Nota prévia: A tensão mundial aumenta constantemente por causa da resposta radical de Israel ao terrorismo do Hamas e do Hezbollah, mas sobretudo pela perigosa escalada na Ucrânia, com Putin a colocar o conflito num patamar pré-nuclear. Mil dias passados, impressiona a capacidade de do líder russo, dos seus aliados e dos idiotas úteis passarem a imagem de que foi a NATO que atacou a Rússia. Ora, os aliados ocidentais apenas providenciam armamento de defesa e contra-ataque a Kiev, que tem mais de 20% do território ocupado. É provável que o conflito se agrave enquanto se espera pela administração Trump, cuja constituição delirante e cheia de delinquentes é um pesadelo. Os países europeus mais distantes do conflito acham que Putin, apoiado por Pequim e Teerão e agora reforçado por tropas norte-coreanas e do Iémen, se pode ficar pelos territórios ocupados. Já os vizinhos imediatos da Rússia, designadamente os que conseguiram libertar-se da URSS e os que já independentes se juntaram à Nato, têm a população em alerta de guerra nuclear. É preciso ir à crise dos mísseis de Cuba para encontrar uma situação tão perigosa. Por cá, o Governo está discreto mas, em contrapartida, impressiona a narrativa dos nossos generais neo-soviéticos nas televisões. Pensar que serviram na estrutura militar do Ocidente democrático é assustador e revelador. Como foi possível?
1. Apesar de Portugal ter sido vampirizado por Sócrates, pela passagem corretiva e devastadora da troica e dos erros Passos/Portas, pelas reversões danosas da geringonça e pela incompetência reformista de António Costa, há quem proclame que o Governo de Montenegro tinha obrigação de resolver quase tudo em oito meses. Ora, não tinha hipótese nenhuma disso. Para remendar parte do que está mal precisa de duas legislaturas com condições de governabilidade interna e externa e de não cometer erros. Desde Sócrates e os casos BES/GES e PT, temos perdido competitividade externa. Internamente, quase todos os serviços do Estado se deterioraram. Foi na Saúde, na Segurança Social, na Administração Interna, na Educação, na Habitação, na Justiça, nos Transportes, nas Infraestruturas, na Defesa, na Segurança, no Ambiente, numa Agricultura errática, nos mega-investimentos que nunca acabam, na Indústria que tem meia dúzia de referências insuficientes e num turismo de classe média e média baixa que não é o mais desejável. Claro que há uns nichos, “clusterszinhos” e umas start-ups que propagandeamos com uma Web Summit a dez milhões/ano. O Estado dotou-se de um aparelho burocrático-administrativo gigantesco e operacionalmente desorganizado. Este plantel atinge mais de um milhão de indivíduos, parte dos quais estão sempre disponíveis para entrar em greve e protestar por serem mal pagos ou por serem militantes políticos. Apesar da sua dimensão, a máquina do Estado não sabe fazer, surgindo empresas privadas de toda a espécie que, na prática, vivem dele. Quando chegou ao governo com um apoio parlamentar periclitante, Luís Montenegro deparou-se com este deplorável estado de coisas e uma conjuntura internacional péssima, devido à inflação e à invasão imperialista da Ucrânia. A ciclópica tarefa é agravada por conflitos sociais politizados, pobreza e questões fraturantes como a imigração ou matérias woke à volta das quais os portugueses se radicalizam. Perante isto, é óbvio que o governo precisa de tempo para concretizar reformas, desde que sejam racionais e pensadas por gente competente. Lamentavelmente, no seu pouco tempo de vida, o executivo já cometeu erros crassos difíceis de emendar. É sobretudo o caso da Saúde onde sucederam episódios gravíssimos, não se percebendo como é que duas secretárias de Estado se mantêm depois da ministra lhes ter tirado os pelouros do INEM e da Inspeção das Atividades em Saúde, respetivamente. O SNS está descontrolado no que diz respeito ao acesso e à organização. Com grande sacrifício, a população recorre cada vez mais aos privados por instinto de sobrevivência. Mesmo assim as coisas pioram no lado público. O escrutínio dos erros é essencial. Tem sido feito implacavelmente pela esquerda e pela direita radical e também pelas redes sociais e jornalistas. No entanto, só podemos aspirar a uma melhoria se houver estabilidade, reformas exequíveis e um orçamento sensato, concorrendo para o cumprimento do calendário eleitoral (autárquicas e presidenciais). Fechado esse ciclo, é desejável que tenhamos legislativas para referendar e renovar uma governação que tem alguns titulares “poucochinho”. Ao contrário de Cavaco, Soares ou Sá Carneiro, Montenegro tem poucas mentes brilhantes à sua volta e um excesso de “jotismo”. Nota-se na gestão de alguns dossiês e na forma como polemiza. No determinante combate mediático quase tudo está centrado no secretário-geral e, simultaneamente (!), líder da bancada parlamentar do PSD, Hugo Soares. É pau para toda a obra, mas o voluntarismo nem sempre chega e o partido perde expressão e vigor. Na comunicação governamental de topo, Leitão Amaro é um desastre e Pedro Duarte está a milhas do que se esperava. Longe vão os tempos em que as distritais do PSD eram solicitadas a intervir rotativamente para falar sobre temas nacionais, defendendo o governo. Hoje, a qualidade destas estruturas até aconselha que as mantenham longe dos media. Para sobreviver e reformar o país, Montenegro terá de chegar a um momento em que tem de ajustar a equipa e os projetos. Mas cuidado, tem de ser por sua iniciativa como fazem os melhores líderes. Se for a reboque, a coisa complica-se muito.
2. As presidenciais agitam o ambiente. Houve movimentações de Gouveia e Melo e António José Seguro. O Almirante emergiu, num divulgadíssimo encontro para beber um copo com o ministro da Defesa, num bar de Lisboa, à meia noite, onde estava um oportuno repórter. Sábado, o Observador adiantava que o Melo almirante terá comunicado ao Melo ministro que não está interessado em ser reconduzido, o que torna praticamente certa a candidatura a Belém, a anunciar quando se reformar. Politicamente, o Almirante é um mistério, mas uma sua candidatura terá necessariamente contornos populistas. Se chegar a Belém é natural que volte a haver um movimento tipo PRD, como o de Eanes. Um eventual recuo só poderá ocorrer por falta de máquina ou meios financeiros. As presidenciais são caras, sobretudo se tiverem duas voltas como é provável. Freitas do Amaral sofreu na pele ao ter de pagar do seu bolso, através de pareceres jurídicos, um buraco enorme. Só Marcelo fez a coisa baratinha. Mas Marcelo é Marcelo. António José Seguro também pensa em Belém. Disse-o numa detalhada entrevista à CNN onde vai ter um programa. Logo surgiram relevantes vozes do PS agradadas com a hipótese, até porque é essencial que desta vez o partido tenha um candidato oficial. Seguro é uma figura rara no PS. Nunca se enganou sobre o megalómano e alegado corrupto Sócrates. Sucedeu-lhe, ganhou eleições e fez caminho, até ser apunhalado por Costa. Retirou-se. Durante dez anos pouco apareceu. Mas soube-se que não se revia na geringonça e nas trapalhadas sucessivas do governo absoluto do “costismo”. A coragem e a dignidade de Seguro ao ficar só, em silêncio, e de sobreviver fora da política através da academia e da agricultura são meritórias. No geral, as presidenciais estão longe de estar fechadas. Falta um candidato civil do centro direita, onde avulta o nome de Marques Mendes, que conta com a simpatia geral do PSD, começando pela de Montenegro. Faltam também os candidatos da esquerda marxista. Na direita radical e conservadora, André Ventura perde espaço para Gouveia e Melo.
3. A iniciativa de comemorar o 25 de Novembro de 1975 com uma sessão solene no parlamento foi importante e pedagógica. Seria ainda melhor se ocorresse em 2025 quando passarem 50 anos sobre o movimento militar que pôs termo ao PREC, que juntava PCP, militares marxistas e movimentos de extrema-esquerda. Mário Soares e o PS foram os heróis civis que resistiram à nova ditadura. Eanes e outros militares, conhecidos por Grupo dos Nove, foram os protagonistas do confronto que custou a vida a três soldados, dois dos quais Comandos. Há meandros controversos no 25 de Novembro. O facto é que sem ele Portugal virava uma República Popular Democrática ao jeito de Cuba, das do Leste ou do Báltico que só se libertaram com a queda do muro. O 25 de Novembro não é o 25 de Abril, mas permitiu cumpri-lo.