O duplo jackpot de Trump


Em poucos dias a vitória de Trump nas presidenciais passou de possível a mais que provável.


1. Em poucos dias, Donald Trump passou de possível a mais que provável vencedor da corrida à presidência americana, função de onde Biden o desalojou. Num ápice, Trump, ganhou dois jackpots. Desde logo, o falhanço por milímetros do atentado, deixando apenas uma leve ferida na orelha e uma fotografia icónica, que o glorifica. Neste domingo, dez dias depois, veio a desistência de Joe Biden. O atual presidente não aguentou a pressão de influentes correligionários e da imprensa, face aos seus sucessivos erros cognitivos que tiveram expressão máxima num patético debate com Trump. A máquina do candidato republicano soube aproveitar magistralmente todos os momentos, enquanto a do democrata se desfazia. A desistência de Biden estava em cima da mesa, mas parece só ter sido decidida depois de Obama o ter deixado cair, tal como o fez quando preferiu Hillary Clinton para candidata. Recentemente, Trump beneficiou ainda da sentença de uma juíza do Supremo Tribunal (por ele nomeada) que decidiu que os atos de um Presidente americano não são suscetíveis de ser julgados, o que arquiva (provisoriamente) a sua responsabilidade no assalto ao Capitólio. Em teoria, Kamala Harris deve suceder a Biden como candidata. A vice-presidente é tida como politicamente fraca, com carisma limitado, mas tem notoriedade nacional, ao contrário de alguns dos seus presumíveis rivais. Kamala conta com o aval de Biden e agrega o eleitorado feminino, devido à sua luta pelo direito ao aborto. Logo que se soube da desistência, Kamala lançou-se na corrida e desenvolveu contactos junto dos participantes da convenção democrata que se reúne em agosto. O megaencontro serve para tomar uma decisão final, sendo possível que seja aberta a disputa da investidura na qual parte favorita, até porque a transição para ela dos fundos já doados é praticamente automático, o que não é o caso para outro nomeado. Ainda assim nada é certo e a circunstância de um candidato democrata não resultar de uma escolha em primárias será sempre um handicap. Mesmo que estes optem por uma figura mais carismática do que a atual vice, será sempre uma corrida dificílima num país onde poucos são conhecidos nacionalmente. Um aspeto importante para as aspirações de Kamala terá a ver com a personalidade escolhida para sua vice-presidente. Tem de ser alguém que agarre um segmento eleitoral significativo, o que exige ponderação. Nos próximos dias, Trump não hesitará em disparar contra todos os eventuais adversários, focando-se especialmente em Kamala. Utilizará a habitual linguagem reles de ataque pessoal que o celebrizou e que entusiasma boa parte dos americanos. Além de Trump, o vencedor dos últimos dias é Putin. No Kremlin houve festa de certeza.

2. Com Paris e parte da França em estado de sítio, vão começar os Jogos Olímpicos. As medidas de alta segurança não são uma novidade, pelo menos desde os jogos de 1972, quando terroristas palestinianos fizeram reféns e mataram atletas israelitas. Destinados a celebrar a paz e a concórdia através do desporto, os JO da era moderna iniciaram-se em 1896 sem que nunca a Humanidade deixasse de ser cruel e violenta. Sucederam-se conflitos de todo o tipo e duas guerras mundiais, com milhões de mortes. Nada indica que durante estes JO haja qualquer tipo de tréguas na frente russo-ucraniana ou na guerra Israel-Hamas. Já será positivo se a Cidade Luz e a França, a braços com um governo demissionário e uma confusão política tremenda, não se tornarem palco de uma guerrilha urbana, organizada por marginais. O lado fabuloso será a encenação e a superação dos competidores que, na sua maioria profissionalizados, fazem marcas impensáveis. Os JO valem pelo espetáculo ao vivo e mediático. A ideia de que “o importante é participar” vai longe. Portugal leva uma boa comitiva. Traga ou não medalhas, os que a integram são seres excecionais.

3. A reeleição de von der Leyen para dirigir a Comissão Europeia mantém a prevalência da estabilidade e do bom senso. A presidente reconfirmada recebeu mais votos do que na primeira candidatura, por via de acordos feitos à direita e à esquerda. Serviu também para confirmar António Costa como presidente do Conselho Europeu, uma função talhada para a sua capacidade de negociador. A UE precisava deste sinal de firmeza moderada, numa altura em que se antevê uma eleição de Trump e que o eixo Moscovo-Pequim intensifica, mundo fora, as suas políticas antidemocráticas, comprando ditadores, gerando guerras e conflitos para fragilizar o Ocidente. É isto que está em causa, por mais que os idiotas úteis (ou pagos?) se encham de teorias, atribuindo às democracias a vontade belicista.

4. O gigantesco apagão informático iniciado na passada sexta-feira foi aparentemente o resultado de um ato falhado para reforçar a segurança de um sistema global. Parece uma desculpa esfarrapada inventada por um gestor de crises, embora possa ser verdade. Seja lá o que tenha sido, prova que quase tudo na vida moderna depende da informática e da telemática. Não interessa se é bom ou mau. É assim, e vai continuar a ser. Na cabeça podemos ser e ter tudo. Fora dela, no quotidiano, somos pixeis, algoritmos, gigabits, megabits e sabe-se lá mais o quê. Há uma consolação: a Inteligência Artificial não serve para tudo e não elimina o erro humano e/ou a sabotagem

5. Por cá, o debate do Estado da Nação confirmou que Ela não está nada bem e que o governo tem vontade de a tratar sem ser de forma virtual, como fez o PS. Existe uma clara tendência para o Orçamento 2025 passar porque PS e Chega não querem eleições, face a um Montenegro em crescendo. É verosímil um quadro de potencial estabilidade, só alterável se o PS e o Chega esticarem a corda e puserem o parlamento a aprovar medidas que contrariem em absoluto o programa do governo. Encontrar um ponto de equilíbrio que permita aos três maiores partidos uma postura aceitável para o respetivo eleitorado é uma questão de afinação sub-reptícia entre todos. A política é uma teia de acordos e de perceções. A estabilidade e o desejável equilíbrio orçamental ficam também dependentes das negociações na Concertação Social e da discreta, mas fundamental, movimentação nos bastidores de um Presidente Marcelo, em nítida recuperação anímica. A economia tem de gerar receitas para o que está prometido e, simultaneamente, cumprir os deveres do Estado. Tal só é possível se houver mesmo um corte de custos inúteis. Uma verdadeira quadratura do círculo.

6. Com o seu habitual sectarismo bárbaro, o Bloco de Esquerda anunciou logo que vota contra o próximo Orçamento, mesmo sem conhecer um único dos seus números. É esta intolerância que tem levado a amálgama esquerdista a perder sucessivas eleições e a depender da parasitagem do PS para existir.

7. Um dos indícios de que os partidos estão mais virados para a manutenção do governo do que para uma crise e legislativas antecipadas tem a ver com as autárquicas. Os últimos dias trouxeram a novidade, através da manchete do Nascer do SOL, de que os socialistas ponderam o nome do ex-ministro Siza Vieira (um independente) para candidato a Lisboa, uma vez que Duarte Cordeiro está indisponível, enquanto o Ministério Público não esclarecer se há algo pendente contra ele. Siza é um nome forte. Advogado de sucesso, entraria bem num eleitorado conservador de Lisboa, cansado de viver no caos urbano da capital. Lisboa, Porto e umas poucas capitais de distrito são decisivas em autárquicas. É nelas que se medem as vitórias e derrotas. Os resultados nacionais, esses, são ignorados pela opinião pública, interessando fundamentalmente aos analistas e politólogos.

8. Seguindo os sobressaltados mercados, que veneram, os principais dirigentes da Iniciativa Liberal (IL) passam a vida a medir o valor de cada um na bolsa dos investidores no partido. As clivagens sucedem-se. O ritmo ultrapassa o do PSD, o que é difícil. Este fim de semana, Mayan Gonçalves confirmou que vai disputar a controversa liderança de Rui Rocha. É sempre possível uma surpresa, embora Rocha seja favorito. Porém, a maior probabilidade é de, a prazo, ser Luís Montenegro a ganhar, ao alargar a AD à IL, reforçando o centro-direita moderado.

9. Mesmo considerando as razões da proposta, a ideia de fechar o comercio ao domingo é absurda. Há coisas sem retorno. Espanha, França e mais alguns rejeitaram a abertura diária. Cá, avançámos em força. O hábito está criado. Voltar atrás poria em causa postos de trabalho, atirando muita gente para o desemprego. Lojas abertas largas horas toda a semana é mais uma especificidade portuguesa. Como o pastel de nata. Vivamos com isso!

O duplo jackpot de Trump


Em poucos dias a vitória de Trump nas presidenciais passou de possível a mais que provável.


1. Em poucos dias, Donald Trump passou de possível a mais que provável vencedor da corrida à presidência americana, função de onde Biden o desalojou. Num ápice, Trump, ganhou dois jackpots. Desde logo, o falhanço por milímetros do atentado, deixando apenas uma leve ferida na orelha e uma fotografia icónica, que o glorifica. Neste domingo, dez dias depois, veio a desistência de Joe Biden. O atual presidente não aguentou a pressão de influentes correligionários e da imprensa, face aos seus sucessivos erros cognitivos que tiveram expressão máxima num patético debate com Trump. A máquina do candidato republicano soube aproveitar magistralmente todos os momentos, enquanto a do democrata se desfazia. A desistência de Biden estava em cima da mesa, mas parece só ter sido decidida depois de Obama o ter deixado cair, tal como o fez quando preferiu Hillary Clinton para candidata. Recentemente, Trump beneficiou ainda da sentença de uma juíza do Supremo Tribunal (por ele nomeada) que decidiu que os atos de um Presidente americano não são suscetíveis de ser julgados, o que arquiva (provisoriamente) a sua responsabilidade no assalto ao Capitólio. Em teoria, Kamala Harris deve suceder a Biden como candidata. A vice-presidente é tida como politicamente fraca, com carisma limitado, mas tem notoriedade nacional, ao contrário de alguns dos seus presumíveis rivais. Kamala conta com o aval de Biden e agrega o eleitorado feminino, devido à sua luta pelo direito ao aborto. Logo que se soube da desistência, Kamala lançou-se na corrida e desenvolveu contactos junto dos participantes da convenção democrata que se reúne em agosto. O megaencontro serve para tomar uma decisão final, sendo possível que seja aberta a disputa da investidura na qual parte favorita, até porque a transição para ela dos fundos já doados é praticamente automático, o que não é o caso para outro nomeado. Ainda assim nada é certo e a circunstância de um candidato democrata não resultar de uma escolha em primárias será sempre um handicap. Mesmo que estes optem por uma figura mais carismática do que a atual vice, será sempre uma corrida dificílima num país onde poucos são conhecidos nacionalmente. Um aspeto importante para as aspirações de Kamala terá a ver com a personalidade escolhida para sua vice-presidente. Tem de ser alguém que agarre um segmento eleitoral significativo, o que exige ponderação. Nos próximos dias, Trump não hesitará em disparar contra todos os eventuais adversários, focando-se especialmente em Kamala. Utilizará a habitual linguagem reles de ataque pessoal que o celebrizou e que entusiasma boa parte dos americanos. Além de Trump, o vencedor dos últimos dias é Putin. No Kremlin houve festa de certeza.

2. Com Paris e parte da França em estado de sítio, vão começar os Jogos Olímpicos. As medidas de alta segurança não são uma novidade, pelo menos desde os jogos de 1972, quando terroristas palestinianos fizeram reféns e mataram atletas israelitas. Destinados a celebrar a paz e a concórdia através do desporto, os JO da era moderna iniciaram-se em 1896 sem que nunca a Humanidade deixasse de ser cruel e violenta. Sucederam-se conflitos de todo o tipo e duas guerras mundiais, com milhões de mortes. Nada indica que durante estes JO haja qualquer tipo de tréguas na frente russo-ucraniana ou na guerra Israel-Hamas. Já será positivo se a Cidade Luz e a França, a braços com um governo demissionário e uma confusão política tremenda, não se tornarem palco de uma guerrilha urbana, organizada por marginais. O lado fabuloso será a encenação e a superação dos competidores que, na sua maioria profissionalizados, fazem marcas impensáveis. Os JO valem pelo espetáculo ao vivo e mediático. A ideia de que “o importante é participar” vai longe. Portugal leva uma boa comitiva. Traga ou não medalhas, os que a integram são seres excecionais.

3. A reeleição de von der Leyen para dirigir a Comissão Europeia mantém a prevalência da estabilidade e do bom senso. A presidente reconfirmada recebeu mais votos do que na primeira candidatura, por via de acordos feitos à direita e à esquerda. Serviu também para confirmar António Costa como presidente do Conselho Europeu, uma função talhada para a sua capacidade de negociador. A UE precisava deste sinal de firmeza moderada, numa altura em que se antevê uma eleição de Trump e que o eixo Moscovo-Pequim intensifica, mundo fora, as suas políticas antidemocráticas, comprando ditadores, gerando guerras e conflitos para fragilizar o Ocidente. É isto que está em causa, por mais que os idiotas úteis (ou pagos?) se encham de teorias, atribuindo às democracias a vontade belicista.

4. O gigantesco apagão informático iniciado na passada sexta-feira foi aparentemente o resultado de um ato falhado para reforçar a segurança de um sistema global. Parece uma desculpa esfarrapada inventada por um gestor de crises, embora possa ser verdade. Seja lá o que tenha sido, prova que quase tudo na vida moderna depende da informática e da telemática. Não interessa se é bom ou mau. É assim, e vai continuar a ser. Na cabeça podemos ser e ter tudo. Fora dela, no quotidiano, somos pixeis, algoritmos, gigabits, megabits e sabe-se lá mais o quê. Há uma consolação: a Inteligência Artificial não serve para tudo e não elimina o erro humano e/ou a sabotagem

5. Por cá, o debate do Estado da Nação confirmou que Ela não está nada bem e que o governo tem vontade de a tratar sem ser de forma virtual, como fez o PS. Existe uma clara tendência para o Orçamento 2025 passar porque PS e Chega não querem eleições, face a um Montenegro em crescendo. É verosímil um quadro de potencial estabilidade, só alterável se o PS e o Chega esticarem a corda e puserem o parlamento a aprovar medidas que contrariem em absoluto o programa do governo. Encontrar um ponto de equilíbrio que permita aos três maiores partidos uma postura aceitável para o respetivo eleitorado é uma questão de afinação sub-reptícia entre todos. A política é uma teia de acordos e de perceções. A estabilidade e o desejável equilíbrio orçamental ficam também dependentes das negociações na Concertação Social e da discreta, mas fundamental, movimentação nos bastidores de um Presidente Marcelo, em nítida recuperação anímica. A economia tem de gerar receitas para o que está prometido e, simultaneamente, cumprir os deveres do Estado. Tal só é possível se houver mesmo um corte de custos inúteis. Uma verdadeira quadratura do círculo.

6. Com o seu habitual sectarismo bárbaro, o Bloco de Esquerda anunciou logo que vota contra o próximo Orçamento, mesmo sem conhecer um único dos seus números. É esta intolerância que tem levado a amálgama esquerdista a perder sucessivas eleições e a depender da parasitagem do PS para existir.

7. Um dos indícios de que os partidos estão mais virados para a manutenção do governo do que para uma crise e legislativas antecipadas tem a ver com as autárquicas. Os últimos dias trouxeram a novidade, através da manchete do Nascer do SOL, de que os socialistas ponderam o nome do ex-ministro Siza Vieira (um independente) para candidato a Lisboa, uma vez que Duarte Cordeiro está indisponível, enquanto o Ministério Público não esclarecer se há algo pendente contra ele. Siza é um nome forte. Advogado de sucesso, entraria bem num eleitorado conservador de Lisboa, cansado de viver no caos urbano da capital. Lisboa, Porto e umas poucas capitais de distrito são decisivas em autárquicas. É nelas que se medem as vitórias e derrotas. Os resultados nacionais, esses, são ignorados pela opinião pública, interessando fundamentalmente aos analistas e politólogos.

8. Seguindo os sobressaltados mercados, que veneram, os principais dirigentes da Iniciativa Liberal (IL) passam a vida a medir o valor de cada um na bolsa dos investidores no partido. As clivagens sucedem-se. O ritmo ultrapassa o do PSD, o que é difícil. Este fim de semana, Mayan Gonçalves confirmou que vai disputar a controversa liderança de Rui Rocha. É sempre possível uma surpresa, embora Rocha seja favorito. Porém, a maior probabilidade é de, a prazo, ser Luís Montenegro a ganhar, ao alargar a AD à IL, reforçando o centro-direita moderado.

9. Mesmo considerando as razões da proposta, a ideia de fechar o comercio ao domingo é absurda. Há coisas sem retorno. Espanha, França e mais alguns rejeitaram a abertura diária. Cá, avançámos em força. O hábito está criado. Voltar atrás poria em causa postos de trabalho, atirando muita gente para o desemprego. Lojas abertas largas horas toda a semana é mais uma especificidade portuguesa. Como o pastel de nata. Vivamos com isso!