Nos últimos 20 anos temos assistido a uma maior tentativa de capturar a política através de agendas culturais radicais, particularmente impostas pelas ditas “elites” associadas à ideologia de esquerda tanto na Europa como nos Estados Unidos da América. O dito “wookismo” ou “política identitária” é aquilo que qualquer um de nós consegue caracterizar como ênfase excessivo nas questões de identidade e justiça social, muitas vezes à boleia de preocupações legítimas socioeconómicas mais urgentes no dia-a-dia da sociedade.
É evidente que esta narrativa com já 20 a 30 anos de existência foi também assimilada por partidos ditos “de direita”, incluindo em Portugal, como o PSD, com a crença de que qualquer oposição direta a essa agenda seria prejudicial eleitoralmente. Criou-se uma falácia política de que as questões culturais da esquerda política são forçosamente populares, entendendo-se que são aceites de forma tácita e entusiástica pela maioria do eleitorado. Contudo, este alinhamento estratégico de receio político tem demonstrado fragilidades sociais no eleitorado, quando a própria direita, repetidas vezes, adota respostas extremadas que apenas vão aprofundar a polarização. A moderação sempre conseguiu debater todos os temas.
O resultado desta estratégia político-partidária revelou-se desastroso, especialmente para os partidos do centro-direita, que têm perdido visivelmente espaço para forças mais populistas e extremistas em todo o lado. Não só em Portugal.
Nos Estados Unidos da América, os recentes resultados eleitorais norte-americanos – que culminaram no regresso de Donald Trump à presidência – representam mais uma clara derrota do wookismo e desta agenda política em torno de temas que não são tudo o que os políticos dizem ser por oportunismo face aos descontentes.
Estes resultados de terça-feira passada têm vários responsáveis na mensagem política que falhou ao Partido Democrata de Kamala Harris. Desde logo, a corrente ideológica foi rejeitada por uma população norte-americana cansada de falsos problemas e conflitos artificiais promovidos pelas “elites políticas”, que continuam a ignorar as suas preocupações reais nas ruas e na carteira. Ficou mais uma vez claro que não é a elite política que decide os problemas sociais, são os problemas sociais que vão levar os eleitores a escolher determinados dirigentes políticos.
Sobretudo, à data, a hipersensibilidade social em temas raciais e de género, e a tentativa de transformar as instituições numa máquina de propaganda cultural têm sido severamente criticadas. A título de exemplo, e para termos noção do impacto que já se sente na rejeição social a estes temas em exagero, um estudo recente do Centro de Investigações Sociológicas e do ISCTE de Lisboa indicou que grande parte dos portugueses (mais de 50%) consideram que o debate público se tornou excessivamente sensível a questões de identidade.
Essa perceção, e não precisamos de uma figura como Ricardo Araújo Pereira na televisão ou de uma Joana Marques na rádio – a repetirem vezes sem conta a ideia – que até no humor já sentem a dificuldade de ter liberdade de fazer rir por receios de linguagem, é sentida por todos. Isto reflete-se em situações quotidianas, como o evidente receio atual de abordar certos temas nos meios de comunicação ou na política, devido a uma crescente e forte pressão do “politicamente correto” para alinhar com normas ideológicas dominantes.
Na socialmente robusta academia norte-americana, imparcial de julgamento na liberdade de pensamento que o Mundo lhe confere, tem nos estudos com unidades curriculares de Humanidades várias queixas por terem sido afetados no pensamento e alterados nos temas em já diversas Universidades, tudo devido aos receios e imposições causados por esta agenda que cada vez mais se vê que é mais política que social. Esta influência já atravessou fronteiras, já chegou à Europa e até ao nosso Portugal, onde temas como a imigração continuam censurados por receios infundados de associações (são?) denominadas de apoio ao racismo ou à xenofobia. Dizem que defendem o tema, mas não encontro um fórum onde aceitem sem discriminar debater o que seja. Contudo, a imigração é um tema político central e inquestionável em como é importante, que já é evidente em quaisquer eleições em muitos outros países e será ainda mais decisivo eleitoralmente num futuro próximo. Ignorá-lo ou “empurrá-lo com a barriga” para os extremos políticos é um erro estratégico que alimenta os populismos e destrói o centro político. E os moderados têm de ter responsabilidade em passar de forma leviana esta agenda para a extrema-esquerda e extrema-direita que são quem menos resolve social e politicamente qualquer tema.
No contexto português, é visível como esta dinâmica está refletida no crescimento eleitoral de partidos como o Chega, que ganhou tração eleitoral em grande parte devido à sua postura anti-imigração que veio preencher um “vazio político” deixado pelos partidos tradicionais/moderados que evitam abordar o assunto de forma direta. Simultaneamente, há uma evidente relutância quase que generalizada em discutir abertamente questões como a integração cultural, a imigração de talento, a segurança e o impacto económico da imigração. Exemplo disto mesmo foi o silêncio político em torno das tensões recentes nas ruas de várias Cidades da Área Metropolitana de Lisboa, onde o foco foi desviar o debate em vez de enfrentar os reais desafios sociais subjacentes. Errou o meio político em deixar este vazio por medo de falar.
A derrota do wookismo nos EUA deixa uma mensagem clara: as pessoas estão cansadas de ideologias que se sobrepõem às suas necessidades reais.
O exemplo dos EUA é ótimo porque é possível ver que embora os indicadores económicos possam apontar melhorias, como aconteceu nesta administração Biden, estas melhorias económicas não têm relevância se as pessoas percecionarem incompetência ou má preparação nos seus líderes em estabelecer agendas reais face aos seus problemas. Esta ausência de ligação ou aderência entre elites políticas e o cidadão comum resultou, do lado de lá do Oceano Atlântico, na rejeição das políticas de género e narrativas meio wookistas impostas em torno desta agenda que os Democratas cavalgaram a maior parte do tempo. Não falaram (bem) só disto. Mas exageraram num tema de exageros e os eleitores norte-americanos preferiram outros riscos.
É essencial que o debate público recupere um tom mais genuíno e próximo das preocupações verdadeiras das pessoas sem serem inquinados pelos políticos e os seus interesses ideológicos.
Devemos todos, sem medos, escrever e promover debates e discussões abertas e honestas sobre temas controversos, sem o medo de rótulos ou a imposição de narrativas hegemónicas. A sociedade pede um equilíbrio entre valores tradicionais e progresso social pode ajudar a reabilitar a confiança dos cidadãos nos seus políticos – e nas políticas públicas que defendem – e acabar com o vazio político que dá espaço a populismos e extremismos ou partidos radicais. Além disso, é fundamental que as instituições, sejam académicas ou não, incentivem um pensamento mais plural e menos polarizado, garantindo que a diversidade de opiniões enriqueça o debate democrático. Inclusive nos meios de comunicação social porque hoje não nos pode chocar uma tendência editorial, desde que seja às claras e continue a paralelamente evidenciar factos reais também. Onde acabou o tempo em que podíamos aceitar com liberdade de opinião, sem aumentar os decibéis na discussão, com que os outros que pensam diferente de nós dizem o que querem dizer e pensam?
As ideologias de direita e a de esquerda, no fundo e no seu futuro, têm de desistir das estratégias que dividem e polarizam a sociedade.
Os políticos têm de trabalhar narrativas para representar genuinamente as necessidades dos eleitores que os escolhem. O eleitor é soberano, o político só o é depois de eleitas as suas propostas. Só assim será possível construírem, os políticos de hoje, de novo um meio político mais próximo da realidade, respondendo aos desafios reais da sociedade em vez de insistirem em agendas ideológicas que, no final de contas, afastam os cidadãos da participação cívica e ordeira como se tem visto.
Em conclusão, o futuro da política, tanto em Portugal como globalmente, dependerá sempre da capacidade dos líderes se conseguirem ligar com as preocupações reais dos cidadãos e saírem da “bolha política” que lhes sopra ao ouvido temas e temáticas que não são problemas do mundo real.
Só assim, acredito, será possível ultrapassar a polarização da sociedade atual e construir uma sociedade mais coesa, plural e democrática.