Orçamento: trocas, baldrocas e engenhocas políticas


O cenário de crise e de novas eleições legislativas mantém-se possível e poderá favorecer Montenegro.


1. Perante as trocas e baldrocas, altas engenhocas, como diriam as Doce, que os nossos políticos têm inventado a propósito do Orçamento do Estado (OE), o Presidente Marcelo fez bem em advertir que a não aprovação das contas vai gerar uma crise. Marcelo não especifica, mas está implícito que a resolução do imbróglio pode passar por novas legislativas que ele, como qualquer cidadão de bom senso, não deseja face à situação interna e ao contexto internacional. Sábado passado, o Presidente pressionou uma solução PS/PSD, lembrando que se não se entenderem quem manda é o terceiro, ou seja, o Chega. Apesar disso, o cenário de não aprovação do OE mantém-se. Na véspera, Pedro Nuno Santos (PNS) mostrou-se intransigente quanto ao IRS Jovem (uma medida duvidosa) e ao IRC (essa, sim, uma proposta indispensável para a direita moderada, embora sejam poucas as empresas portuguesas que apresentem lucros). O radicalismo de PNS é tático e estratégico e Marcelo percebeu-o. Visa pôr o Chega no centro da decisão de viabilizar ou não o OE, sabendo que a Ventura não convém eleições, dando espaço ao PS para ser a única verdadeira oposição. A prova é que o líder do Chega saltou logo para as televisões a mostrar disponibilidade para negociar um OE totalmente novo, que contenha propostas suas. Para quem proclamou que a oposição ao OE era irrevogável, é uma cambalhota monumental, até maior do que a de Paulo Portas há uns anos, também justificada por motivos supostamente patrióticos. No meio disto, quem está mais confortável é Montenegro. Ficou de responder a PNS, mas é improvável que ceda nos termos que o líder do PS pretende. Também é claro que Montenegro não vai abdicar do “não é não” quanto a coligações ou acordos permanentes com Ventura (pontuais é outra loiça). Não é por acaso que tem vindo a governar desde o início distribuindo dinheiro a certas corporações profissionais e patronais, em jeito de pré-campanha. Alia a isso uma postura serena, criando a perceção, que as sondagens têm vindo a confirmar, de ser o político mais responsável. Montenegro sabe que os seus adversários (socialistas e acólitos do Livre, Chega, Liberais, bloquistas, comunistas vermelhos e verdes, e humanistas-animalistas) correm o sério risco de ser penalizados em eleições. É também óbvio que, mesmo minoritário, um governo não pode abdicar de pontos axiomáticos do seu programa. Acresce que a população está farta de ir às urnas e quer estabilidade. É até provável que esteja inclinada a aceitar o desafio de Miguel Sousa Tavares de ir em bloco votar em branco se a convocarem. Um dos que percebeu o quadro logo de início foi novamente Cavaco Silva. Em junho, escreveu, no Expresso, que “a probabilidade de sucesso será muito mais alta no caso de Portugal vir a ter um governo com apoio maioritário na Assembleia da República depois da realização de eleições legislativas, antecipadas ou não”. Acrescentou que um governo minoritário com dificuldades de entendimento com a oposição torna inviável políticas públicas orientadas para o crescimento. Um pouco na mesma linha, António Barreto sintetizava magistralmente no sábado a situação surrealista em que estamos ao escrever, no Público, que “o governo gostaria de fazer, com este OE, tudo quanto a oposição desejaria fazer. E a oposição esforça-se por impedir que o governo faça o que ela gostaria de fazer”. Nem mais! E agora um prognóstico antes do jogo: apesar de tudo, é de crer que haja OE aprovado, embora com acertos substanciais na especialidade. Desde logo porque Pedro Nuno Santos ainda só disse que não viabilizará. Tem, sintomaticamente, evitado dizer que votará contra se as suas condições não forem atendidas, abrindo caminho a uma abstenção. Seria a repetição da abstenção violenta de António José Seguro, um ex-líder socialista moderado que, além de um senhor, foi sempre um patriota.

2. Apesar de fundamental, o nosso OE não pode apagar a indispensável análise do plano Draghi sobre o futuro da competitividade europeia. O projeto é gigantesco e visa relançar o crescimento da Europa comunitária (e não só) face aos Estados Unidos e à China, o que implica a Ásia em geral. Envolveria qualquer coisa como 800 mil milhões de investimento por parte do coletivo europeu, o que é brutal. Em Portugal, tem-se falado superficialmente do relatório e das soluções que implicariam mudanças radicais. Draghi colocou o problema à discussão. Talvez fosse útil o Presidente Marcelo convidar o salvador do euro a vir até cá e participar num Conselho de Estado para explicar a matéria, tal como fez com Christine Lagarde. Convém saber o que nos pode ser imposto.

3. Amadeu Guerra é o novo procurador-geral da República. A escolha de Montenegro e Marcelo não surpreende. Prova que o combate à corrupção política e à lavagem de dinheiro continua a ser uma prioridade. O novo PGR esteve anos à frente do DCIAP, o topo do Ministério Público para esse tipo de crimes. Foi nessa unidade que se investigaram casos como a Operação Marquês, que levou à acusação e detenção de José Sócrates, o qual continua por julgar. Amadeu Guerra será melhor do que Lucília Gago, uma nulidade que deixou tudo em roda livre e deitou um governo maioritário abaixo sem motivo relevante. Basta explicar-se de vez em quando e ser menos cinematográfico. Isto, apesar de no seu tempo e no de Carlos Alexandre no chamado “Ticão” ser esse o prato do dia. Deseja-se menos “Hollywood” e mais resultados em matérias menos mediáticas, envolvendo, por exemplo, a responsabilidade criminal do Estado e dos seus agentes em casos de desleixo. O Ministério Público tem de ser mais do que o coordenador da investigação criminal e das polícias. Deve, por exemplo, levar muito a peito a missão de “assumir a defesa e a promoção dos direitos e interesses das crianças (…) adultos com capacidade diminuída, bem como de outras pessoas especialmente vulneráveis”.

4. Um bom tema de Justiça tem a ver com a notável manchete do Nascer do Sol de sexta-feira. Dizia que a juíza de Santarém que condenou os principais bancos a uma multa gigantesca é sobrinha de Ana Gomes e acrescentava que a comentadora e antiga eurodeputada do PS é fundadora e líder inicial da associação que intentou ações populares contra os bancos e pede 5,5 milhões de euros de indemnizações. Curiosamente, ou talvez não, a notícia foi especialmente ignorada pelos media e classe política.

5. Saiu mais uma sondagem que põe o Almirante Gouveia e Melo no topo das preferências dos portugueses. É importante esclarecer que qualquer militar tem pleno direito de se candidatar a um lugar político. Não pode é fazê-lo enquanto está no ativo. Gouveia e Melo tem sido prudente. Gere aparições sem nunca se comprometer, limitando-se a dizer que não abdica dos seus direitos. Até aqui tudo muito bem. A questão complica-se quando se observa que os portugueses dão vantagem a uma figura sem conhecer o seu pensamento político, até porque estatutariamente não o pode expor. No fundo, estão a apoiar um enigma. Raramente se viu tamanha propensão coletiva para passar um cheque político em branco.

6. A partir da sede da ONU, em Nova Iorque, Netanyahu mandou o exército israelita matar o líder supremo do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em Beirute, cujo reduto estava num prédio onde viviam civis, usados como escudos humanos. O ataque foi o seguimento da destruição maciça do Hamas, em Gaza, onde os terroristas montaram uma gigantesca cidade de túneis. Israel nunca vai abdicar de se defender e de aniquilar os seus inimigos quaisquer que eles sejam e onde quer que estejam. Pensar que Netanyahu está a fazer o que governantes judeus de esquerda ou moderados nunca fariam é absurdo. Ali, joga-se a sobrevivência de um povo e de uma nação democrática, altamente armada para se defender e contra-atacar. Atrás dos radicais palestinianos está o Irão, que estabeleceu um eixo gigantesco de terror teocrático que, fundamentalmente, quer acabar com o Ocidente e a Democracia. Para terem alguma hipótese de constituir uma nação, os palestinianos moderados terão de retomar o controlo da situação, eliminar os extremistas, voltar ao diálogo, aceitar a existência de Israel e deixarem de ser usados e desconsiderados por aqueles que os manipulam para outras guerras.

Orçamento: trocas, baldrocas e engenhocas políticas


O cenário de crise e de novas eleições legislativas mantém-se possível e poderá favorecer Montenegro.


1. Perante as trocas e baldrocas, altas engenhocas, como diriam as Doce, que os nossos políticos têm inventado a propósito do Orçamento do Estado (OE), o Presidente Marcelo fez bem em advertir que a não aprovação das contas vai gerar uma crise. Marcelo não especifica, mas está implícito que a resolução do imbróglio pode passar por novas legislativas que ele, como qualquer cidadão de bom senso, não deseja face à situação interna e ao contexto internacional. Sábado passado, o Presidente pressionou uma solução PS/PSD, lembrando que se não se entenderem quem manda é o terceiro, ou seja, o Chega. Apesar disso, o cenário de não aprovação do OE mantém-se. Na véspera, Pedro Nuno Santos (PNS) mostrou-se intransigente quanto ao IRS Jovem (uma medida duvidosa) e ao IRC (essa, sim, uma proposta indispensável para a direita moderada, embora sejam poucas as empresas portuguesas que apresentem lucros). O radicalismo de PNS é tático e estratégico e Marcelo percebeu-o. Visa pôr o Chega no centro da decisão de viabilizar ou não o OE, sabendo que a Ventura não convém eleições, dando espaço ao PS para ser a única verdadeira oposição. A prova é que o líder do Chega saltou logo para as televisões a mostrar disponibilidade para negociar um OE totalmente novo, que contenha propostas suas. Para quem proclamou que a oposição ao OE era irrevogável, é uma cambalhota monumental, até maior do que a de Paulo Portas há uns anos, também justificada por motivos supostamente patrióticos. No meio disto, quem está mais confortável é Montenegro. Ficou de responder a PNS, mas é improvável que ceda nos termos que o líder do PS pretende. Também é claro que Montenegro não vai abdicar do “não é não” quanto a coligações ou acordos permanentes com Ventura (pontuais é outra loiça). Não é por acaso que tem vindo a governar desde o início distribuindo dinheiro a certas corporações profissionais e patronais, em jeito de pré-campanha. Alia a isso uma postura serena, criando a perceção, que as sondagens têm vindo a confirmar, de ser o político mais responsável. Montenegro sabe que os seus adversários (socialistas e acólitos do Livre, Chega, Liberais, bloquistas, comunistas vermelhos e verdes, e humanistas-animalistas) correm o sério risco de ser penalizados em eleições. É também óbvio que, mesmo minoritário, um governo não pode abdicar de pontos axiomáticos do seu programa. Acresce que a população está farta de ir às urnas e quer estabilidade. É até provável que esteja inclinada a aceitar o desafio de Miguel Sousa Tavares de ir em bloco votar em branco se a convocarem. Um dos que percebeu o quadro logo de início foi novamente Cavaco Silva. Em junho, escreveu, no Expresso, que “a probabilidade de sucesso será muito mais alta no caso de Portugal vir a ter um governo com apoio maioritário na Assembleia da República depois da realização de eleições legislativas, antecipadas ou não”. Acrescentou que um governo minoritário com dificuldades de entendimento com a oposição torna inviável políticas públicas orientadas para o crescimento. Um pouco na mesma linha, António Barreto sintetizava magistralmente no sábado a situação surrealista em que estamos ao escrever, no Público, que “o governo gostaria de fazer, com este OE, tudo quanto a oposição desejaria fazer. E a oposição esforça-se por impedir que o governo faça o que ela gostaria de fazer”. Nem mais! E agora um prognóstico antes do jogo: apesar de tudo, é de crer que haja OE aprovado, embora com acertos substanciais na especialidade. Desde logo porque Pedro Nuno Santos ainda só disse que não viabilizará. Tem, sintomaticamente, evitado dizer que votará contra se as suas condições não forem atendidas, abrindo caminho a uma abstenção. Seria a repetição da abstenção violenta de António José Seguro, um ex-líder socialista moderado que, além de um senhor, foi sempre um patriota.

2. Apesar de fundamental, o nosso OE não pode apagar a indispensável análise do plano Draghi sobre o futuro da competitividade europeia. O projeto é gigantesco e visa relançar o crescimento da Europa comunitária (e não só) face aos Estados Unidos e à China, o que implica a Ásia em geral. Envolveria qualquer coisa como 800 mil milhões de investimento por parte do coletivo europeu, o que é brutal. Em Portugal, tem-se falado superficialmente do relatório e das soluções que implicariam mudanças radicais. Draghi colocou o problema à discussão. Talvez fosse útil o Presidente Marcelo convidar o salvador do euro a vir até cá e participar num Conselho de Estado para explicar a matéria, tal como fez com Christine Lagarde. Convém saber o que nos pode ser imposto.

3. Amadeu Guerra é o novo procurador-geral da República. A escolha de Montenegro e Marcelo não surpreende. Prova que o combate à corrupção política e à lavagem de dinheiro continua a ser uma prioridade. O novo PGR esteve anos à frente do DCIAP, o topo do Ministério Público para esse tipo de crimes. Foi nessa unidade que se investigaram casos como a Operação Marquês, que levou à acusação e detenção de José Sócrates, o qual continua por julgar. Amadeu Guerra será melhor do que Lucília Gago, uma nulidade que deixou tudo em roda livre e deitou um governo maioritário abaixo sem motivo relevante. Basta explicar-se de vez em quando e ser menos cinematográfico. Isto, apesar de no seu tempo e no de Carlos Alexandre no chamado “Ticão” ser esse o prato do dia. Deseja-se menos “Hollywood” e mais resultados em matérias menos mediáticas, envolvendo, por exemplo, a responsabilidade criminal do Estado e dos seus agentes em casos de desleixo. O Ministério Público tem de ser mais do que o coordenador da investigação criminal e das polícias. Deve, por exemplo, levar muito a peito a missão de “assumir a defesa e a promoção dos direitos e interesses das crianças (…) adultos com capacidade diminuída, bem como de outras pessoas especialmente vulneráveis”.

4. Um bom tema de Justiça tem a ver com a notável manchete do Nascer do Sol de sexta-feira. Dizia que a juíza de Santarém que condenou os principais bancos a uma multa gigantesca é sobrinha de Ana Gomes e acrescentava que a comentadora e antiga eurodeputada do PS é fundadora e líder inicial da associação que intentou ações populares contra os bancos e pede 5,5 milhões de euros de indemnizações. Curiosamente, ou talvez não, a notícia foi especialmente ignorada pelos media e classe política.

5. Saiu mais uma sondagem que põe o Almirante Gouveia e Melo no topo das preferências dos portugueses. É importante esclarecer que qualquer militar tem pleno direito de se candidatar a um lugar político. Não pode é fazê-lo enquanto está no ativo. Gouveia e Melo tem sido prudente. Gere aparições sem nunca se comprometer, limitando-se a dizer que não abdica dos seus direitos. Até aqui tudo muito bem. A questão complica-se quando se observa que os portugueses dão vantagem a uma figura sem conhecer o seu pensamento político, até porque estatutariamente não o pode expor. No fundo, estão a apoiar um enigma. Raramente se viu tamanha propensão coletiva para passar um cheque político em branco.

6. A partir da sede da ONU, em Nova Iorque, Netanyahu mandou o exército israelita matar o líder supremo do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em Beirute, cujo reduto estava num prédio onde viviam civis, usados como escudos humanos. O ataque foi o seguimento da destruição maciça do Hamas, em Gaza, onde os terroristas montaram uma gigantesca cidade de túneis. Israel nunca vai abdicar de se defender e de aniquilar os seus inimigos quaisquer que eles sejam e onde quer que estejam. Pensar que Netanyahu está a fazer o que governantes judeus de esquerda ou moderados nunca fariam é absurdo. Ali, joga-se a sobrevivência de um povo e de uma nação democrática, altamente armada para se defender e contra-atacar. Atrás dos radicais palestinianos está o Irão, que estabeleceu um eixo gigantesco de terror teocrático que, fundamentalmente, quer acabar com o Ocidente e a Democracia. Para terem alguma hipótese de constituir uma nação, os palestinianos moderados terão de retomar o controlo da situação, eliminar os extremistas, voltar ao diálogo, aceitar a existência de Israel e deixarem de ser usados e desconsiderados por aqueles que os manipulam para outras guerras.