Alterações climáticas. Do calor à subida da temperatura da água do mar

Alterações climáticas. Do calor à subida da temperatura da água do mar


O final de junho tem início com temperaturas máximas de 37ºC em Portugal. Em alguns pontos do globo, centenas de pessoas morrem devido ao calor extremo. Mas não é só o tempo que está mais quente: a água do mar também.


As alterações climáticas têm causado um aumento gradual na temperatura da água do mar no mundo inteiro e este fenómeno está associado a uma série de consequências ambientais e ecológicas. Por exemplo, no final de julho do ano passado, a temperatura da água na ponta da Florida, nos Estados Unidos, atingiu 38 graus Celsius em dois dias consecutivos, segundo meteorologistas citados pela agência de notícias Associated Press (AP). Em comparação, um estudo de 2020 registou 37,6 graus Celsius na Baía do Kuwait, em julho daquele ano, marcando até então o recorde conhecido.

Na Baía de Manatee, uma boia meteorológica registou 38,4 graus Celsius à noite, seguido de 37,9 graus Celsius no dia anterior, conforme relatado pelo meteorologista George Rizzuto do Serviço Nacional de Meteorologia. Esses números, embora impressionantes, podem não ser oficialmente reconhecidos como recordes devido às características locais, como a baixa profundidade da água e a presença de vegetação marinha, além do possível efeito de áreas terrestres quentes próximas, como o Parque Nacional Everglades.

Os cientistas têm observado os efeitos devastadores do aumento da temperatura da água, incluindo o branqueamento severo de corais e até mesmo morte em recifes anteriormente robustos nos Florida Keys, localizados a apenas 40 quilómetros da área monitorizada. Este fenómeno é descrito como uma “banheira de água quente”, com temperaturas que normalmente são associadas a banhos pessoais, segundo Jeff Masters, outro meteorologista entrevistado pela AP. Os corais são sensíveis às variações de temperatura e podem sofrer branqueamento quando expostos a águas mais quentes por períodos prolongados. Tal ocorre quando os corais expulsam as algas simbióticas que lhes fornecem cor e nutrientes, o que pode resultar na morte dos corais.

Para além disto, o impacto na vida marinha é abrangente. Vários estudos provam que os aumentos na temperatura da água do mar afetam a distribuição, reprodução e comportamento de várias espécies marinhas, incluindo peixes, mamíferos marinhos e tartarugas marinhas. Algumas espécies podem migrar para águas mais frias em busca de condições mais adequadas, enquanto outras podem enfrentar declínios populacionais devido ao stresse térmico.

E há outros problemas em causa: as águas mais quentes podem fornecer energia adicional para a formação e intensificação de tempestades tropicais e furacões, aumentando potencialmente a sua frequência e severidade. Tal também pode influenciar a acidificação dos oceanos, já que águas mais quentes têm uma capacidade reduzida de absorver CO2 da atmosfera. Isto pode ter consequências negativas para os organismos marinhos que dependem de carbonato de cálcio para construir as suas conchas e estruturas esqueléticas.

A principal causa das alterações climáticas é o aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, sobretudo devido à queima de combustíveis fósseis, desmatamento e outras atividades humanas. Como disse o professor Matthew England, cientista climático da Universidade de Nova Gales do Sul, num artigo do The Guardian: “A trajetória atual parece ter saído dos gráficos, quebrando recordes anteriores”.

E tal é grave. Um novo estudo publicado a 11 de janeiro na revista Advances in Atmospheric Sciences levou à descoberta de que os oceanos estão mais quentes do que nunca nos tempos modernos. As temperaturas elevadas do mar bateram agora recordes anteriores de calor durante pelo menos sete anos consecutivos, de acordo com dados recolhidos pelo Instituto de Física Atmosférica da Academia Chinesa de Ciências. Dados semelhantes foram apurados pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), reforçando essas descobertas.

“Ano após ano estamos a estabelecer recordes de calor no oceano”, disse ao site Mongabay – plataforma de notícias sem fins lucrativos sobre conservação e ciência ambiental com sede nos EUA – o co-autor do estudo John Abraham, professor de ciências térmicas da Universidade de St. Thomas, no Minnesota. “O facto de este processo continuar em ritmo acelerado todos os anos é esclarecedor para nós porque mostra como os oceanos estão ligados ao aquecimento global e como podemos usar os oceanos para medir a rapidez com que a Terra está a aquecer”.

Em 2023, os oceanos absorveram cerca de 287 zettajoules de calor, o que Abraham diz ser o equivalente a oito bombas atómicas de Hiroshima detonadas a cada segundo de cada dia no oceano. O calor do ano passado foi 15 zettajoules maior do que o que o oceano absorveu em 2022. Os investigadores detetaram um aumento do calor em muitas partes do oceano – desde a superfície até uma profundidade de 2.000 metros (6.600 pés) – embora Abraham diga que as temperaturas mais elevadas foram mais evidentes nas águas superficiais, ou nos 20 m superiores (66 pés). Durante o primeiro semestre de 2023, as temperaturas foram 0,1° Celsius (0,2° Fahrenheit) acima das temperaturas de 2022; no segundo semestre do ano, foram 0,3°C (0,5°F) superiores às temperaturas de 2022, de acordo com o estudo. “Realmente superámos o recorde das temperaturas da superfície do oceano no ano passado”, disse Abraham. “Estava um calor incompreensível.”

De acordo com Abraham, as temperaturas da superfície foram particularmente elevadas em 2023 devido ao efeito combinado do aquecimento global a longo prazo e de um forte padrão climático El Niño que se verifica atualmente. El Niño é um fenómeno natural recorrente que enfraquece os ventos ao longo do equador da Terra, levando a um aumento das temperaturas do mar e da atmosfera.

O calor e o caso português

Em junho de 2023, as temperaturas médias da água do mar em várias boias ao longo da costa portuguesa superaram significativamente as médias históricas registadas entre 2000 e 2022, conforme análise do Instituto Hidrográfico e reportado pela CNN. Em Leixões, por exemplo, a temperatura média subiu 2,3 graus em comparação com a média entre 2000 e 2020, alcançando valores não vistos desde 2022. Em Sines, a média de 18,6 graus em junho de 2023 foi 1,1 graus superior à média histórica, superando também os registos de 2021 e 2022. Em Faro, conhecido pelas suas águas naturalmente mais quentes, a média atingiu 20,6 graus, um aumento de um grau em relação aos anos anteriores.

Apesar desses aumentos, os valores máximos de temperatura da água em junho de 2023 não alcançaram recordes históricos estabelecidos em décadas anteriores, como os 22,4 graus em Leixões, 21,9 graus em Sines e os 26,6 graus em Faro, apurados em anos passados. Esses dados destacam um padrão crescente de aquecimento das águas costeiras portuguesas, refletindo uma tendência global de aumento da temperatura dos oceanos.

Mas não é só a temperatura da água do mar que está a subir. Sabe-se que esta última semana de junho começa com temperaturas máximas de 37ºC em território nacional. Já no início de junho, o IPMA previu que as temperaturas atingissem os 36 graus em Braga ou os 35 em Castelo Branco, no dia 7. No final de maio, quase metade do território de Portugal continental enfrentava condições de seca meteorológica, especialmente concentrada no sul do país. Segundo o IPMA, cerca de 48% da área estava afetada por seca, variando de fraca a moderada. Houve um significativo aumento na área afetada em comparação com o final de abril, quando apenas 8% do território estava em condições de seca fraca. A região sul, em particular, viu um aumento na intensidade da seca, com áreas como grande parte do distrito de Beja e o sotavento Algarvio a enfrentar condições de seca moderada.

Lá fora, o panorama é mais preocupante, pois têm morrido centenas de pessoas devido às temperaturas elevadas. Por exemplo, este domingo, foi divulgado que subiu para 1301 o número de mortos devido ao calor em peregrinação a Meca. No sábado, foi noticiado que pelo menos seis pessoas haviam morrido devido às altas temperaturas em Phoenix, nos EUA, onde os termómetros atingiram 46 graus na semana passada.

Já há duas semanas, perante a escalada deste cenário, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertou que existe uma alta probabilidade de que a temperatura global média anual ultrapasse temporariamente 1,5°C acima dos níveis pré-industriais em pelo menos um dos próximos cinco anos. Esta probabilidade aumentou significativamente desde 2015, quando era próxima de zero, e agora está em 80% para o período entre 2024 e 2028.

Ko Barrett, vice-secretária-geral da OMM, enfatizou que, embora essas superações temporárias não signifiquem que a meta de 1,5°C do Acordo de Paris esteja permanentemente comprometida, refletem uma tendência preocupante. Destacou que as emissões de gases de efeito estufa têm de ser reduzidas urgentemente para mitigar os impactos cada vez mais severos das mudanças climáticas, que já estão a causar ondas de calor, eventos extremos de chuva, redução das camadas de gelo e aumento do nível do mar.

A OMM estima que a temperatura média global entre 2024 e 2028 será de 1,1°C a 1,9°C mais alta do que a linha de base de 1850-1900. A comunidade científica alerta que cada fração de grau adicional de aquecimento global pode desencadear impactos significativos, como condições climáticas mais extremas e danos substanciais ao meio ambiente e à biodiversidade.

Apesar dos esforços internacionais no Acordo de Paris para limitar o aquecimento global a menos de 2°C e procurar esforços para limitá-lo a 1,5°C até ao final do século, os dados da OMM indicam que há um longo caminho a percorrer para alcançar essas metas, exigindo ações imediatas e coordenadas dos governos e da sociedade global.