O número de voos noturnos permitido no aeroporto da Portela tem sido constantemente violado. A garantia é dada ao Nascer do SOL por Acácio Paiva, da Zero, ao referir que estamos, muitas vezes, perante a duplicação desse número, e em muitos dias é ultrapassado o limite dos 26 voos e o limite de ruído que devia ser 55 decibéis está a ser, em alguns casos, ultrapassados. Em causa, de acordo com o responsável, estão 400 mil pessoas afetadas em quatro concelhos: Vila Franca de Xira, Loures, Lisboa e Almada. «O regulamento geral do ruído não permite voos entre a meia-noite e as 6h da manhã, no entanto, a legislação também põe limites para o ruído noturno entre as 23h e as 7h da manhã, o que acontece na Portela é que há um regime de exceções que permite 91 voos durante a semana, num máximo de 26 num único dia», salienta. Contactado pelo nosso jornal, a Vinci não prestou qualquer tipo de informações.
Mas face a este cenário, a plataforma ‘Aeroporto Fora, Lisboa Melhora’ convocou uma concentração para o próximo dia 6 de novembro, às 18h30, à saída da estação de metro do Aeroporto. «Pretendemos mostrar o descontentamento das pessoas que residem, trabalham ou estudam em zonas afetadas pelo ruído e poluição gerados pelos aviões que aterram ou descolam do Aeroporto Humberto Delgado, e dizer: fim aos voos noturnos, não à expansão do Aeroporto Humberto Delgado (AHD), sim ao encerramento do AHD, sim à construção urgente do novo aeroporto de Lisboa fora da cidade e sim a um novo pulmão verde», refere o documento a que o nosso jornal teve acesso.
Ao Nascer do SOL, Sérgio Morais, um dos rostos da plataforma, diz que além de quererem exigir o fim dos voos noturnos, a ideia deste protesto é mostrar o descontentamento contra o projeto de expansão do aeroporto da Portela e sensibilizar para a necessidade de que é preciso acelerar a construção do novo aeroporto. «Devíamos estar a discutir o novo aeroporto e, em vez disso, estamos com estas obras de expansão em cima da mesa que vão custar uma centena de milhões de euros Parece-nos que pode haver uma intenção não assumida de prolongar muito mais a vida desta infraestrutura».
O barulho nocturno
O responsável admite ainda que a perceção das pessoas que estão a ser afetadas por este aumento de voos, nomeadamente noturnos, está a mudar e muito à custa da pandemia. «Antigamente era um tema quase repudiado, mas agora a discussão está muito mais equilibrada. É certo que o aeroporto está aqui há muitos anos mas não tinha esta dimensão em termos de voos e esta dimensão faz toda a diferença. Há 10 anos havia metade dos voos que há agora e a invasão do período da noite também não acontecia na década passada, havia muito menos voos e agora fruto da saturação do aeroporto o espaço tem sido invadido». E lembra que, «depois da pandemia, muitas pessoas ficaram mais despertas para o problema porque perceberam o caos que se voltou a verificar depois da paralisação total dos céus e a covid teve este ponto positivo porque passou a haver uma maior sensibilização».
Também Pedro Castro, especialista em aviação, admite que o aeroporto em Lisboa comparado com outros aeroportos, é mais tolerante. E dá vários exemplos: «Há infraestruturas muito mais rígidas no que diz respeito aos voos noturnos no sentido de dizer que o aeroporto fecha, em que existe uma pequena tolerância para os voos que estão atrasados face ao horário original, caso contrário são cancelados na origem. Isso acontece, por exemplo, em Heathrow, no aeroporto de Frankfurt, no de Zurich e no de Amesterdão».
E lembra que, em muitos casos, o maior ‘infrator’ é a TAP já que tem 50% dos slots. «O que acontece nestes casos? As companhias aéreas estão atrasadas e em vez de cancelarem aterram mas com multa. Violam a lei do ruído, mas a legislação não é suficiente dura para dizer às companhias aéreas que nem é com multa, simplesmente não podem aterrar», refere ao nosso jornal.
Penalização pouco dissuasora
Acácio Paiva refere que cabe à Vinci relatar estes voos extraordinários que ocorrem durante a noite e remeter o caso à ANAC, para esta verificar se estão ou não de acordo com o que legislação permite e, no caso de não estarem, aplicar multas. De acordo com os últimos dados da ANAC, foram instaurados até julho deste ano, 75 processos de contraordenação contra dez transportadoras aéreas. A reguladora aérea deu por concluídos 143 processos de contraordenação – que dizem respeito a infrações praticadas em anos anteriores -, que resultaram na aplicação de coimas no montante global de quase seis milhões de euros.
Já em 2023, foram instaurados 202 processos de contraordenação a 57 companhias aéreas, tendo sido aplicadas coimas no valor de 266.200 euros. Mas apesar desse aumento de coimas aplicadas este ano em relação ao que foi praticado em 2023, o responsável da Associação Zero admite que o processo deveria ser alterado. «As companhias aéreas recorrem a tribunal e depois assistimos a uma grande demora na cobrança dessas multas, o que mostra que as multas não são dissuasoras porque se fossem certamente não ocorria estas situações, e além disso, o mecanismo de cobrança também deveria ser alterado. As companhias deviam primeiro cobrar a multa e depois é que deviam recorrer», salienta.
Concessionária falha
Outra falha da concessionária diz respeito ao programa que já deveria ter sido levada a cabo pela Vinci que previa proteger edifícios do ruído. O projeto deveria ter arrancado no ano passado, mas a associação Zero, garante que nada foi iniciado, o que leva Acácio Paiva a acusar a empresa de incumprimento. «Isso faz parte do plano de ação da ANA para identificar situações em que são ultrapassados os limites de ruído e identificar medidas de mitigação dessa ultrapassagem. No último plano de ação 2018/2023 havia uma ação dedicada à insonorização dos recetores mais sensíveis, nomeadamente escolas e hospitais e alguns recetores residenciais, o que é certo é que não foram feitos esses investimentos nos espaços públicos e as residências nem sequer foram identificados», acusa ao nosso jornal.
Também Sérgio Morais da plataforma ‘Aeroporto Fora, Lisboa Melhora’ chama a atenção para o facto de a concessionário já ter entregue um plano de ação do ruído a dizer que essas obras já avançaram em escolas e em outros edifícios públicos, mas adiantaram que para os moradores só poderão avançar quando começarem a cobrar taxas nas companhias aéreas. Mas refere que essas obras «não podem servir de desculpa» para continuar tudo na mesma. «A empresa diz que a partir do momento em que as casas estão insonorizadas podem fazer os voos noturno, mas isso não pode acontecer. Moro em Alvalade, tenho um vidro por fora da janela que está fora da caixa do estore para atenuar o ruído e embora atenue, o ruído é de tal ordem que se continua a ouvir e no verão se abrirmos as janelas perde o efeito», salienta.
Para Acácio Paiva, uma das soluções passa pelo encerramento definitivo do atual aeroporto. «Esperemos que a nova infraestrutura seja acelerada, mas vamos aguardar para dezembro, altura em que esperamos que seja apresentado um cronograma para a construção do novo aeroporto e para o encerramento da Portela», mas até lá, admite que «o que se deve fazer é proibir todos os voos, pelo menos, entre meia-noite e as 5h da manhã para permitir que as pessoas tenham um sono profundo, sem interrupções. Claro que tem sempre consequências para a saúde, nomeadamente doenças cardiovasculares e depressões. Tem de haver um cumprimento restrito do número de voos permitido entre a meia-noite e as 5h e para acomodar um outro ou outro voo que esteja atrasado, já a partir das 5h poderão haver alguns voos de ligação entre a América e a Europa».
A defesa da proibição total
O responsável diz ainda que «perante a gravidade da situação, a Zero quer que as autoridades apliquem as conclusões do grupo de trabalho que analisou os voos noturnos no Aeroporto de Lisboa, garantindo que, num primeiro passo, no verão de 2025 sejam totalmente proibidas as operações de aterragem e descolagem no Aeroporto Humberto Delgado no período entre a meia-noite e meia e as cinco da manhã». Defende também a «obrigatoriedade, por parte do gestor da infraestrutura, da publicação mensal do número de pessoas afetadas por níveis de ruído noturno acima dos 45 decibéis e a definição de uma estratégia para o cumprimento da lei do ruído».
E a associação faz as contas: « Os custos do não encerramento do Aeroporto Humberto Delgado estão já perto dos 10 mil milhões de euros desde 2015, ano em que a infraestrutura deveria ter sido encerrada».
Já em relação ao novo aeroporto, o responsável da APA defende que o organismo tem de ser muito mais exigente. «Nenhuma nova população poderá ser exposta, no limite teremos de realojar as populações que estão afetadas», referindo que nas duas opções consideradas viáveis, Alcochete tem cerca de quatro mil pessoas potencialmente expostas, enquanto Vendas Novas conta com cerca de 300 pessoas, o que no seu entender, «é bem mais administrável do ponto de vista de alojamento».