Edifício do MUDE: Melhor arquitetura, Menos construção


O maior desafio da obra foi a impossibilidade de definir uma regra a aplicar em todo o edifício, dada a heterogeneidade dos elementos e a complexa história do lugar.


O edifício do MUDE – Museu do Design reabre em julho, após as obras de requalificação integral.

Enquanto diretora do MUDE, e coautora do conceito arquitetónico deste projeto de arquitetura, com o arquiteto Luís Miguel Saraiva da Câmara Municipal de Lisboa (UCT-UITCH), responsável pelo projeto, descrevo as premissas que o gizaram, desde 2011, com o objetivo de dotar este quarteirão pombalino com todos os requisitos para o pleno funcionamento do museu. O processo reuniu experiências distintas na procura de soluções inovadoras, sustentáveis e integradas, com base no entendimento do edifício como manifestação da política museológica da instituição, pois, tratando-se de um museu do design, foi esta a disciplina que orientou todo o projeto, em articulação com a museologia, a arquitetura e a engenharia. Com criatividade e constante negociação ultrapassaram-se os conflitos inerentes a uma obra que implicou também a reabilitação patrimonial das suas preexistências fragmentadas e ecléticas.

É um privilégio constatar que o projeto e a obra resultaram do trabalho colaborativo entre técnicos do Município de Lisboa e profissionais externos e da multidisciplinaridade entre design, museologia, arquitetura e engenharias, bem como das artes, humanidades e tecnologias, o que contribuiu para um novo conhecimento teórico-metodológico, abordagem que orienta também a ação do CiTUA.

Como diretora do MUDE, desde 2006, foi nas vivências diárias do museu que realizei aprendizagens necessárias ao projeto arquitetónico, principalmente nas vividas após a abertura ao público em 2009, e nas dificuldades superadas ao longo dos sete anos que o edifício esteve aberto até, finalmente, ter fechado para obras de requalificação integral em 2016. O tempo de amadurecimento do projeto foi fundamental para reconhecer a ruína como património e espaço cénico para a experimentação de diferentes estratégias de exposição do design, bem como para reunir informações, através de uma investigação histórica, sobre as transformações do quarteirão permitindo mais conhecimento sobre a natureza do edifício e servindo de referência para a arquitetura e especialidades. Foi a constante relação entre praxis e teoria que permitiu as mudanças de entendimento sobre este património e a consciência da sua historicidade, do valor das suas permanências e da qualidade e adaptabilidade da sua arquitetura. Neste sentido, consubstanciei parte da reflexão desenvolvida ao longo destes anos no Museu, na defesa da minha tese de doutoramento em Arquitetura que versa sobre a relevância de aprofundar em contexto museológico o potencial catalisador da “exposição como obra” e de superar a tradicional dicotomia contentor/conteúdo.

O maior desafio da obra foi a impossibilidade de definir uma regra a aplicar em todo o edifício, dada a heterogeneidade dos elementos e a complexa história do lugar. Esta realidade e a intenção museológica de os preservar enquanto legado de design, tornou o projeto de arquitetura num estudo site-specific e casuístico, pois foi necessário adequar a metodologia de intervenção a cada situação concreta. A estratégia, em termos patrimoniais, integra e coabita, em vez de transformar radicalmente, procurando diferentes formas de resignificação do património. A obra é também representativa das dificuldades em conjugar uma estratégia de preservação do património com a aplicação da regulamentação em vigor, nomeadamente em termos de segurança contra incêndios em edifícios (SCIE) ou na aplicação de novas tecnologias e soluções energéticas.

A solução desenvolvida pela ARA — Alves Rodrigues e Associado foi decisiva para o reforço estrutural do edifício de modo a assegurar a capacidade antissísmica e materializar a intenção museológica de garantir o valor dos materiais pré-existentes (tijolo, betão e pedra) e fazer deste edifício um testemunho vivo do design, da arquitetura e da engenharia. Neste reforço, ganhou valor arquitetónico a construção de uma «gaiola» constituída por pórticos em chapa de aço de 12 mm, na envolvente de todos os vãos de fachada, “cosidos” entre si por varões soldados que atravessam os nembos entre vãos na vertical, horizontal e diagonal, em toda a periferia interior.

Foi também relevante a instalação de um sistema para controlo de climatização e de um sistema para a programação e controlo da iluminação que permitem uma gestão energética eficiente garantindo a durabilidade e otimização dos equipamentos.

Em termos de sustentabilidade, foi importante a opção de recuperar, restaurar e reusar a maior parte das estruturas e revestimentos existentes no local, pela qualidade de desenho e mestria de manufatura, permitindo a redução de desperdícios de obra e limitando a produção de novos materiais de construção. Assim, desenvolveu-se um projeto de restauro, uma vez que foi necessário desmontar e preservar vários elementos históricos (azulejos, pedras, madeiras, metais ou estuques) e repará-los com vista à sua recolocação, consolidação e estabilização.

Concluindo, a opção de estudar as preexistências para obter as respostas necessárias às exigências funcionais do museu, foi transversal a todo o projeto, reforçando a autenticidade e a singularidade museológica e arquitetónica do MUDE e dando prova de como a preservação do património é eficaz quando se consolida a durabilidade cultural da arquitetura do lugar, atualizando-o com valências tecnológicas inovadoras e ecológicas, em conformidade com as exigências ambientalistas, para que este se projete no futuro e seja referência para as próximas gerações.

Professora Associada Convidada do Instituto Superior Técnico e investigadora integrada no CiTUA – Centro para a Inovação em Território, Urbanismo e Arquitetura

Edifício do MUDE: Melhor arquitetura, Menos construção


O maior desafio da obra foi a impossibilidade de definir uma regra a aplicar em todo o edifício, dada a heterogeneidade dos elementos e a complexa história do lugar.


O edifício do MUDE – Museu do Design reabre em julho, após as obras de requalificação integral.

Enquanto diretora do MUDE, e coautora do conceito arquitetónico deste projeto de arquitetura, com o arquiteto Luís Miguel Saraiva da Câmara Municipal de Lisboa (UCT-UITCH), responsável pelo projeto, descrevo as premissas que o gizaram, desde 2011, com o objetivo de dotar este quarteirão pombalino com todos os requisitos para o pleno funcionamento do museu. O processo reuniu experiências distintas na procura de soluções inovadoras, sustentáveis e integradas, com base no entendimento do edifício como manifestação da política museológica da instituição, pois, tratando-se de um museu do design, foi esta a disciplina que orientou todo o projeto, em articulação com a museologia, a arquitetura e a engenharia. Com criatividade e constante negociação ultrapassaram-se os conflitos inerentes a uma obra que implicou também a reabilitação patrimonial das suas preexistências fragmentadas e ecléticas.

É um privilégio constatar que o projeto e a obra resultaram do trabalho colaborativo entre técnicos do Município de Lisboa e profissionais externos e da multidisciplinaridade entre design, museologia, arquitetura e engenharias, bem como das artes, humanidades e tecnologias, o que contribuiu para um novo conhecimento teórico-metodológico, abordagem que orienta também a ação do CiTUA.

Como diretora do MUDE, desde 2006, foi nas vivências diárias do museu que realizei aprendizagens necessárias ao projeto arquitetónico, principalmente nas vividas após a abertura ao público em 2009, e nas dificuldades superadas ao longo dos sete anos que o edifício esteve aberto até, finalmente, ter fechado para obras de requalificação integral em 2016. O tempo de amadurecimento do projeto foi fundamental para reconhecer a ruína como património e espaço cénico para a experimentação de diferentes estratégias de exposição do design, bem como para reunir informações, através de uma investigação histórica, sobre as transformações do quarteirão permitindo mais conhecimento sobre a natureza do edifício e servindo de referência para a arquitetura e especialidades. Foi a constante relação entre praxis e teoria que permitiu as mudanças de entendimento sobre este património e a consciência da sua historicidade, do valor das suas permanências e da qualidade e adaptabilidade da sua arquitetura. Neste sentido, consubstanciei parte da reflexão desenvolvida ao longo destes anos no Museu, na defesa da minha tese de doutoramento em Arquitetura que versa sobre a relevância de aprofundar em contexto museológico o potencial catalisador da “exposição como obra” e de superar a tradicional dicotomia contentor/conteúdo.

O maior desafio da obra foi a impossibilidade de definir uma regra a aplicar em todo o edifício, dada a heterogeneidade dos elementos e a complexa história do lugar. Esta realidade e a intenção museológica de os preservar enquanto legado de design, tornou o projeto de arquitetura num estudo site-specific e casuístico, pois foi necessário adequar a metodologia de intervenção a cada situação concreta. A estratégia, em termos patrimoniais, integra e coabita, em vez de transformar radicalmente, procurando diferentes formas de resignificação do património. A obra é também representativa das dificuldades em conjugar uma estratégia de preservação do património com a aplicação da regulamentação em vigor, nomeadamente em termos de segurança contra incêndios em edifícios (SCIE) ou na aplicação de novas tecnologias e soluções energéticas.

A solução desenvolvida pela ARA — Alves Rodrigues e Associado foi decisiva para o reforço estrutural do edifício de modo a assegurar a capacidade antissísmica e materializar a intenção museológica de garantir o valor dos materiais pré-existentes (tijolo, betão e pedra) e fazer deste edifício um testemunho vivo do design, da arquitetura e da engenharia. Neste reforço, ganhou valor arquitetónico a construção de uma «gaiola» constituída por pórticos em chapa de aço de 12 mm, na envolvente de todos os vãos de fachada, “cosidos” entre si por varões soldados que atravessam os nembos entre vãos na vertical, horizontal e diagonal, em toda a periferia interior.

Foi também relevante a instalação de um sistema para controlo de climatização e de um sistema para a programação e controlo da iluminação que permitem uma gestão energética eficiente garantindo a durabilidade e otimização dos equipamentos.

Em termos de sustentabilidade, foi importante a opção de recuperar, restaurar e reusar a maior parte das estruturas e revestimentos existentes no local, pela qualidade de desenho e mestria de manufatura, permitindo a redução de desperdícios de obra e limitando a produção de novos materiais de construção. Assim, desenvolveu-se um projeto de restauro, uma vez que foi necessário desmontar e preservar vários elementos históricos (azulejos, pedras, madeiras, metais ou estuques) e repará-los com vista à sua recolocação, consolidação e estabilização.

Concluindo, a opção de estudar as preexistências para obter as respostas necessárias às exigências funcionais do museu, foi transversal a todo o projeto, reforçando a autenticidade e a singularidade museológica e arquitetónica do MUDE e dando prova de como a preservação do património é eficaz quando se consolida a durabilidade cultural da arquitetura do lugar, atualizando-o com valências tecnológicas inovadoras e ecológicas, em conformidade com as exigências ambientalistas, para que este se projete no futuro e seja referência para as próximas gerações.

Professora Associada Convidada do Instituto Superior Técnico e investigadora integrada no CiTUA – Centro para a Inovação em Território, Urbanismo e Arquitetura