Uma corrida de obstáculos

Uma corrida de obstáculos


As mulheres conquistaram um lugar no desporto graças à sua determinação e performances. Algumas foram vítimas de discriminação, mas as suas conquistas tornaram-se uma inspiração para muitas outras.


Durante muito tempo, as mulheres foram excluídas do desporto ou a sua presença era mal vista pelos homens, que consideravam que uma “olimpíada feminina é impraticável, desinteressante, inestética e incorreta”. O preconceito extremo e a mentalidade fechada levou uma elite do desporto a dizer que “os jogos devem estar reservados aos homens. O papel das mulheres deve ser o de coroar os vencedores”. O próprio fundador dos jogos olímpicos da Era Moderna, o barão Pierre de Coubertin, opôs-se à presença de mulheres nos primeiros jogos realizados em Atenas, em 1896. Só quatro anos mais tarde, em Paris, foi autorizada a participação de mulheres como atletas convidadas. Por essa razão, recebiam apenas um certificado, ao passo que os homens recebiam a coroa de oliveira atribuída ao campeão olímpico. Nessas olimpíadas, participaram 22 mulheres, de um total de 997 atletas, que participaram em competições de golfe, ténis, hipismo e vela, considerados desportos “belos”, que não exigiam contacto físico.

Superação A história da mulher no desporto começa com a tenista britânica Charlotte Cooper. Aos 26 anos, ficou surda e teve de ajustar a maneira de jogar e de se posicionar nos courts. Nada disso a impediu de fazer história e ser a primeira campeã olímpica, em Paris 1900, com duas medalhas de ouro na variante de singulares e pares misto. De forma a contrariar a segregação a que as mulheres eram sujeitas, a ativista francesa Alice Milliat fundou a Federação do Desporto Feminino e organizou os jogos olímpicos femininos de 1922 a 1934, para reivindicar o direito das mulheres no desporto. Na primeira edição, participaram 77 atletas e cerca de 20 mil pessoas assistiram às provas de velocidade (100 metros, 400 metros, 800 metros) e de salto em altura.


A luta das mulheres teve novo desenvolvimento em 1967 quando a norte-americana Katherine Switzer participou na maratona de Boston – é a maratona mais antiga do mundo. Foi a primeira mulher a correr os 42,1 km e terminou a prova em 4 horas e 20 minutos, apesar de o diretor da corrida a ter agredido e tentado arrancar-lhe o dorsal 261. O incidente foi registado pelos fotógrafos e deu origem a uma das 100 fotos que mudaram o mundo, segundo a Time Life.


As mulheres foram, pouco a pouco, derrubando barreiras, obtendo conquistas e eliminando discriminações e estereótipos do tipo “atividades desportivas masculinas”. Desde Londres 2012, as mulheres participam em todas as modalidades olímpicas, e há disciplinas onde o número de mulheres é superior ao de homens, caso da patinagem no gelo e ginástica.
O nome de Nadia Comaneci está associado à palavra perfeição. Com 14 anos, obteve a pontuação máxima de 10 no exercício de barras assimétricas nas olimpíadas de Montreal 1976 graças ao seu talento, equilíbrio, plasticidade, concentração e muito treino. Durante a sua carreira ganhou nove medalhas olímpicas. A ginasta romena retirou-se em 1981, com 20 anos. A norte-americana Simone Biles é considerada a melhor ginasta de todos os tempos com quatro medalhas de ouro nos Jogos do Rio 2016 e três em Paris 2024: “Não sou o próximo Usain Bolt nem o novo Michael Phelps. Sou a primeira Simone Biles”, referiu. A ginasta alertou ainda para a saúde mental – “Nós [atletas] também somos humanos, devemos proteger as nossas mentes e os nossos corpos, em vez de fazer o que o mundo espera de nós”, referiu ao retirar-se da competição nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2021.


Após 27 anos de carreira, Serena Williams arrumou a raquete depois de ter conquistado 23 títulos do Grand Slam, quatro medalhas de ouro em jogos olímpicos e ocupado o número 1 do ranking mundial durante seis anos. Serena é também conhecida pelas suas posições sobre o racismo e desigualdades sociais, é uma das vozes mais ativas do movimento Black Lives Matter. Em várias cartas abertas e vídeos, defende a aposta no feminismo e pede às mulheres que não tenham medo de se impor e de quebrar barreiras.
No mundo do futebol feminino a principal referência chama-se Marta. Foi eleita a melhor jogadora do mundo por seis vezes, é a melhor marcadora da seleção brasileira com 116 golos, detém o recorde de mais golos em Mundiais – femininos e masculinos – com 17 golos, e conquistou 21 títulos. Aos 39 anos, Marta joga atualmente no Orlando Pride, da liga feminina norte-americana. “Vivemos momentos difíceis e nunca devemos desistir, temos de ter confiança em nós. Os obstáculos que encontramos tornam-nos ainda mais determinadas a alcançar os nossos sonhos, apesar das adversidades», fez questão de salientar.


A nadadora norte-americana Trischa Zorn é a atleta paralímpica mais bem-sucedida do mundo, com 55 medalhas em todas as categorias, incluindo 41 medalhas de ouro. Começou a nadar muito nova, apesar da cegueira provocada por uma doença congénita. Participou nos primeiros Jogos Paralímpicos em Moscovo 1980, com apenas 16 anos, foi campeã paralímpica sete vezes e terminou a carreira aos 40 anos, com a medalha de bronze em Atenas 2004.

Mulheres “voadoras” Florence Griffith-Joyner morreu em 1998, com 38 anos, mas os seus feitos continuam bem vivos. Os registos da velocista norte-americana de 10.49 nos 100 metros e de 21.34 nos 200 metros mantêm-se desde Seul 1988! Florence Griffith começou a correr quando tinha sete anos, mas foi obrigada a abandonar o desporto para ajudar no sustento da família. O seu treinador incentivou-a a regressar e, nos Jogos Olímpicos Los Angeles 1984, conquistou a medalha de prata nos 200 metros, embora as suas unhas compridas e pintadas de forma invulgar tenham merecido mais atenção da imprensa do que a sua corrida.

Para a história Portugal sempre teve atletas capazes de vencer nos grandes palcos. Rosa Mota alcançou o primeiro grande feito do atletismo feminino ao vencer a maratona no Europeu de Atenas, em 1982. Nos Jogos Olímpicos Los Angeles 1984 conquistou a medalha de bronze na maratona e, quatro anos depois, sagrou-se campeã olímpica em Seul. Considerada uma das maiores maratonistas da história venceu inúmeras provas e arrecadou muitas medalhas em campeonatos do mundo e da Europa ao longo da carreira. Nos últimos anos, Rosa Mota ganhou várias provas de veteranos e, em 2024, estabeleceu novo recorde do mundo na meia-maratona de Barcelona (1:24.27 horas), para o escalão dos 65 aos 69 anos.


Há mulheres que conquistaram o seu lugar num meio marcadamente masculino como era o desporto automóvel. Maria Teresa de Filippis estreou-se na Fórmula 1, aos 38 anos, com o Maserati 250F com que Juan Manuel Fangio conquistou o quinto título mundial. Esteve presente em cinco Grandes Prémios e correu no circuito da Boavista em 1958, mas desistiu com uma avaria de motor. O melhor resultado foi o 10.º lugar em Spa-Francorchamps. Foi proibida de correr em França por ser mulher. O diretor de prova afirmou que “uma jovem tão bonita não deveria usar capacete, a não ser o secador de cabelo no cabeleireiro”, numa atitude completamente machista. Outro exemplo vem de Michèle Mouton, vice-campeã do mundo em 1982. Ganhou ralis com carros de Grupo B, que foram proibidos por serem extremamente potentes e perigosos. Ainda hoje muita gente se lembra da sua vitória no Rali de Portugal com o Audi Quattro.