escreve Elon Musk numa qualquer rede social e assim sucessivamente. Mas quem discutirá, com o mesmo entusiasmo, as consequências das nossas escolhas locais? Porque não investimos agora o mesmo tempo de antena da tomada de posse do presidente americano para falar da nova política dos solos que é tão importante em Portugal?

Esta desconexão não é apenas uma questão de prioridades mediáticas; é também um reflexo do nosso próprio alheamento. É mais confortável assistir ao espetáculo político americano por estar longe do que encarar os desafios que enfrentamos no nosso território porque nos diz respeito. Falamos e sabemos os nomes dos eleitos em pequenos condados do Estado de Ohio, nos Estados Unidos da América, mas ignoramos cerca de 300 dos 308 concelhos nacionais portugueses onde problemas estruturais continuam a ser ignorados há décadas.

O problema não é o interesse pela política internacional; isso é saudável e necessário. O problema é a falta de equilíbrio. A democracia portuguesa precisa de um escrutínio maior, de um debate sério, de uma análise comprometida com o futuro e consciente do presente ao nível das políticas públicas. Precisamos de um país onde discutimos com a mesma intensidade as escolhas de um presidente americano e a ausência de políticas robustas para os nossos jovens, que continuam a sair do país à procura de oportunidades.

Falar de Trump não é o problema. O problema é ignorarmos os desafios que temos por resolver no nosso país. Porque se continuarmos a falar apenas do que acontece lá fora, arriscamo-nos a esquecer o que realmente precisa da nossa atenção aqui dentro. Portugal merece mais atenção. E é em nós que está a responsabilidade de o fazer acontecer.

Continuemos a analisar a geopolítica, mas que não percamos a nossa geografia e saibamos que o nosso dia-a-dia se resolve com a política nacional e local.

Carlos Gouveia Martins

O encantamento com a política lá fora dos Trump’s contra o silêncio e desinteresse sobre o que acontece em Portugal


Trump tomou posse e já inundou novamente o espaço mediático global com anúncios controversos: da moeda digital às primeiras alterações em políticas climáticas. Enquanto isso, aqui em Portugal, assistimos a este espetáculo como espectadores atentos, mas esquecemos que os desafios do nosso país permanecem intocados.


Nos últimos dias aumentou o grau de obsessão nacional e assistimos a um espetáculo mediático que já se tornou quase ritualista: o escrutínio intenso, quase tóxico, sobre a política dos Estados Unidos da América. Donald Trump, novamente ele, tomou posse agora como 47.º Presidente dos Estados Unidos e, desde então, tem ocupado páginas de jornais, podcasts e dezenas de programas de análise política em Portugal.

Falamos de tudo e de nada: avaliamos as suas palavras até às vírgulas sobre as suas políticas ambientais, explicamos como vão funcionar as moedas digitais que anunciou, comentamos todas as figuras que o rodeiam e até fazemos listas dos multimilionários americanos que seguem a sua narrativa. O fascínio é total, quase hipnótico. E, enquanto isso, em Portugal, o que discutimos? Ou melhor, o que deixamos de discutir?

Trump tomou posse e já inundou novamente o espaço mediático global com anúncios controversos: da moeda digital às primeiras alterações em políticas climáticas. Enquanto isso, aqui em Portugal, assistimos a este espetáculo como espectadores atentos, mas esquecemos que os desafios do nosso país permanecem intocados.

A política nacional é constantemente eclipsada por esta obsessão com o que se passa do outro lado do Atlântico. Parece que nos preocupamos mais com as escolhas de Trump do que com os desafios do nosso próprio país e com as medidas implementadas pelo nosso Primeiro-ministro Luís Montenegro. Falamos da moeda digital lançada por Trump, mas quantos sabem discutir o impacto do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em Portugal? Falamos das políticas ambientais americanas, mas raramente nos debruçamos sobre as falhas na transição energética nacional, onde projetos prometidos há anos continuam no papel.

E o contraste não se limita às questões de governação ou retórica política. Quando os Estados Unidos da América escolhem um presidente, as análises são intermináveis. Cada decisão, cada gesto, cada nomeado para a administração americana é dissecado ao pormenor. Em Portugal, quem analisa com seriedade os candidatos às autárquicas ou às presidenciais? Quantos debates aprofundados vimos sobre a sustentabilidade das nossas políticas públicas, o impacto da desertificação do interior ou a falta de estratégias para a habitação?

Não dá para os grandes meios de comunicação substituírem um programazinho de comentário político de generalidades americanas, dos dez que cada um tem, por um de debate sobre políticas públicas e estratégias de políticas do território das autárquicas, por exemplo?

Na mesma semana em que discutimos a composição do gabinete do Presidente Donald Trump, quantos portugueses sabem detalhar o que aconteceu no último debate sobre o orçamento municipal de Lisboa através de comentários públicos ou que pormenor há do estado de revisão dos Planos Diretor Municipal que andam todos maioritariamente atrasados no nosso país? O que mais afeta a nossa vida passa ao lado do radar mediático.

E sabemos como esta história continuará: amanhã discutiremos as reações da oposição americana, do partido democrata no pós-Joe Biden, depois as implicações globais das suas políticas e o que escreve Elon Musk numa qualquer rede social e assim sucessivamente. Mas quem discutirá, com o mesmo entusiasmo, as consequências das nossas escolhas locais? Porque não investimos agora o mesmo tempo de antena da tomada de posse do presidente americano para falar da nova política dos solos que é tão importante em Portugal?

Esta desconexão não é apenas uma questão de prioridades mediáticas; é também um reflexo do nosso próprio alheamento. É mais confortável assistir ao espetáculo político americano por estar longe do que encarar os desafios que enfrentamos no nosso território porque nos diz respeito. Falamos e sabemos os nomes dos eleitos em pequenos condados do Estado de Ohio, nos Estados Unidos da América, mas ignoramos cerca de 300 dos 308 concelhos nacionais portugueses onde problemas estruturais continuam a ser ignorados há décadas.

O problema não é o interesse pela política internacional; isso é saudável e necessário. O problema é a falta de equilíbrio. A democracia portuguesa precisa de um escrutínio maior, de um debate sério, de uma análise comprometida com o futuro e consciente do presente ao nível das políticas públicas. Precisamos de um país onde discutimos com a mesma intensidade as escolhas de um presidente americano e a ausência de políticas robustas para os nossos jovens, que continuam a sair do país à procura de oportunidades.

Falar de Trump não é o problema. O problema é ignorarmos os desafios que temos por resolver no nosso país. Porque se continuarmos a falar apenas do que acontece lá fora, arriscamo-nos a esquecer o que realmente precisa da nossa atenção aqui dentro. Portugal merece mais atenção. E é em nós que está a responsabilidade de o fazer acontecer.

Continuemos a analisar a geopolítica, mas que não percamos a nossa geografia e saibamos que o nosso dia-a-dia se resolve com a política nacional e local.

Carlos Gouveia Martins