Criminalidade. “Nem todos são santos, nem todos são pecadores”

Criminalidade. “Nem todos são santos, nem todos são pecadores”


Há uma verdade de La Palice na história da imigração versus aumento da criminalidade: se há mais pessoas, logo há mais crimes. Polícias preocupados com justiça popular no Porto e com agressões a mulheres e a quem bebe álcool.


A discussão é antiga, mas os preconceitos, de um lado e de outro, também. Estará a imigração relacionada com o aumento da criminalidade?A questão divide a sociedade quase ao meio. Na primeira e segunda edição do i, em 7 e 8 de maio de 2009, o problema dos imigrantes foi tratado de uma forma exaustiva, falando-se na necessidade de controlar o número de imigrantes de fora da Europa, devido ao desemprego reinante na época. Num dos textos escrevia-se: “Outro indicador avançado pelos populares [CDS/PP] é a variação da população prisional. Em 1997, os estrangeiros representavam 11,2% do total de presos. Em 2008, essa percentagem subiu para 20,3%. Os números, ainda assim, não dizem tudo”.

Os números de 2023 são praticamente idênticos. Para 10157 prisioneiros portugueses, há 2.036 estrangeiros, embora há cinco anos a percentagem de estrangeiros andasse à volta dos 15%.

Se a principal preocupação para o Sistema de Segurança Interna é a presença de criminosos do Leste, muitos dos quais entram em Portugal, fazem os assaltos e vão-se embora, outro dado importante para a equação é o tráfico de droga, que alguns oficiais de segurança pública entendem que está fora de controlo.

Mas o que está a agitar mais as mentes é a tentativa de alguns associarem o enorme aumento da população africana, nomeadamente magrebina, e asiática, a um sentimento de insegurança da população, tendo Pedro Passos Coelho incendiado as hostes à esquerda com esse alerta. “Lembro-me de uma intervenção em 2016, no Pontal, em que disse que precisamos ter um país aberto à imigração, mas cuidado, precisamos de ter também um país seguro. O Governo fez ouvido moucos disso. Na verdade, hoje as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento”, disse o antigo primeiro-ministro, acusando o PS.

“A realidade de um migrante que chega a Portugal, precariamente à procura de melhores condições para viver e sem as ter, é uma realidade brutal, de uma dureza que é muito difícil de entender. Portanto, quando nós temos em Portugal quem fale com pouco conhecimento da realidade sobre a bondade absoluta dos migrantes e refugiados e sobre a maldade absoluta dos migrantes e refugiados, de quem acha que são todos absolutamente santos ou quem acha que são todos uns absolutos patifes, é porque realmente não conhece e não compreendeu a realidade”, dizia ao Nascer do SOL há uns meses o padre jesuíta Francisco Sassetti da Mota, então vice-presidente do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS).

Defender as pessoas

O presidente da JRS, André Costa Jorge, também ao Nascer do SOL, acrescentava: “Os países que se regem pelo Direito devem procurar defender as pessoas independentemente da sua origem, da sua cor de pele, da sua confissão religiosa, etc. E devem ser criadas condições para que as pessoas possam migrar de forma legal e segura”. Penso que neste campo estamos todos de acordo, e um oficial da segurança interna dá o seu ponto de vista ao i: “Não há dúvidas que precisamos de ter uma imigração controlada e todos os que vêm tem de ser bem acolhidos para não estarem a dormir na rua, como estão muitos. Abrir as portas ao Deus dará não faz sentido. Isto é que é uma questão de fundo. Nada contra a vinda de imigrantes, Portugal precisa muito deles, mas temos de saber quem podemos acolher condignamente. Não perceber isso é contribuir para o caos”.

Já para Jorge Malheiros, especialista em migrações, “os dados estatísticos não apontam para uma relação entre crescimento, número de população imigrante ou estrangeira e aumento dos delitos. Agora, a primeira coisa é havendo mais pessoas, havendo mais estrangeiros, o número de estrangeiros aumentando e havendo mais estrangeiros nas diferentes áreas, se calhar também aumenta o delito associada a estrangeiros. São mais… se há mais… por uma solução estatística simples, se calhar também há aqui mais delitos. Recuso uma associação entre imigração e terrorismo, ou imigração e criminalidade. O que há, independentemente da imigração, são redes criminais que se estruturam a um nível global”.

Malheiros vai ainda mais longe. “Nos últimos anos, com a ascensão da extrema-direita em Portugal e noutros países da Europa e com um fluxo migratório muito forte, foi criando um clima de projeção negativa em cima dos imigrantes, responsabilizando os migrantes pela criminalidade e responsabilizando os migrantes por ficarem na rua, por tornarem determinadas áreas da cidade não acessíveis à população nacional, por porem em causa a cultura e supostamente os costumes nacionais, como se eles não mudassem haja ou não haja imigração”.

Quem anda no terreno

Oiçamos agora quem anda no terreno e o que dizem polícias sobre o fenómeno imigração versus criminalidade: “Já nos inícios dos anos 2000 a questão da imigração colocava-nos algumas preocupações. Inicialmente com os ucranianos, ali em finais de 2000, até 2003, 2004, nós tínhamos muitos problemas com eles porque eram os líderes de boa parte da prostituição que havia em Lisboa, do tráfico de armas… Quando foi o desmantelamento da União Soviética, tivemos membros de vários dos novos países que acabaram por vir para cá e alguns até eram ex-militares – chegámos a fazer detenções de ex-militares. Pessoas que tinham sido militares durante dez, 15 anos e depois, com o fim da URSS, e com aquela alteração, acabaram por se dedicar ao crime. Eram pessoas que tinham conhecimentos não só de como é que funcionavam os polícias, mas como é que eles poderiam também usar isso em proveito próprio”.

Quando a comunicação social começou a noticiar os crimes cometidos por parte da população do Leste em Portugal, bem como da população africana, sobretudo cabo verdiana e angolana, as regras mudaram dentro das forças policiais e deixou-se de incluir nos autos de detenção as características, como a etnia, a confissão religiosa e mesmo a nacionalidade em muitos casos”. Tudo em nome da não estigmatização da população residente em Portugal. “Isso é um disparate, pois uma coisa é o que se comunica para a comunicação social, e aí devemos ter todas as preocupações de não estigmatizar nenhuma etnia ou nacionalidade, mas nos relatórios, digamos confidenciais, que serviriam para todos os serviços de segurança atuarem melhor, deviam constar todos esses dados. Se é cigano, turco, indiano, ucraniano, português de Bragança, e por aí fora. É natural que na Amadora os pequenos furtos sejam cometidos pela maior parte dos moradores, que são cabo-verdianos ou angolanos, como em Bragança é natural que sejam os brigantinos”.

O responsável policial, afeto ao PCP, portanto bem longe dos Movimentos Zero e por aí fora, vai mais longe: “Não faz muito sentido que se tente desvalorizar a informação tendo em conta as características das pessoas, ou a nacionalidade. Uma coisa não tem nada a ver com a outra e por isso é que também acho que se não for feito, ou seja, se o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) ou as polícias não tiverem informação factual, informação verdadeira sobre o estado da criminalidade, têm mais dificuldade em intervir e encontrar soluções mais rápidas e com mais qualidade. E isso é o que as pessoas querem, que a polícia tenha respostas para os problemas. Não é depois de eles acontecerem. Claro que é difícil ter respostas para nenhum acontecer, mas pelo menos para minimizar a quantidade de situações e aumentar a qualidade do serviço policial”.

Problemas culturais

Outro oficial das forças de segurança alinha pelo mesmo discurso. “Dificilmente se pode dizer se há um aumento ligado à imigração. Os serviços de segurança não estão a recolher os indicadores de etnias, nacionalidade, etc. Todos sabemos que há a preocupação por estarmos a receber comunidades que têm pouca ligação cultural a nós. E acontece que algumas dessas comunidades estão ser objeto de doutrinação radical, do ponto de vista religioso. E isso pode levar a confrontos civilizacionais ou culturais, entre os nossos residentes e eles. Não se pode permitir que um grupo de jovens portugueses estejam numa esplanada a beber álcool e passarem imigrantes de origem islâmica e começarem a protestar porque os jovens estão a beber álcool.Estamos em Portugal, não num país muçulmano”.

E é aqui que alguns responsáveis policiais dizem que muitos políticos estão a cometer um grande erro ao recusarem a existência de problemas graves, quer no Porto como em Lisboa. Tem a palavra um oficial da cidade Invicta, que explica o que se passou na noite em que um grupo selvagem de portugueses agrediu imigrantes magrebinos: “Sim, está provado que há um aumento significativo de assaltos naquela e noutras zonas do Porto. Provavelmente aquilo que aconteceu no outro dia é um bocado a resposta da justiça popular. Acredito que seja isso, porque não parece que haja aqui um grupo, e não tínhamos conhecimento de nenhum, que andasse aí a agredir pessoas só por serem de outro país ou de outra nacionalidade. Isso não é comum no Porto, nunca tinha acontecido. Um grupo entrar numa casa de estrangeiros e começar a bater neles, a destruir tudo, não é normal. Provavelmente isto reflete uma ideia de ineficácia da polícia, no controlo de alguns tipos de crime, sobretudo os de furto, a pequena criminalidade, que, no fundo, cria alarme social num determinado local. E é verdade que naquela zona do Campo 24 de Agosto, tem um Continente, tem um MacDonalds, é um centro que tem Metro, etc., e se nós formos lá hoje e compararmos com aquilo que acontecia há cinco anos, não tem nada a ver. Depois é claro que os furtos a carteiras, as ameaças, aquela é uma zona frequentada por uma população muito idosa, que sempre morou ali, e essas pessoas são as que sentem mais insegurança. É a avó que foi assaltada, é a mãe que foi roubada, é o pai que foi agredido, claro que depois vê-se que a Polícia não consegue dar resposta que as pessoas gostariam. Depois cai-se nessa situação muito perigosa de as pessoas quererem fazer justiça pelas próprias mãos. E tem a ver com aquela opinião formada de que a Polícia não consegue resolver nada, que é só uma perda de tempo e então começam a pensar numa solução perigosa e desumana”.

Agressão a mulheres de minissaia

O choque cultural é outro dos problemas para quem está desenraizado e sem perspetivas de futuro. “Temos tido problemas com imigrantes que não estão habituados aos nossos costumes, e como no país deles há coisas que não são aceites culturalmente, acham que também devem ser proibidas em Portugal. Temos conhecimento de muitos insultos e agressões a mulheres. Chegam a empurrar as raparigas, apalpam-nas, e, por vezes, até lhes batem. Até chegou a estar sinalizado um grupo de dois ou três que pura e simplesmente aproveitavam para agredir as miúdas que andavam de minissaia ou com grandes decotes. Tanto que chegámos a pedir à Unidade Especial de Polícia para estar atenta quando ia fazer segurança à noite do Porto. E, estranhamente, alguns parece que nem têm receio da Polícia, às vezes é estranho”.

Opinião completamente contrária tem outro elemento da PSP. “O aumento da criminalidade não tem nada a ver com a migração”. E sobre a agressão aos imigrantes? “O que aconteceu naquela agressão não teve nada a ver com isso. Por acaso eles eram imigrantes mas a quem eles foram fazer o assalto, se tivessem sido portugueses a assaltar aquela gente, tinha acontecido a mesma coisa. Aquilo que está a acontecer é muito simples. Imaginemos que 10% das comunidades cometem crimes. Eu tenho 500 mil imigrantes, vou ter 50 mil pessoas a cometer crimes. Mas se a minha comunidade estrangeira passar a um milhão, vou passar a ter 100 mil, o dobro. Se nós dois formos, com a nossa cultura, num dia de verão a Nova Iorque e estivermos numa praça qualquer a beber uma cerveja, vamos cometer um crime. Estamos a beber uma cerveja num espaço público. E não temos noção que isso é um crime. Em Portugal estamos a ter um choque cultural e neste choque temos que perceber o que é verdadeiramente o crime para ganhar dinheiro e o que são condutas que têm muito a ver com a cultura. Para muita gente que vem desses países asiáticos e do Magrebe, o ter carta de condução para eles é uma coisa um bocado estranha porque não é preciso ter carta, e cá em Portugal é. É chato mas é verdade. Cá em Portugal não se pode assinar documentos por outros, é crime de falsificação. Para eles isso não existe. Acho que é um tema tão complexo e está a falar-se com muita ligeireza e muito alarmismo e fico um bocado preocupado com isso”.