A grande questão diante de uma figura da estatura de Winston Churchill será indagar se é possível romper ou ir além do mito, sem deixar de reconhecer os feitos que continuam a produzir ecos e a dar-nos dele uma indesmentível impressão de estarmos diante de um dos últimos heróis que empurram a História para o regime da épica, assinalar também as suas idiossincrasias e falhas de carácter, desde logo as suas noções sobre raça ou império, que eram anacrónicas mesmo para o seu tempo.
Memórias da II Guerra Mundial
Um dos grandes desafios em tentar avaliar o percurso de uma figura histórica que mudou o mundo prende-se em parte com o facto de, além de ter sido um líder político, Winston Churchill ter sido também um prolífico e formidável escritor, jornalista e incessante auto-publicista. Para além dos seus outros feitos, ele escreveu um cativante relato em seis volumes, ao todo, cerca 1,9 milhões de palavras, sobre a II Guerra Mundial, destacando, naturalmente o seu papel na sua vitória. Volvidas seis décadas da sua morte, não se tornou mais fácil, assumir uma perspetiva que não seja avassalada pela sua reputação e pela influência dos seus escritos (mais de 40 livros e milhares de discursos), de forma a não ficarmos emboscados na sua versão da história. De qualquer modo, e até para nos sabermos defender da sua argúcia, é necessário reconhecer como ele demonstrou um domínio prodigioso da língua, ao ponto de a Academia Sueca o ter galardoado com o Nobel da Literatura. Mas por mais eloquente que seja, seria um absurdo deixar de reconhecer a centralidade das memórias daquele conflito oferecida por um dos seus grandes protagonistas.
Caminhando com o destino
O número de biografias escritas sobre Churchill não anda na ordem das centenas, mas dos milhares, e se isso não fosse o suficiente para desencorajar novas empreitadas, há a própria matéria biográfica, tratando-se de uma vida escrutinada em todos os seus aspetos, e que, por si só, oferece uma série de triunfos e desastres, gerando ainda reações tão díspares, da adulação ao desprezo. A visão do historiador Andrew Roberts sobre a relação de Churchill com o destino em “Churchill: Caminhando com o Destino” nasce de uma frase deste. “Senti-me como se estivesse a caminhar com o destino”, escreveu Churchill sobre o momento, em maio de 1940, em que alcançou o posto de primeiro-ministro britânico. Mas Roberts não é um mero hagiógrafo, e não se limita a ver em Churchill um predestinado, antes como ele passara uma vida inteira a moldar o seu percurso, tendo cometido erros terríveis, mas sendo capaz de extrair deles lições que pôs em prática na hora mais difícil da civilização. O relato e análise desses aspetos dolorosos, embora menos glamorosas do que um destino escrito nas estrelas, acabaram por ser os ingredientes-chave do sucesso final de Churchill, e deste best-seller internacional.
A Minha Juventude
Toda a gente sabe que Churchill foi galardoado com o Nobel da Literatura em 1953, e que o prémio foi atribuído acima de tudo em reconhecimento pela sua bravura e inteligência na forma como fez frente a Hitler e aos nazis, tendo a Academia Sueca saudado tanto a sua mestria na descrição histórica e biográfica como a sua brilhante defesa dos “valores humanos mais elevados”. O certo é que Churchill não envergonha e, em muitos aspetos, até supera alguns dos nomes que depois vieram a integrar aquela seleta lista, tendo uma prosa de um estilo majestoso, absurdamente memorável e propensa a ser citada, tendo ele mergulhado nas obras de Shakespeare, Gibbon e Macaulay. Entre os seus livros, em termos literários, “A Minha Juventude” é claramente a sua obra-prima. Escrita no final da meia-idade, esta autobiografia recorda a sua infância infeliz e a sua busca de glória na juventude como soldado e correspondente de guerra. Consegue ser a melhor fonte sobre a criação de Churchill e ainda uma história clássica de aventuras, mas também um lamento por uma era desaparecida de aristocracia e império.
Iron Curtain: Churchill, America, And The Origins Of The Cold War
Churchill não foi apenas um grande protagonista histórico, em muitos aspectos a sua vida serve como uma moldura para se apreciar a forma como a sociedade moderna se precipitou numa aceleração demencial. Como regista George Steiner, “estamos perante uma complexidade e ritmo de mudança inéditos – a vida de Churchill vai da Batalha de Omdurman, travada a cavalo e de sabre em punho, segundo uma modalidade ainda quase homérica, à construção da bomba de hidrogénio”. Não é segredo nenhum que Churchill é venerado por muitos norte-americanos como um rei filósofo e um modelo de liderança, e se no seu próprio país ele é uma figura central, mas do passado, nos EUA é admirado como um guia para o presente e o futuro. A estatura única de Churchill do outro lado do Atlântico deve-se em parte à sua aliança com Roosevelt em tempo de guerra, mas, como Fraser Harbutt demonstra num livro com argumentos poderosos, o fator decisivo foi o papel que Churchill desempenhou, enquanto estava fora do poder, ao facilitar a entrada dos EUA na guerra fria. O ponto de viragem foi o seu discurso sobre a “cortina de ferro” em Fulton, em março de 1946.
Winston Churchill – Uma Vida
A biografia política foi vista durante muito tempo como um assunto de cavalheiros, e eram sobretudo esses traços mais firmes e gerais que eram levados em conta na altura de deixar aos vindouros um relato da vida de um grande estadista. Eram trabalhos entregues a pessoas de confiança, que entendiam que se tratava de uma tarefa sensível, e que não convinha ir demasiado fundo. Isto foi assim até à entrada em cena de Martin Gilbert. Como biógrafo oficial de Churchill, ele estabeleceu novos padrões rigorosos de investigação, trabalhando em dezenas de coleções de manuscritos e viajando para todo o lado em busca de material novo. Os seis volumes da sua biografia são um feito imponente, embora sejam em si mesmos uma empreitada que não está ao alcance da maioria dos leitores, estendendo-se por mais de sete mil páginas. Mas quem não quiser assumir tal compromisso não deve deixar passar a oportunidade de ler a estupenda e divertida introdução de Gilbert, na qual este explica os seus métodos de escrita e a sua busca de tesouros enterrados: testemunhas oculares cujas recordações nunca tinham sido registadas e esconderijos de documentos que tinham estado ocultos durante décadas.
Churchill: Four Faces and the Man
Em quase todas as crises e conflitos de política externa, especialmente quando a ideia de apaziguamento é relevante, não demora muito para que jornalistas, comentadores e quem quer que se debruce sobre “as grandes questões” se sirva do expediente de vir questionar: o que teria feito Churchill? Diz-se que o Presidente George W. Bush, que ao invadir o Iraque comprometeu o país com a guerra mais estúpida desde a incursão no Vietname, fez o anúncio da intervenção com um busto de Churchill ao seu lado na Sala Oval, parecendo sinalizar que o tinha como um santarrão na hora de fazer o trabalho sujo de que vivem os impérios. Outro sinal da influência crescente de Churchill no imaginário popular foi o facto de, mesmo antes do referendo sobre a UE, os dois lados da batalha do Brexit terem puxado Churchill para o seu campo. Publicada pela primeira vez em 1969, esta espantosa coleção de ensaios anatomizava as qualidades de Churchill como estadista, político, historiador, estratega militar e ser humano depressivo. A investigação avançou desde então, mas como análise do essencial de Churchill, o livro nunca foi ultrapassado, tendo dado origem à escola britânica de Churchillianos que o admiram “de corpo e alma”.
Man of the Century: Winston Churchill and his Legend since 1945
Jorge Luis Borges deixou no diário argentino La Nación uma fulgurante homenagem a Churchill, notando que na hora trágica da Inglaterra, ele foi, de certa forma, os milhões de homens anónimos, corajosos e modestos que não se encolheram perante o fogo que desceu do alto. Não prometeu triunfos fáceis: falou de sangue, suor e lágrimas. Quando a sombra de um ditador vitorioso caiu sobre a ilha, Churchill repetiu que a Inglaterra, após dez séculos, mantinha a oferta que um rei saxão fez a um rei norueguês: seis pés de terra e nada mais….
Ao lutar pela sua Inglaterra, Churchill lutou por todos nós; a sua batalha foi a eterna batalha das liberdades humanas que foi chamada Salamis e Valmy, Saratoga e Junin, e cujos nomes futuros ainda não nos foram revelados.” No que toca à compreensão do mito, John Ramsden acrescentou uma nova dimensão aos estudos sobre Churchill com uma análise pormenorizada do crescimento da sua lenda desde 1945. O seu livro propõe-se “compreender como é que essa fama foi criada, percebida, comercializada, manipulada e, em alguns casos, até fabricada”. Ramsden identifica os publicistas e políticos que construíram a lenda e os monumentos e objetos de recordação que o celebrizaram.
In Command of History: Churchill Fighting and Writing the Second World War
Ao escrever as suas memórias de guerra, o livro que abre este menu que vai muito para além da degustação da vida e feitos de Churchill, ele tinha em mente dois objetivos principais. O primeiro era fazer uma fortuna para si e para a sua família, de forma a viver confortavelmente o resto da sua vida. O segundo era blindar um relato de acontecimentos que ele estava perfeitamente consciente que iriam definir a visão que se tem hoje do mundo e do passado. Mas não se tratou meramente de um esforço no sentido de determinar a forma como seria encarado pela posteridade, antes tinha em vista as ambições políticas que lhe restavam, procurando que aquele relato favorecesse os seus desígnios enquanto estadista no pós-guerra. Num feito magistral de análise académica, David Reynolds explica como Churchill alcançou um sucesso triunfante em ambos os aspetos. Em qualquer outra pessoa, a especulação de Churchill, a manipulação dos documentos e o uso não reconhecido de escritores fantasma pareceriam desonestos, mas tudo lhe foi perdoado, não apenas por ter sido o homem de que o país mais precisava na hora mais negra, mas por ter feito tudo com inegável audácia e estilo.