1. Visto, ouvido e lido a partir de um sofá em Lisboa, através da comunicação social tradicional, o congresso do PSD mostrou um partido rendido a Luís Montenegro. Mesmo sabendo que muitos líderes têm picos de força, o de Montenegro foi monumental como não se via desde Cavaco. Ali, não houve publicamente pitada de sal “passista” ou “passadista”, não houve “rioísmo”. Houve um aceno ao “cavaquismo”, a Marcelo e às mulheres, com a chamada de Leonor Beleza para número dois do partido, mas sobretudo com um plano de obras e de reformas para o país, só comparável ao de Cavaco, com o qual se estimula empreendedores, o setor social e os grupos conservadores e mesmo de direita radical. É esse o alicerce político de um Montenegro que se apresentou fortíssimo, já ciente de que os divididos socialistas vão viabilizar o orçamento na generalidade. E assim mexeu como quis na comissão política e nos outros órgãos, dispondo de quem está e não está no Governo, ao ponto de passar ministros de vice-presidentes a vogais e promover a vices algumas figuras secundárias. Domesticou, partidariamente, açorianos e madeirenses. Fez tudo sem espinhas, sendo certo que todos têm a rédea curta, apesar da bonomia do líder. Montenegro confirmou, em Braga, ter saído melhor que a encomenda, contrariando muitos, hoje rendidos, que não valorizaram os sinais da persistência e da coragem de aparecer para marcar posição face a Rio. Agora, venha o que vier, o PSD tem uma liderança para durar até às próximas legislativas, com todos alinhados em fila indiana. Tanto para Montenegro como para Pedro Nuno Santos, o passo seguinte são as autárquicas. Funcionarão como o teste do algodão. A um cabe governar, reformar e projetar o país e representá-lo internacionalmente. Ao outro compete-lhe organizar uma alternativa, sem por isso perder sentido de Estado. A presença de Marques Mendes no congresso em posição de relevo confirmou uma clara preferência pela sua candidatura a Belém por parte de Montenegro. Todos sabem não serem favas contadas, nem o tempo para dar mais do que meros sinais. A suposta presença inopinada de Santana Lopes (como se Montenegro não tivesse sido alertado e concordado) é um sinal de que o jogo presidencial está em aberto, dentro e fora do PSD. A própria discrição que Aguiar- -Branco assumiu no congresso não o exclui da corrida. O novo ambiente político, apesar de subsistirem riscos no debate da especialidade orçamental, é um alívio para Marcelo que, nos bastidores, trabalhou arduamente para o desiderato de passagem do documento. Com tudo isto, Montenegro está em grande. Segue na sua bicicleta, superando obstáculos, mas enfrentando um quotidiano económico negativo e uma indiscutível degradação do poder de compra dos portugueses, o que não o coloca nos píncaros de popularidade da população apolítica, ao contrário do que sucede no PSD. Já experiente, ele sabe que se não aguentar a pedalada alguém saltará do pelotão para lhe disputar o lugar de chefe de fila. Viu-se, em Braga, que há quem tenha o dente afiado e prepare uma carreira política, beneficiando de qualidades e de simpatia partidária, não hesitando em dar o salto da proclamada independência para a militância, abrindo novas perspetivas. De facto, na política nunca há vazios e começa-se normalmente de pequenininho…
2. Pedro Nuno Santos (PNS) está a percorrer o caminho das pedras que já desgraçou muitos líderes da oposição, tanto no PS como no PSD. O discurso em que anunciou a proposta de abstenção do PS na votação do orçamento foi um ato de contorcionismo. Dois terços da prosa apontavam um conjunto de razões para votar contra, mas no fim anunciou a proposta de abstenção, pondo fim ao melodrama. PNS fez mal ao não indicar logo após as eleições que iria abster-se sem negociar condições. Chegou tarde à decisão final, desiludindo uma ala “alexandrista” em crescimento, que radicaliza o PS numa esquerda saudosista da “geringonça”. Apesar de se adivinhar difícil, é improvável que a discussão do orçamento na especialidade comprometa a votação final global, mesmo que o Governo tenha de engolir uns sapos. Se há coisa que os políticos sabem é incumprir aspetos inscritos nas contas que não lhes agradam ou que só lá estão para encher o olho. Viu-se bem isso nos oito anos de “costismo”.
3. Na política, é muito frequente as coisas mudarem num ápice. Vem isto a propósito de André Ventura. O amado líder do Chega entrou na fase “barata tonta”, perdendo credibilidade. Pior: Ventura remete para posturas norte-coreanas, como se viu quando, de propósito, entrou atrasado no Parlamento e os seus deputados se levantaram em aplausos frenéticos dignos do país dos Kim. Sinais desses, resultantes da revelação de uma alegada negociação com Montenegro para o levar para o Governo, não mostram força. Antes exibem o medo coletivo de contrariar o chefe e a tendência totalitária de um líder, por muita razão que possa ter em algumas posições.
4. O plano do Governo para os media está transformado numa batalha política à volta da RTP e de supostas intenções maquiavélicas de privatização. Já nada vale ao Governo fazer notar que a primeira entidade a pensar num plano de racionalização para a rádio (sempre esquecida lá dentro) e a televisão do Estado nasceu de uma administração vinda de António Costa. Uma das curiosidades dos alinhamentos contra o projeto no que à RTP diz respeito é a circunstância de congregar figuras do PSD talvez desencantadas por não terem sido consultadas (Morais Sarmento), por não quererem admitir que as suas soluções foram um flop total (Poiares Maduro) ou Rui Rio. De notar, à passagem, que nenhum se apresentou para falar em Braga. Centrar todos os problemas do setor da comunicação social numa única empresa é a melhor maneira de tudo ficar na mesma e de irem públicos e privados ao charco, diminuindo a oferta de informação e aumentando a penetração de um noticiário manipulado e dependente. Nunca houve tanta informação de tão má qualidade e nunca, em democracia, os jornalistas foram tão menorizados. Mas, pelos vistos, há muitas forças de bloqueio a uma tentativa reformista.
5. A cotação do ouro tem vindo a subir de forma imparável, atingindo valores elevadíssimos. Especialistas atribuem o fenómeno à complexa conjuntura mundial e à pressão da inflação. O ouro é um valor de refúgio para os investidores. Esta subida confirma que estamos numa fase perigosa ou, no mínimo, altamente instável, que, além de conflitos armados imprevisíveis, das eleições americanas e de uma eventual implosão económica, significa que há medo instalado. Consequentemente, os cenários otimistas que a AD proclamou em campanha foram retificados em baixa nos documentos que o Governo português fez chegar a Bruxelas. Os 3,4% de crescimento do PIB previstos encolheram para 1,8%. São dados que falam por si. O mundo está num ponto de imprevisibilidade como não se viu nem mesmo quando o bloco comunista implodiu. Houve quem pensasse que era o fim da história, mas deu-se exatamente o contrário.
6. Se há obra que representa perfeitamente a nossa incapacidade e incompetência coletiva é o chamado plano ferroviário. Cada um de nós tem conhecimento à escala individual de situações deploráveis com comboios. Os números globais do plano são aterradores. O jornal Público mantém uma informação atualizada sobre o atraso na execução da obra e o número já ultrapassa os 36.600 dias, em resultado de fatores que chegam a ser caricatos. O que estava previsto para 2020 está remetido para 2025. Pior, o que se está a passar na ferrovia tem fortes probabilidades de se repetir noutros casos, desde logo no aeroporto de Alcochete. Um país assim é terceiro-mundista, coisa que se torna mais evidente quando tem a seu lado uma Espanha que construiu em poucos anos a maior rede de TGV da Europa. Somos pequeninos na obra e gigantes no atraso. Veremos se Montenegro consegue mesmo dar a volta à situação ou se os planos que exibiu em Braga também ficam no papel. Há que agir e depressa.