O caso Centeno


Tirar Mário Centeno de governador do Banco de Portugal é atirá-lo definitivamente para a política.


Nota prévia: Foi há um ano que Lisboa recebeu triunfalmente as jornadas da Juventude e o Papa Francisco. Foi lindo! Foi inesquecível! Encheu-nos o ego! Levou a imagem de Portugal ao mundo. Mobilizámo-nos para receber bem. Criámos o Parque Tejo e Trancão, limpando uma vasta zona contaminada. Hoje, não sabemos exatamente o que fazer com ela. Serviu só para o Rock in Rio. Carlos Moedas mantém-se firme em negar que vá ali nascer uma cidade de betão, mas há poucos sinais de que a área verde esteja a desenvolver-se da forma esperada. É preciso atuar para evitar uma investida de patos-bravos ao jeito do que aconteceu no espaço da Expo-98, ali mesmo ao lado.

1. Mário Centeno fez saber que está a trabalhar afincadamente, como governador do Banco de Portugal, com vários propósitos, um dos quais é a sua recondução no cargo. Não admira! Desde logo porque a função é de alto prestígio e permite um ordenado indecoroso, ao ponto de ultrapassar o do presidente da Reserva Federal Americana. Falando ao Expresso, Centeno diz outras coisas de interesse relativo, mas o recado fundamental é esse. Mantê-lo ou não depende apenas do Governo. Tirá-lo é fazer dele um saneado e torná-lo num potencial candidato a Belém, com a imprevisibilidade que isso comporta, até porque o ex-ministro das finanças aparece bem situado nas sondagens. Centeno saiu do governo para o Banco de Portugal com boa imagem, apesar da transição ser eticamente condenável. Foi também o nome apontado por António Costa para lhe suceder, se Marcelo não optasse por eleições antecipadas. Haverá sempre que contar com ele para qualquer coisa na política e ele não hesitará em avançar se lhe tirarem a cadeira de sonho.

2. A existência de alegados cartéis para fixação de preços na sociedade portuguesa voltou a ser notícia nos últimos dias a propósito de supostos casos passados com a banca (por concertação e troca de informações sobre taxas de empréstimos e spreads) e laboratórios (por suspeitas de acordos praticados durante a epidemia de Covid). Ver-se-á com o tempo e as eventuais decisões judiciais o desenlace destes casos. É mais uma matéria que vai levar anos. Porém, uma coisa é certa: em Portugal basta andar numa autoestrada e ver o preço dos combustíveis ou entrar em dois ou três hipermercados num curto espaço de tempo para verificar que, se não há cartel, há pelo menos telepatia, o que nos torna uns seres absolutamente excecionais. Concorrência a sério por cá só mesmo entre a McDonald’s e a Burger King.

3. O Presidente da República fez saber que só decide se vai ou não depor perante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso da gémeas (portuguesas naturais) no final dos trabalhos, possivelmente no outono. Fez bem, até porque não há nenhuma entidade política perante a qual tenha de prestar contas. Muito do que se passou na CPI até agora tem visado o achincalhamento do presidente, sobretudo por parte do Chega (mas não só) que convocou a CPI através do direito potestativo. Ora, até ver, não se pode assinalar qualquer violação ético-legal dos deveres do chefe de Estado. Pelo contrário, resulta até que Marcelo foi rigoroso no encaminhamento do processo. A existirem, as falhas éticas estão do lado do seu filho, dos responsáveis políticos da saúde no governo Costa e nos médicos. Concretamente, é sobretudo preciso esclarecer a passagem dos encargos dos tratamentos de uma seguradora para o Estado português e ver se Ventura vai explorar o caso até à exaustão na busca de eventuais dividendos. Tirando isso, a CPI já deu. Mesmo assim, será curioso ver se Marta Temido, com o seu ar angelical, assumirá perante a comissão a sua responsabilidade política como ex-ministra da Saúde ou se deixa agarrado o seu secretário de Estado-adjunto, Lacerda Sales.

4. Até os comunistas venezuelanos condenaram a posição radical de apoio do PCP à fraude de Maduro nas eleições. É desumano o fanatismo dos comunistas portugueses. Estão sempre prontos a apoiar tiranos supostamente de esquerda e regimes ditatoriais ou teocráticos, desde que antiamericanos e antiocidentais. Não admira que caminhem para a extinção. Olhando para 1975, temos que agradecer cada vez mais a Mário Soares e aos militares que souberam travar a deriva do PREC que o PCP incentivava, mas da qual se retirou à última hora, quando percebeu que ia perder. Mudou por mero oportunismo. A admiração pelas tiranias está no ADN dos nossos comunistas. Disfarçam bem e até são simpáticos, mas, há 50 anos, os portugueses estiveram à beira sofrer no corpo o ditado “se queres conhecer o vilão, põe-lhe o pau na mão”. Apesar disso, a democracia liberal exige-nos que aceitemos a existência legal de partidos antidemocráticos, até para que se veja os absurdos que eles defendem. No entanto, não se pode pactuar com o branqueamento da história que tenta ocultar que o comunismo é o movimento político que mais gente matou em cem anos.

5. Em poucos dias, Israel matou quatro dirigentes palestinianos. Cumpriu a tradição de vingança preconizada pela religião judaica. Uma das vítimas foi o líder do Hamas, Haniyeh, que estava em Teerão para assistir à tomada de posse do novo presidente do país. Outro dos dirigentes abatidos era do Hezbollah e vivia no Líbano. Além destas ações de grande efeito, Israel continua a retaliar o ataque terrorista de 7 de outubro com bombardeamentos sobre Gaza e outros territórios, não hesitando em matar os civis usados como escudos humanos. As retaliações israelitas mostram que o país mantém as suas capacidades de espionagem e de reação, o que coloca ainda mais interrogações sobre como foi possível terem sido apanhados desprevenidos em outubro. Não admira que tenham surgido teorias da conspiração. A mais benigna de todas é que Netanyahu deixou andar para gerar uma guerra, a fim de se safar de graves problemas judiciais. A situação no Médio Oriente e no mundo islâmico é novamente explosiva. Israel tem de perceber que a política de eliminação sucessiva dos líderes inimigos não leva a nada. Em conflitos que envolvem a sobrevivência e as crenças de povos (caso das guerras coloniais), quando uns caem, logo outros se levantam e tomam os seus lugares. Causas que movimentam milhões por questões de identidade nunca perdem, mesmo que o resultado depois seja dramaticamente negativo, como se vê nos PALOP. Israel sabe bem que o último assassinato com sucesso sequencial foi o de Bin Laden. Mesmo assim ainda há resquícios perigosos da Al-Qaeda.

6. Embora ainda estejam em curso os Jogos Olímpicos, a presença portuguesa já permite reflexão. Como aqui se disse, o facto de um atleta se qualificar para lá estar é logo uma prova inequívoca de qualidade individual, seja qual for o resultado. Outra coisa é medir o coletivo. Aí, a capacidade tem de ser vista pelas presenças em finais, meias finais e provas de qualificação. Ora, quando se compara os resultados de Portugal com países da União Europeia com população sensivelmente igual, o nosso atraso é significativo. Esta diferença não se limita ao desporto e tende a acentuar-se, desde logo na economia e na organização do Estado. Acontece também em muitas outras áreas, da ciência à cultura. 50 anos depois do 25 de Abril, não temos uma educação virada para a prática desportiva, nem criámos as infraestruturas básicas ao nível escolar. Há as exceções do judo e da canoagem, nas quais até se pode falar de escolas portuguesas. Mas, em regra, somos também periféricos no desporto. Mesmo que conquistemos três ou quatro medalhas entre até ao fim dos jogos, esta é a realidade. O desporto federado de competição é um gosto que se ganha a partir da Educação e que requer investimento, planeamento e equipamentos. Basta olhar para o exemplo do lado. A Espanha produziu uma legião de campeões dezenas de vezes maior do que nós numa enorme quantidade de disciplinas. Veja-se o ténis e o golfe. Isto, tendo uma população só cinco vezes superior à nossa. É obra!

O caso Centeno


Tirar Mário Centeno de governador do Banco de Portugal é atirá-lo definitivamente para a política.


Nota prévia: Foi há um ano que Lisboa recebeu triunfalmente as jornadas da Juventude e o Papa Francisco. Foi lindo! Foi inesquecível! Encheu-nos o ego! Levou a imagem de Portugal ao mundo. Mobilizámo-nos para receber bem. Criámos o Parque Tejo e Trancão, limpando uma vasta zona contaminada. Hoje, não sabemos exatamente o que fazer com ela. Serviu só para o Rock in Rio. Carlos Moedas mantém-se firme em negar que vá ali nascer uma cidade de betão, mas há poucos sinais de que a área verde esteja a desenvolver-se da forma esperada. É preciso atuar para evitar uma investida de patos-bravos ao jeito do que aconteceu no espaço da Expo-98, ali mesmo ao lado.

1. Mário Centeno fez saber que está a trabalhar afincadamente, como governador do Banco de Portugal, com vários propósitos, um dos quais é a sua recondução no cargo. Não admira! Desde logo porque a função é de alto prestígio e permite um ordenado indecoroso, ao ponto de ultrapassar o do presidente da Reserva Federal Americana. Falando ao Expresso, Centeno diz outras coisas de interesse relativo, mas o recado fundamental é esse. Mantê-lo ou não depende apenas do Governo. Tirá-lo é fazer dele um saneado e torná-lo num potencial candidato a Belém, com a imprevisibilidade que isso comporta, até porque o ex-ministro das finanças aparece bem situado nas sondagens. Centeno saiu do governo para o Banco de Portugal com boa imagem, apesar da transição ser eticamente condenável. Foi também o nome apontado por António Costa para lhe suceder, se Marcelo não optasse por eleições antecipadas. Haverá sempre que contar com ele para qualquer coisa na política e ele não hesitará em avançar se lhe tirarem a cadeira de sonho.

2. A existência de alegados cartéis para fixação de preços na sociedade portuguesa voltou a ser notícia nos últimos dias a propósito de supostos casos passados com a banca (por concertação e troca de informações sobre taxas de empréstimos e spreads) e laboratórios (por suspeitas de acordos praticados durante a epidemia de Covid). Ver-se-á com o tempo e as eventuais decisões judiciais o desenlace destes casos. É mais uma matéria que vai levar anos. Porém, uma coisa é certa: em Portugal basta andar numa autoestrada e ver o preço dos combustíveis ou entrar em dois ou três hipermercados num curto espaço de tempo para verificar que, se não há cartel, há pelo menos telepatia, o que nos torna uns seres absolutamente excecionais. Concorrência a sério por cá só mesmo entre a McDonald’s e a Burger King.

3. O Presidente da República fez saber que só decide se vai ou não depor perante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso da gémeas (portuguesas naturais) no final dos trabalhos, possivelmente no outono. Fez bem, até porque não há nenhuma entidade política perante a qual tenha de prestar contas. Muito do que se passou na CPI até agora tem visado o achincalhamento do presidente, sobretudo por parte do Chega (mas não só) que convocou a CPI através do direito potestativo. Ora, até ver, não se pode assinalar qualquer violação ético-legal dos deveres do chefe de Estado. Pelo contrário, resulta até que Marcelo foi rigoroso no encaminhamento do processo. A existirem, as falhas éticas estão do lado do seu filho, dos responsáveis políticos da saúde no governo Costa e nos médicos. Concretamente, é sobretudo preciso esclarecer a passagem dos encargos dos tratamentos de uma seguradora para o Estado português e ver se Ventura vai explorar o caso até à exaustão na busca de eventuais dividendos. Tirando isso, a CPI já deu. Mesmo assim, será curioso ver se Marta Temido, com o seu ar angelical, assumirá perante a comissão a sua responsabilidade política como ex-ministra da Saúde ou se deixa agarrado o seu secretário de Estado-adjunto, Lacerda Sales.

4. Até os comunistas venezuelanos condenaram a posição radical de apoio do PCP à fraude de Maduro nas eleições. É desumano o fanatismo dos comunistas portugueses. Estão sempre prontos a apoiar tiranos supostamente de esquerda e regimes ditatoriais ou teocráticos, desde que antiamericanos e antiocidentais. Não admira que caminhem para a extinção. Olhando para 1975, temos que agradecer cada vez mais a Mário Soares e aos militares que souberam travar a deriva do PREC que o PCP incentivava, mas da qual se retirou à última hora, quando percebeu que ia perder. Mudou por mero oportunismo. A admiração pelas tiranias está no ADN dos nossos comunistas. Disfarçam bem e até são simpáticos, mas, há 50 anos, os portugueses estiveram à beira sofrer no corpo o ditado “se queres conhecer o vilão, põe-lhe o pau na mão”. Apesar disso, a democracia liberal exige-nos que aceitemos a existência legal de partidos antidemocráticos, até para que se veja os absurdos que eles defendem. No entanto, não se pode pactuar com o branqueamento da história que tenta ocultar que o comunismo é o movimento político que mais gente matou em cem anos.

5. Em poucos dias, Israel matou quatro dirigentes palestinianos. Cumpriu a tradição de vingança preconizada pela religião judaica. Uma das vítimas foi o líder do Hamas, Haniyeh, que estava em Teerão para assistir à tomada de posse do novo presidente do país. Outro dos dirigentes abatidos era do Hezbollah e vivia no Líbano. Além destas ações de grande efeito, Israel continua a retaliar o ataque terrorista de 7 de outubro com bombardeamentos sobre Gaza e outros territórios, não hesitando em matar os civis usados como escudos humanos. As retaliações israelitas mostram que o país mantém as suas capacidades de espionagem e de reação, o que coloca ainda mais interrogações sobre como foi possível terem sido apanhados desprevenidos em outubro. Não admira que tenham surgido teorias da conspiração. A mais benigna de todas é que Netanyahu deixou andar para gerar uma guerra, a fim de se safar de graves problemas judiciais. A situação no Médio Oriente e no mundo islâmico é novamente explosiva. Israel tem de perceber que a política de eliminação sucessiva dos líderes inimigos não leva a nada. Em conflitos que envolvem a sobrevivência e as crenças de povos (caso das guerras coloniais), quando uns caem, logo outros se levantam e tomam os seus lugares. Causas que movimentam milhões por questões de identidade nunca perdem, mesmo que o resultado depois seja dramaticamente negativo, como se vê nos PALOP. Israel sabe bem que o último assassinato com sucesso sequencial foi o de Bin Laden. Mesmo assim ainda há resquícios perigosos da Al-Qaeda.

6. Embora ainda estejam em curso os Jogos Olímpicos, a presença portuguesa já permite reflexão. Como aqui se disse, o facto de um atleta se qualificar para lá estar é logo uma prova inequívoca de qualidade individual, seja qual for o resultado. Outra coisa é medir o coletivo. Aí, a capacidade tem de ser vista pelas presenças em finais, meias finais e provas de qualificação. Ora, quando se compara os resultados de Portugal com países da União Europeia com população sensivelmente igual, o nosso atraso é significativo. Esta diferença não se limita ao desporto e tende a acentuar-se, desde logo na economia e na organização do Estado. Acontece também em muitas outras áreas, da ciência à cultura. 50 anos depois do 25 de Abril, não temos uma educação virada para a prática desportiva, nem criámos as infraestruturas básicas ao nível escolar. Há as exceções do judo e da canoagem, nas quais até se pode falar de escolas portuguesas. Mas, em regra, somos também periféricos no desporto. Mesmo que conquistemos três ou quatro medalhas entre até ao fim dos jogos, esta é a realidade. O desporto federado de competição é um gosto que se ganha a partir da Educação e que requer investimento, planeamento e equipamentos. Basta olhar para o exemplo do lado. A Espanha produziu uma legião de campeões dezenas de vezes maior do que nós numa enorme quantidade de disciplinas. Veja-se o ténis e o golfe. Isto, tendo uma população só cinco vezes superior à nossa. É obra!