Nota prévia: Na sua obra imortal, Édmond Rostand atribui a Cyrano de Bergerac a frase “c’est bien plus beau lorsque c’est inutile” (é bem mais belo quando é inútil). São palavras que se aplicam na perfeição à tirada do nosso ministro Nuno Melo sobre a indiscutível questão de Olivença ser Portugal. É isso que os tratados consagram. É isso que Portugal reclama baixinho há duzentos e tal anos. E é isso que a Espanha ignora olimpicamente. Há coisas sem solução, enquanto não houver uma revolução planetária, salvo quando mete a Rússia. O enorme pedregulho que dá pelo nome de Gibraltar é britânico, Ceuta e Melilla são Espanha. Já Portugal considera suas as Ilhas Desertas, coisa que o governo de Madrid não aceita, até por causa da respetiva zona económica exclusiva que proporcionam e, sobretudo, da proximidade das Canárias. Nuno Melo fez tropa (o que é uma raridade para um ministro da Defesa de hoje) no Alentejo, não longe de Olivença. A afirmação do garboso Ministro da Defesa Nacional foi inútil, mas foi bonita. Surgiu-lhe, supõe-se, em resposta a uma pergunta de jornalista. No meio disto, uma coisa é certa: o povo de Olivença mantém-se específico, pacífico e a polémica dá-lhe visibilidade e turistas.
1. Não sabem nem quando nem porquê, mas os portugueses mais atentos estão cientes que futuramente voltarão a ser surpreendidos por mais uma série de coisas inesperadas. É já uma tradição. Tanto faz ser uma evasão, um motim a bordo de um navio de guerra meio avariado, o colapso de uma estrada ladeada de pedreiras de mármore, a falência fraudulenta de um banco ou a história de uma grávida que bata o recorde de distância numa ambulância em emergência, ultrapassando os quatrocentos quilómetros estabelecidos na semana passada. Também pode ser a queda de mais um helicóptero, explicada por um relatório preliminar feito à pressão em poucas horas como se fosse verdade absoluta. Somos um país com tantas fragilidades que uma falha total é em regra o resultado acumulado da desorganização do Estado, da sua dimensão tentacular, da burocracia e, reconheça-se, da falta de zelo e de competência política e técnica que leva à decomposição. Mas há outro facto incontroverso. Cada vez que se dá um mega caso mediático surgem cidadãos a dizer que estava na cara e que a coisa era inevitável. Em parte, é sinal de que a cidadania e a comunicação social estão aquém do exigível. Todas as semanas se sabe de atrocidades e barbaridades criminosas cometidas sobre crianças, mulheres, velhos indefesos e animais. Há também uma evidência de que a criminalidade violenta e organizada está a crescer. Na maioria dos casos, as situações deviam ter sido evitadas pelas diversas autoridades e pela consciência cívica. Um dos maiores horrores dos últimos anos deu-se em Setúbal com o assassinato e tortura da menina Jéssica por uma família de bárbaros, a quem uma mãe absolutamente desnaturada entregou a criança, perante a inoperacionalidade das instituições sociais. Quem nos garante que casos tão graves e mediáticos como o da Jéssica ou o de Alcoentre não possam suceder amanhã, seja em que área for? A resposta é simples: ninguém. O nosso Estado pouco mais é do que um cobrador de impostos e um cuidador de si próprio. A melhor das poucas exceções é o Serviço Nacional de Saúde e, mesmo assim, só desde que alguém fez a respetiva lei de bases, no final dos idos anos 80. Sem esse instrumento legislativo não havia a complementaridade que existe e permite que muitos dos tratamentos e sobretudo dos diagnósticos sejam feitos com eficácia no setor privado.
2. Uma das coisas que o Governo da AD deve perceber é que não vai beneficiar mais tempo de um certo beneplácito relativamente aos problemas que vão surgindo. O período de tolerância para Montenegro é incomparavelmente menor do que foi para o PS de António Costa (onde Pedro Nuno Santos também era preponderante), que passou oito anos (e ainda passa) a falar dos tempos do passismo e até do cavaquismo, em vez de governar. Além dos ataques oriundos de todos os quadrantes políticos, o Governo atual também não pode contar com a compreensão de uma comunicação social que tem um claro pendor de esquerda e que, quando não o tem, se afirma muito próxima do neoliberalismo económico. A incerteza política em que vivemos exige do governo medidas concretas em muitos setores, não se limitando a substituir gestores e diretores-gerais num carrossel sem grande sentido, a pretexto de dar uma nova orientação política. É verdade que o aparelho de Estado foi tomado pelo do PS ao longo de muitos anos, até antes do costismo. Mas também é um facto que o que se tem visto mais parece uma dança de cadeiras do que uma política reformista, como as que estão na tradição social-democrata europeia, da qual o PSD se vai distanciando.
3. Apesar do que fica dito, há situações em que os responsáveis políticos ainda podem contar com as circunstâncias para se justificar. Foi o que sucedeu à ministra da Justiça. Rita Júdice percebeu que há um tempo para falar sobre uma fuga espetacular de uma cadeia de alta segurança que é diferente daquele em que os alertas são dados para tentar capturar os fugitivos. Fez, portanto, muito bem em não confundir os momentos e esperar três dias até vir a público. Simplesmente, falar mais tarde para dizer o que qualquer cidadão medianamente informado já sabe não é nada. E é duvidoso que as substituições a que procedeu no aparelho penitenciário resolvam o que quer que seja, a não ser a duplicação dos “visionadores” de monitores na cadeia de Alcoentre que, espetacularmente, passaram de um para dois para duzentos ecrãs. Grande medida! Mais parece uma anedota. O que a ministra devia ter explicado é o motivo pelo qual o sistema de segurança que dá pelo nome de SIRESP, e que tem gerado confusão e controvérsia regularmente desde há um quarto de século devido a centenas de falhas, não foi ativado. A isso acresce a circunstância denunciada por um jornal diário de que os guardas prisionais nunca tiveram formação para lidar com esse sistema de comunicação de Estado. É um mistério que já foi falado, investigado, discutido e que mais uma vez falhou num momento crucial. Já se sucederam governos do PS e do PSD. E tudo mesma como a lesma.
4. A ida de Lucília Gago ao parlamento serviu para confirmar que se tratou de uma má escolha. O foco está agora na escolha de quem lhe sucede na Procuradoria-Geral da República. O assunto é conversado entre Luís Montenegro e o Governo, que propõem, e o Presidente, a quem cabe nomear. Parece que Montenegro não se descose e que Marcelo prefere alguém experiente, vindo de uma das magistraturas. Nada obriga a isso. O desejável é que seja alguém de bom senso, capaz de se fazer respeitar e de se impor. Talvez um grande académico fizesse diferente daquilo a que nos habituaram, sem grande proveito para a Justiça.
5. Notícias recentes dão conta de que há fundos internacionais que apostam na construção e oferta de alojamento para estudantes universitários. Temos cerca de 180 mil estudantes deslocados e o Estado apenas consegue solução para 9% da necessidade. Nos últimos anos pouco ou nada se fez. Essa evidência está exposta na degradação terceiro-mundista do gigantesco edifício da 5 de Outubro, em Lisboa, que albergou o ministério da Educação. O projeto de residências estudantis estatal para ali previsto está parado há oito anos, fruto de discordâncias entre o governo anterior e a Câmara de Lisboa. A construção e exploração de alojamento a estudantes é um nicho atraente para fundos de investimento. Pelo que se vê, é desejável que o Estado dele se afaste. Compete-lhe, sim, despachar licenças, vigiar a obra e apoiar os estudantes, em função das necessidades de cada um, sem esquecer o aproveitamento académico.
6. Já se deu o grande debate Kamala/Trump. Os moderados ocidentais e democratas consideram que Kamala venceu. Os americanos estão muito divididos. Por cá, era interessante saber se Hugo Soares, o influente secretario-geral do PSD, se sentiu esclarecido e em quem votaria, coisa que há duas semanas não conseguiu dizer.