Esta última semana em torno do debate sobre o Orçamento do Estado para 2025 (OE’25) veio trazer uma leve sensação de que já não existe tática política da maioria. É tudo volátil e de conteúdo e resistência à mudança extremamente frágil. Entre várias medidas propostas, há um filme digno de registo em torno da redução do IRC em 1 ponto percentual. Acredito que no meio deste debate do OE’25 é o tema que gerou mais mediatismo.
E sobre isto, não é de estranhar que António Horta Osório, uma das vozes seguramente aceite como das mais influentes do setor financeiro, tenha também ele vindo a público por estes dias para referir o essencial: “o foco deve estar na melhoria da vida dos portugueses”.
É difícil não concordar que este é mesmo um momento de investir no aumento dos salários e na qualidade de vida dos portugueses através do excedente orçamental acumulado, com prudência, mesmo que isto afete aquilo que se tornou (ironia histórica política) na joia da coroa socialista: o défice.
Vivemos uma época de oportunidade económica para Portugal. Após vários anos, e mais do que um Governo, de esforço e até austeridade, o país atingiu graças aos portugueses uma posição de equilíbrio orçamental invejável no contexto europeu com uma dívida pública a descer e um superavit orçamental. É importante comparar, no caso, e saber que enquanto outros países europeus (Espanha e França) ainda estão a lidar com défices substanciais, o nosso país parece que conseguiu controlar as suas finanças nesta fase da história. Este cenário coloca-nos numa situação favorável para aproveitar este momento financeiro e melhorar estruturalmente a economia.
Horta Osório, que é insuspeito e profundo conhecedor do setor, é que o diz, mas sublinhemos mesmo que contas equilibradas não significam necessariamente um superavit. Um pequeno défice, utilizado estrategicamente, pode ser um caminho para melhorar os salários e dinamizar a economia.
Então, será que baixar o IRC e a TSU (Taxa Social Única) não são duas medidas com impacto direto na produtividade e nos salários? Ao aliviar a carga fiscal sobre as empresas, Portugal pode criar condições para que as empresas aumentem a contratação e melhorem os salários que praticam, fatores essenciais para aumentar o nível de vida dos trabalhadores e manter a competitividade do país. Não é correto isto?
É verdade que na proposta que o Governo vai apresentar, que o Primeiro-ministro Luís Montenegro já referiu estar fechada e que apresentada esta quinta-feira (10 de outubro) à tarde, está prevista uma redução de IRC de 1 ponto percentual já para o próximo ano, demonstra que se segue uma linha prudente. Mas esta redução poderia ser mais ambiciosa, acompanhada de políticas que aumentem efetivamente a produtividade e promovam o crescimento salarial.
A proposta de uma redução mais alargada do IRC, sugerida por vários setores da economia, foi adiada para além do Orçamento de 2025, mas este é um debate que terá de ser retomado sem dúvidas.
Ao passo que o Governo da Aliança Democrática (PSD e CDS-PP) dá sinais de prudência e planeamento a mais longo prazo, é interessante pensar pelo prisma também de António Horta Osório que faz uma reflexão que diria ser muito válida nesta fase de debate: será que estamos a perder uma oportunidade de acelerar o crescimento económico num momento em que temos margem orçamental para isso? Em vez de congelar o debate sobre reduções mais ambiciosas no IRC até ao final da legislatura, como sugeriu o PS de Pedro Nuno Santos, poderíamos utilizar este excedente para estimular o investimento privado, aumentar a capacidade de exportação das empresas e, consequentemente, aumentar os rendimentos dos portugueses. Será que não era um caminho melhor?
Portugal tem uma necessidade urgente de melhorar os salários. O nosso país continua a ser ultrapassado por economias emergentes do Leste Europeu (como a Polónia e a Hungria), que há uns anos seria visto como impensável, onde os salários têm crescido três vezes mais rapidamente do que em Portugal nos últimos 26 anos. Será que devemos fechar os olhos a estes dados?
Este crescimento salarial não só é um fator essencial para a retenção de talento, que Portugal tem dificuldade, como também influencia diretamente a competitividade das empresas portuguesas no cenário internacional.
É importante não esquecer a TSU. A redução da TSU seria, segundo vários economistas também de relevo da nossa praça pública de análise, uma medida direta para aliviar os encargos das empresas e permitir que estas contratem mais e paguem melhor. Este alívio poderia ter um efeito em positivo na economia que se pretende, visto que potenciariam um aumento da produtividade e maior capacidade de exportação de forma evidente que é difícil negar. Num país como Portugal, onde o setor empresarial ainda está a recuperar da crise pandémica, e da inflação inerente aos conflitos no Leste Europeu e no Médio Oriente, estas medidas acertadas poderiam funcionar como um incentivo para reforçar a economia.
Diria que isto seria um Pequeno Déficit com Grande Impacto.
Portugal tem margem, como foi exposto e sobretudo é dito por vários agentes económicos, para ser mais ambicioso. O equilíbrio orçamental alcançado não deve ser visto como um objetivo final, mas como uma plataforma para melhorar a qualidade de vida dos portugueses. Ao utilizar um pequeno défice de forma estratégica e não profilática apenas, poderíamos estimular o crescimento económico, melhorar os salários e tornar o país mais competitivo no cenário europeu.
A redução do IRC e da TSU, embora com a prudência que se deve elogiar no discurso do atual Governo, deveriam ser vistas como parte de uma estratégia mais ampla de aumento da produtividade e de crescimento salarial.
Apoiar as medidas do Governo de Luís Montenegro é essencial para garantir a estabilidade fiscal. No entanto, há espaço para discutir o uso do excedente orçamental de forma mais ousada, tal como sugerido por Horta Osório e tantos outros defensores de um caminho “mais ambicioso”.
Portugal tem agora a oportunidade de controlar o seu próprio destino, e o foco deve estar em melhorar as condições de vida da população sem perder de vista a sustentabilidade a longo prazo. Temos de olhar às pessoas sem ser como meros números e é essa a maior ambição humana que a discussão política em torno desta matéria deve ter.