O Relatório de Educação de Adultos 2023 da OCDE, recentemente divulgado, trouxe à tona os enormes desafios que Portugal enfrenta nesta matéria, com dados que nos devem envergonhar e exigir muito mais dos poderes públicos a este respeito, pois a educação é o principal caminho para o progresso económico e o desenvolvimento humano. A principal conclusão do relatório para Portugal, na minha análise, é a urgência de requalificar a população ativa menos habilitada, incluindo pais e imigrantes – que também pontuam relativamente mal, embora menos, exigindo um maior esforço de formação para uma melhor integração –, pois as dificuldades evidenciadas ao nível da literacia, numeracia e capacidade de resolução de problemas são, em grande medida, passadas de pais para filhos, agravando as desigualdades.
Uma larga franja da população (cerca de 40%) adulta (dos 16 aos 65 anos) tem dificuldades em ler e escrever, lidar com números ou resolver problemas (30% enfrentam as três dificuldades em simultâneo), sendo, por isso, mais permeável a demagogias e populismos – que, como se sabe, se combatem com dados, estudos independentes e argumentos objetivos –, o que baixa a exigência de qualidade das políticas públicas e da própria Democracia. Por outro lado, os resultados são baixos para qualquer dos ciclos de estudos e faixas etárias, mesmo nos jovens e nos que têm formação superior, pelo que temos de elevar a exigência e qualidade nos vários graus de ensino, olhando para os países com melhores práticas.
Estes resultados penalizam a nossa capacidade de inovação e ajudam a explicar a baixa produtividade relativa do país (das mais baixas da União Europeia, UE) mesmo tendo progredido nos níveis de qualificação nas ultimas décadas – mas sobretudo nas gerações mais jovens, restando uma larga franja da população ativa ainda muito pouco qualificada, como é sabido –, contribuindo para o empobrecimento relativo do País desde o início do milénio a par com a menor qualidade das políticas, num círculo vicioso que temos de romper. A maior esperança é que em Portugal, como nos outros países, os resultados de literacia, numeracia e resolução de problemas melhoram claramente quanto maior o nível de qualificação.
Precisamos, por isso, de melhorar o acesso e o incentivo às qualificações, incluindo medidas complementares para uma maior mobilidade social, com realce para uma cultura de meritocracia, pois infelizmente há um enviesamento na nossa sociedade para combater a riqueza em vez da pobreza, promovendo a inveja em vez do mérito, o que é um desincentivo às qualificações e ao esforço. Um exemplo óbvio é a necessidade de colocar os melhores em postos de liderança, o que não acontece atualmente, pois os empresários têm um nível médio de qualificações inferior aos trabalhadores, sendo urgente a sua requalificação. Precisamos ainda de uma comissão independente de fixação de salários de cargos políticos que tenha em conta, nomeadamente, critérios de mercado, bem como progressos na transparência e no combate à corrupção, para que os melhores possam ser atraídos para a política.
Quanto ao impacto do ensino superior (por comparação com os resultados do ensino secundário), que me diz muito, os resultados ajustados (tendo em conta um conjunto de variáveis de controlo relevantes) são relativamente bons em termos de melhoria de valores de literacia e numeracia, mas não na resolução de problemas (onde até retrocedemos em relação ao posicionamento aceitável obtido até ao ensino secundário), que deverá ser um aspeto crucial a melhorar – tal é possível, pois a Faculdade de Economia do Porto (FEP) tem apostado nesse dimensão e orgulha-se de que os seus estudantes ganhem usualmente prémios internacionais de business case competition –, através de um ensino mais prático e alinhado com a nossa economia, bem como uma maior aposta nas áreas STEM (acrónimo em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática), onde estamos mal posicionados, prejudicando os resultados.
Outra conclusão importante é a necessidade de melhorar o ensino da matemática para inverter a enorme desigualdade na numeracia (a 3º maior entre os 31 países analisados) e o baixo peso das áreas STEM, embora com uma proporção relativamente alta de mulheres que nos deve orgulhar, mas pode subir mais.
Considero que o novo IRS Jovem irá piorar o nosso posicionamento em futuros relatórios, ao incentivar o início da vida ativa sem a escolaridade mínima (o 12º ano deixa de ser critério mínimo de acesso) e não ser acessível a todos os contribuintes, como os regimes distorcionários para emigrantes e imigrantes. Os três regimes devem ser substituídos pelo IRS Novo Talento que defendo, uma medida muito mais justa e focada, que se traduz num incentivo unificado e abrangente a novas qualificações superiores – para jovens (tendencionalmente os mais beneficiados, pela maior propensão aos estudos superiores), menos jovens, emigrantes e imigrantes –, aplicável sobre rendimentos de trabalho durante alguns anos após a conclusão dessas formações, fomentando o regresso à Academia e a atualização permanente de conhecimentos.
Vejamos agora os dados mais em detalhe e mais algumas recomendações que emergem do relatório.
Portugal ocupa as últimas posições em literacia (30ª entre 31 países com dados, ou 2ª pior, apenas acima do Chile), numeracia (30ºª ou 2ª pior, na mesma só melhor que o Chile) e resolução adaptativa de problemas (27ª ou 5ª pior, apenas abaixo de Chile, Polónia, Lituânia e Itália), em qualquer dos casos muito longe da média da OCDE, onde os melhores resultados foram alcançados pelo Japão, Suécia, Finlândia, Noruega e Holanda nos três indicadores.
Cerca de 40% dos adultos têm dificuldades em ler e escrever (42% até ao nível 1 de proficiência em literacia e 15% abaixo do nível 1), lidar com números (40% e 16% na numeracia, respetivamente) ou resolver problemas (48% e 12%), explicando os rankings referidos, e 30% têm problemas nas três áreas simultaneamente (até ao nível 1 de proficiência), traduzindo a 2ª pior posição (apenas acima do Chile).
Dos resultados acima, também é importante reter que entre 12% e 16% da nossa população em idade ativa (16-65 anos) não atinge sequer o nível 1 de proficiência nesses indicadores. Para se ter uma ideia mais concreta, um adulto abaixo do nível 1 no indicador de literacia significa, nomeadamente, que percebe o sentido de uma frase, mas não de um texto curto, enquanto no caso da numeracia consegue contar até 20, mas não fazer contas simples (somar, subtrair, multiplicar ou dividir) e, em termos de resolução de problemas, apenas soluciona os mais simples, sem elementos invisíveis (não requerendo, portanto, uma significativa capacidade de abstração).
Em matéria de desigualdade, expressa pelo diferencial entre o percentil 90 (os 10% com melhores resultados) e o percentil 10 (os 10% com piores resultados), Portugal está um pouco acima da média da OCDE na literacia e resolução de problemas, em ambos os caso na 14ª posição (em 31 países com dados), mas, na numeracia, a nossa desigualdade está muito acima da média, na 3ª posição, o que refletirá os tradicionais problemas na disciplina de matemática, que pelos vistos ainda não conseguimos debelar.
Olhando para os dados por faixa etária, nem mesmo as gerações mais novas escapam aos maus resultados: 23ª posição (9ª pior) na faixa dos 16-24 anos, 29ª (3ª pior) nos 25-34 anos, 29ª nos 35-44 anos, 30ª nos 45-54 anos e 30ª nos 55-64 anos na literacia; 23ª, 30ª, 29ª 30ª, 30ª e 30ª, respetivamente, na numeracia; e 31ª, 30ª, 30ª, 28ª e 30ª na resolução de problemas.
Anda mais relevante é olhar para os dados por nível de qualificação. Tal como nos outros países, os resultados (score) melhoram quanto maior o nível de qualificação, mas o problema é que, em todos eles, temos valores relativamente baixos: 20ª posição até ao ensino secundário (em 31 países), 23ª no ensino secundário e 22ª no ensino superior, na literacia; 19ª, 21ª e 23ª, respetivamente, na numeracia; e 15ª, 17ª e 23ª na resolução de problemas. Assim, apenas nos aproximamos da mediana (e média) da OCDE na resolução de problemas até ao ensino secundário, significando que se está a trabalhar relativamente bem aí, mas depois a nossa posição nesse indicador é má no ensino superior (23ª).
Contudo, antes de retirar mais conclusões a este respeito, convém analisar mais alguns dados relacionados, que têm a ver com a melhoria de resultado do inquérito entre quem tem o ensino superior e quem tem o ensino secundário, traduzindo o impacto do ensino superior nos vários indicadores.
Nos dados não ajustados desse diferencial, a nossa posição não difere muito do que vimos acima em nível (22ª a literacia, 19ª na numeracia e 23ª na resolução de problemas), mas quando são ajustados pelas diferenças de idade, sexo, contexto de imigração, língua falada em casa e as qualificações dos pais, verificamos que o ensino superior tem um impacto relativamente bom (face aos resultados do ensino secundário) na melhoria da literacia e na numeracia (14ª posição em 31 países nos dois casos, acima da mediana), ainda que praticamente não melhore o desempenho na resolução de problemas (22ª posição).
Infelizmente, não encontro uma análise diferencial semelhante para o ensino secundário.
O nível de qualificação dos pais tem um impacto relevante nos resultados de Portugal, certamente ainda a refletir atrasos prolongados nesta matéria, desde o tempo do Estado Novo, mas também poucos estímulos em matéria de mobilidade social, pois outros países também tiveram atrasos no passado. A diferença de resultados não ajustados entre quem tem pais qualificados e não qualificados é a 13ª maior na literacia, a 12ª na numeracia e a 14ª na resolução de problemas no caso de Portugal, mas quando se tem em conta as outras variáveis de controlo (idade, género, educação do próprio, contexto de imigração e língua falada em casa), verifica-se que esses resultados ajustados mostram uma influência ainda maior em termos relativos (11ª, 13ª e 6ª posições), em particular no que se refere à resolução de problemas.
Os resultados acima confirmam a necessidade de uma maior qualificação nas várias gerações – com realce para as mais antigas, que sabemos serem menos qualificadas, e pessoas com filhos, que são influenciados pela qualificação dos pais –, e um enfoque particular na resolução de problemas, em particular no ensino superior, onde perdemos competitividade a esse nível comparando com o ensino secundário, sugerindo a necessidade de um ensino mais prático e uma melhor articulação entre teoria e prática.
Quanto às áreas STEM (acrónimo em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática), Portugal aparece com o 6º menor peso entre os 31 países da OCDE analisados (23,7%, que compara com 26,7% na OCDE). Embora o nosso resultado de numeracia melhore para quem tenha formação superior nessas áreas face a quem tenha noutras, como sucede nos demais países, o nosso posicionamento também não é famoso e pouco melhora face às pessoas formadas em áreas não STEM (18ª vs. 19ª posição em 28 países com dados), possivelmente a refletir problemas no ensino da matemática em todos os níveis de ensino, com impacto cumulativo. Esta informação reporta-se a pessoas entre 25 e 65 anos.
Estes dados, em conexão com os anteriores, sugerem-me a necessidade de uma maior exigência no ensino superior – tal como nos demais graus de ensino, como já referido –, incluindo nas áreas STEM, cuja expressão deve aumentar, pelo menos, para a média da OCDE, pois têm um impacto positivo na numeracia (e, presumo, também na resolução de problemas, pelo menos, mas não encontrei informação a esse respeito no relatório). Apesar de tudo, temos um indicador muito positivo nesta matéria, pois Portugal tem o maior peso de mulheres em áreas STEM (39,4%, que compara com 26,6% na OCDE), mas ainda pode evoluir mais, até porque nas áreas não STEM as mulheres são predominantes (65,5%). Nesta matéria, importará aumentar (ainda mais) a participação das mulheres, mas também de homens, nas áreas STEM. Para tal, será crucial olhar para as boas práticas noutros países para tornar mais acessível (mas com rigor) o ensino da matemática, que é crucial para uma maior participação em áreas STEM.
No que se refere à população imigrante (nascida de pais imigrantes fora do país ou nascida no país de acolhimento), também estamos mal posicionados nos três indicadores, mas um pouco menos do que nos resultados da população nascida em Portugal de pais não imigrantes, indicando que a imigração terá um contributo positivo na melhora das competências aferidas no relatório. Comparando a população imigrante nascida no país de acolhimento ou fora, há uma melhoria de posicionamento na numeracia, mas as diferenças são poucas nos demais indicadores, o que denota que mais poderá ser feito em temos de integração para melhorar os resultados de quem nasce no nosso país filho de pais imigrantes.
Além das conclusões e propostas anteriormente mencionadas, de caráter mais geral, saliento as seguintes recomendações específicas do relatório para países com menor desempenho, como Portugal:
– Melhorar as competências básicas: aumentar a oferta de formação em literacia e numeracia para adultos de baixa escolaridade.
– Reduzir barreiras à formação: disponibilizar programas modulares e flexíveis, incluindo opções online que permitam conciliar estudo e trabalho.
– Combater desigualdades: garantir que grupos vulneráveis, como populações rurais e estrangeiros, tenham acesso equitativo à educação.
Ao investir na formação e qualificação de adultos, Portugal não apenas promoverá uma maior inclusão social e económica, mas também contribuirá para o fortalecimento da Democracia. Uma população mais informada e capacitada tem uma maior resistência a narrativas simplistas – com realce para a demagogia e o populismo – e maior capacidade de exigir políticas públicas baseadas em evidência. Em tempos de desinformação e polarização, apostar nas competências básicas é mais do que uma questão económica, é uma estratégia essencial para garantir um futuro mais equitativo, informado e democrático.
Além da necessidade de mais e melhor formação em geral, exige-se também que quem ocupa o espaço público – eu próprio incluído, enquanto colunista – faça um esforço ainda maior para tornar o debate público o mais acessível possível à generalidade da população, incluindo os 40% com maiores dificuldades, o que exige maior simplicidade e pedagogia nas abordagens, com o contributo dos media.
O autor é diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e Professor Catedrático.
É Sócio fundador do OBEGEF