Daniela, uma mãe leoa


A comissão de inquérito ao caso das meninas gémeas confirmou o óbvio, enquanto escutas revelaram a forma lamentável como se faz política em Portugal.


1. A ida de Daniela Martins ao parlamento para depor sobre o tratamento das suas filhas gémeas em Portugal foi esclarecedora. Mostrou uma mãe leoa na defesa das suas crias. Ficou claro o que já se sabia. Houve uma cunha que acelerou o processo, mas viu-se que, com maior ou menor dificuldade, as crianças poderiam sempre ser tratadas cá, visto que têm a nacionalidade por direito natural. Também ressaltou a evidência de que as gémeas não ultrapassaram ninguém e avançaram até na sequência de um primeiro caso semelhante que mobilizou a opinião pública aquando da bebé Matilde, que está viva e melhor. O caso pelos vistos até acelerou os de outras crianças, essas dos PALOP. Também evidenciou que no percurso da cunha facilitadora toda a gente alinhou com maior ou menor resistência na intervenção. A cunha é em Portugal uma forma de defesa pessoal “legitimada” para ultrapassar as barreiras da burocracia. É de tal forma portuguesa que a exportámos para os nossos filhotes brasileiros, que a usam sob o nome de “pistolão”. A sessão parlamentar mostrou a falta de compaixão da generalidade dos deputados por aquela mãe, sobretudo de um André Ventura desumanizado. Houve algumas exceções, como o comunista e jornalista Alfredo Maia. A nenhum deputado ocorreu perguntar se, no meio de tantas diligências, não teria sido também o pai das crianças a mexer influências. Talvez por estarem agora divorciados ou por os inquiridores acharem que no Brasil o papel do pai é basicamente o de fornecedor de sémen. É certo que há, cá e lá, muitos casos desses, mas teria sido interessante saber mais sobre a criatura e o que fez. O que se viu e vai ver no parlamento é “show” político para atingir e apoucar o Presidente Marcelo, sobretudo através do filho. O chefe de Estado deveria ter sido mais claro desde o início quanto à sua intervenção. Se tivesse reconhecido que deu o andamento atento e natural ao assunto através da sua Casa Civil o caso estaria arrumado há muito. Lacerda Sales também se saiu mal no seu depoimento ao não assumir o óbvio. O mais aguerrido na luta pela destruição da imagem de Marcelo é André Ventura, que procura dividendos gloriosos. Talvez se engane porque muitos portugueses sabem bem o que é o desespero face ao infortúnio na saúde, sobretudo de um filho. Assim como talvez se enganem aqueles jornalistas que acham correto deixar uma câmara a gravar à socapa, o que é diferente eticamente de uma reportagem de câmara oculta. Se as célebres imagens do “pistolão” fossem uma escuta, era ilegal e não utilizável como prova. Quanto a supostos abusos na utilização de nacionalidades, recorde-se, por exemplo, que uma ex-autarca portuguesa, Fátima Felgueiras, refugiou-se temporariamente no Brasil, fugindo para evitar ser presa por atos de corrupção pelos quais foi condenada anos mais tarde. Outros fazem o caminho inverso para se tratarem. Enquanto as leis o permitirem, está tudo certo.

2. A violação do segredo de justiça que permitiu a divulgação das escutas de conversas entre António Costa e João Galamba foi só mais uma em centenas. O inquérito aberto é mais uma fantochada. A Justiça portuguesa envergonha o país com uma deplorável regularidade. O mais importante da conversa é que revela a forma como a política se fez no “costismo” e se faz em geral. Para safar o Governo, o primeiro-ministro mandou despedir a então presidente da TAP. A partir daí seguiu-se a sistemática perseguição e humilhação de uma profissional competente, arrastada, também ela, para uma comissão de inquérito. Soube-se depois que aquilo de que a acusavam (a rescisão milionária com a administradora Alexandra Reis) tinha sido consentida pelo ministro que a tutelava e que hoje é líder do PS. Na altura da ordem de Costa, já eram Galamba e Medina que tutelavam a TAP. Obedeceram sem sentido de justiça. Christine Ourmières-Widener, escolhida por um concurso em que ficou em segundo lugar, refez a sua vida na aviação, provando competência. Colocou o Estado em tribunal numa ação que vai durar anos e anos. Era decente e prudente o Governo atual chegar a um acordo razoável com ela.

3. Volta e meia, surgem notícias políticas que causam alguma perplexidade e angústia, sobretudo quando chegam através de medias credíveis. Há dias, o Nascer do SOL deu conta de que o PS estará a equacionar a possibilidade de candidatar Mário Centeno, um suposto independente, à Presidência da República. Como se não bastasse, o jornal refere a hipótese do inenarrável Vítor Gaspar deixar o conforto do exílio dourado do FMI nos Estados Unidos e sentar-se na cadeira de sonho de governador do Banco de Portugal ocupada precisamente por Centeno. Há notícias que dão vontade de emigrar até a um septuagenário português, quanto mais a um jovem com formação superior e cheio de capacidades para enfrentar a vida.

4. Falando ainda de putativos candidatos à Presidência da República, sucedem-se os sinais de que o hiperativo Rui Rio pode estar a utilizar a sua (justa) cruzada contra o Ministério Público e o seu novo protagonismo para preservar a possibilidade de lançar de repente uma candidatura. Seria uma investida de tipo Jorge Sampaio, que avançou sozinho, forçando a mão ao PS. Outras versões indicam que Rio também pode andar de olho na sua amada Câmara do Porto. Aí, porém, as coisas poderiam ser mais complexas dado que é uma candidatura em equipa e não unipessoal. Um caso a acompanhar.

5. Continuando a discorrer sobre cenários mais ou menos dantescos, há que não desvalorizar o que Paulo Macedo traçou recentemente ao admitir que a Caixa Geral Depósitos, a que preside e onde está disponível para se manter, poderá comprar outro banco e alargar o seu perímetro de intervenção. A estratégia serviria para travar a expansão da banca espanhola em Portugal. Ora, muito mais perigosa do que a banca espanhola para Portugal tem sido a banca portuguesa, como se viu com o BES, o BPN, o BPP, Banif, a Caixa Faialense e a própria CGD, nos quais os portugueses enterraram milhares de milhões e que agora alimentam através de comissões gigantescas. O facto é que a CGD não tem a intervenção vivificadora na economia que é desejável. A estratégia de Macedo faria com que Portugal ficasse com três bancos públicos, uma vez que existe uma inutilidade chamada Banco de Fomento, incapaz de incentivar os apoios do PRR que são a sua razão de ser. O tal banco que Paulo Macedo equaciona só pode ser o Novo Banco que tem a maior rede de proximidade com o setor empresarial de média dimensão. O banco foi comprado por um fundo que agora, como previsto, o quer despachar, depois de o ter saneado à conta dos contribuintes nacionais e do Estado. Em resumo, uma compra do Novo Banco significaria pura e simplesmente que os portugueses voltariam a pagá-lo pela terceira vez. Melhor seria que a CGD se fizesse à estrada e financiasse a economia e os empresários merecedores.

6. O pacote anticorrupção que o Governo vai levar ao Parlamento é apenas conhecido em traços largos. Mas tem semelhanças com um que o PS tinha delineado, o que revela uma aproximação de posições no bloco central. No Parlamento, Governo e partidos irão desenvolver o normativo. O Chega é parte ativa e parece aproximar-se do PS e PSD. O pacote pretende integrar a regulação da atividade lobista, o que, em rigor, não tem a ver com o combate à corrupção. É antes um procedimento de transparência que é desejável. No meio disto uma coisa é certa: a corrupção continuará viçosa em Portugal enquanto as leis forem tão complexas, a burocracia gigantesca e a Justiça lentíssima. Pior ainda, este emaranhado faz com que quem for sério na política tenha tendência a não decidir, sem se rodear previamente de dezenas de pareceres, a fim de evitar todo e qualquer risco de passar dezenas de anos em tribunais arrastado pelo ministério público ou outro tipo de litigância. Cautelas e caldos de galinha sempre foram um grande preventivo.

Daniela, uma mãe leoa


A comissão de inquérito ao caso das meninas gémeas confirmou o óbvio, enquanto escutas revelaram a forma lamentável como se faz política em Portugal.


1. A ida de Daniela Martins ao parlamento para depor sobre o tratamento das suas filhas gémeas em Portugal foi esclarecedora. Mostrou uma mãe leoa na defesa das suas crias. Ficou claro o que já se sabia. Houve uma cunha que acelerou o processo, mas viu-se que, com maior ou menor dificuldade, as crianças poderiam sempre ser tratadas cá, visto que têm a nacionalidade por direito natural. Também ressaltou a evidência de que as gémeas não ultrapassaram ninguém e avançaram até na sequência de um primeiro caso semelhante que mobilizou a opinião pública aquando da bebé Matilde, que está viva e melhor. O caso pelos vistos até acelerou os de outras crianças, essas dos PALOP. Também evidenciou que no percurso da cunha facilitadora toda a gente alinhou com maior ou menor resistência na intervenção. A cunha é em Portugal uma forma de defesa pessoal “legitimada” para ultrapassar as barreiras da burocracia. É de tal forma portuguesa que a exportámos para os nossos filhotes brasileiros, que a usam sob o nome de “pistolão”. A sessão parlamentar mostrou a falta de compaixão da generalidade dos deputados por aquela mãe, sobretudo de um André Ventura desumanizado. Houve algumas exceções, como o comunista e jornalista Alfredo Maia. A nenhum deputado ocorreu perguntar se, no meio de tantas diligências, não teria sido também o pai das crianças a mexer influências. Talvez por estarem agora divorciados ou por os inquiridores acharem que no Brasil o papel do pai é basicamente o de fornecedor de sémen. É certo que há, cá e lá, muitos casos desses, mas teria sido interessante saber mais sobre a criatura e o que fez. O que se viu e vai ver no parlamento é “show” político para atingir e apoucar o Presidente Marcelo, sobretudo através do filho. O chefe de Estado deveria ter sido mais claro desde o início quanto à sua intervenção. Se tivesse reconhecido que deu o andamento atento e natural ao assunto através da sua Casa Civil o caso estaria arrumado há muito. Lacerda Sales também se saiu mal no seu depoimento ao não assumir o óbvio. O mais aguerrido na luta pela destruição da imagem de Marcelo é André Ventura, que procura dividendos gloriosos. Talvez se engane porque muitos portugueses sabem bem o que é o desespero face ao infortúnio na saúde, sobretudo de um filho. Assim como talvez se enganem aqueles jornalistas que acham correto deixar uma câmara a gravar à socapa, o que é diferente eticamente de uma reportagem de câmara oculta. Se as célebres imagens do “pistolão” fossem uma escuta, era ilegal e não utilizável como prova. Quanto a supostos abusos na utilização de nacionalidades, recorde-se, por exemplo, que uma ex-autarca portuguesa, Fátima Felgueiras, refugiou-se temporariamente no Brasil, fugindo para evitar ser presa por atos de corrupção pelos quais foi condenada anos mais tarde. Outros fazem o caminho inverso para se tratarem. Enquanto as leis o permitirem, está tudo certo.

2. A violação do segredo de justiça que permitiu a divulgação das escutas de conversas entre António Costa e João Galamba foi só mais uma em centenas. O inquérito aberto é mais uma fantochada. A Justiça portuguesa envergonha o país com uma deplorável regularidade. O mais importante da conversa é que revela a forma como a política se fez no “costismo” e se faz em geral. Para safar o Governo, o primeiro-ministro mandou despedir a então presidente da TAP. A partir daí seguiu-se a sistemática perseguição e humilhação de uma profissional competente, arrastada, também ela, para uma comissão de inquérito. Soube-se depois que aquilo de que a acusavam (a rescisão milionária com a administradora Alexandra Reis) tinha sido consentida pelo ministro que a tutelava e que hoje é líder do PS. Na altura da ordem de Costa, já eram Galamba e Medina que tutelavam a TAP. Obedeceram sem sentido de justiça. Christine Ourmières-Widener, escolhida por um concurso em que ficou em segundo lugar, refez a sua vida na aviação, provando competência. Colocou o Estado em tribunal numa ação que vai durar anos e anos. Era decente e prudente o Governo atual chegar a um acordo razoável com ela.

3. Volta e meia, surgem notícias políticas que causam alguma perplexidade e angústia, sobretudo quando chegam através de medias credíveis. Há dias, o Nascer do SOL deu conta de que o PS estará a equacionar a possibilidade de candidatar Mário Centeno, um suposto independente, à Presidência da República. Como se não bastasse, o jornal refere a hipótese do inenarrável Vítor Gaspar deixar o conforto do exílio dourado do FMI nos Estados Unidos e sentar-se na cadeira de sonho de governador do Banco de Portugal ocupada precisamente por Centeno. Há notícias que dão vontade de emigrar até a um septuagenário português, quanto mais a um jovem com formação superior e cheio de capacidades para enfrentar a vida.

4. Falando ainda de putativos candidatos à Presidência da República, sucedem-se os sinais de que o hiperativo Rui Rio pode estar a utilizar a sua (justa) cruzada contra o Ministério Público e o seu novo protagonismo para preservar a possibilidade de lançar de repente uma candidatura. Seria uma investida de tipo Jorge Sampaio, que avançou sozinho, forçando a mão ao PS. Outras versões indicam que Rio também pode andar de olho na sua amada Câmara do Porto. Aí, porém, as coisas poderiam ser mais complexas dado que é uma candidatura em equipa e não unipessoal. Um caso a acompanhar.

5. Continuando a discorrer sobre cenários mais ou menos dantescos, há que não desvalorizar o que Paulo Macedo traçou recentemente ao admitir que a Caixa Geral Depósitos, a que preside e onde está disponível para se manter, poderá comprar outro banco e alargar o seu perímetro de intervenção. A estratégia serviria para travar a expansão da banca espanhola em Portugal. Ora, muito mais perigosa do que a banca espanhola para Portugal tem sido a banca portuguesa, como se viu com o BES, o BPN, o BPP, Banif, a Caixa Faialense e a própria CGD, nos quais os portugueses enterraram milhares de milhões e que agora alimentam através de comissões gigantescas. O facto é que a CGD não tem a intervenção vivificadora na economia que é desejável. A estratégia de Macedo faria com que Portugal ficasse com três bancos públicos, uma vez que existe uma inutilidade chamada Banco de Fomento, incapaz de incentivar os apoios do PRR que são a sua razão de ser. O tal banco que Paulo Macedo equaciona só pode ser o Novo Banco que tem a maior rede de proximidade com o setor empresarial de média dimensão. O banco foi comprado por um fundo que agora, como previsto, o quer despachar, depois de o ter saneado à conta dos contribuintes nacionais e do Estado. Em resumo, uma compra do Novo Banco significaria pura e simplesmente que os portugueses voltariam a pagá-lo pela terceira vez. Melhor seria que a CGD se fizesse à estrada e financiasse a economia e os empresários merecedores.

6. O pacote anticorrupção que o Governo vai levar ao Parlamento é apenas conhecido em traços largos. Mas tem semelhanças com um que o PS tinha delineado, o que revela uma aproximação de posições no bloco central. No Parlamento, Governo e partidos irão desenvolver o normativo. O Chega é parte ativa e parece aproximar-se do PS e PSD. O pacote pretende integrar a regulação da atividade lobista, o que, em rigor, não tem a ver com o combate à corrupção. É antes um procedimento de transparência que é desejável. No meio disto uma coisa é certa: a corrupção continuará viçosa em Portugal enquanto as leis forem tão complexas, a burocracia gigantesca e a Justiça lentíssima. Pior ainda, este emaranhado faz com que quem for sério na política tenha tendência a não decidir, sem se rodear previamente de dezenas de pareceres, a fim de evitar todo e qualquer risco de passar dezenas de anos em tribunais arrastado pelo ministério público ou outro tipo de litigância. Cautelas e caldos de galinha sempre foram um grande preventivo.