Geórgia. O sonho europeu

Geórgia. O sonho europeu


A ação do Governo tem sido marcada por uma deriva antidemocrática. Os georgianos decidirão, em outubro, o futuro do seu país nas urnas.


A Geórgia tem sido, nos últimos tempos, palco de manifestações e voltou a estar no radar da política internacional. O pequeno país do Cáucaso saiu à rua em protesto contra um Governo que parece estar cada vez mais amarrado a Moscovo e com os indicadores democráticos em queda, o que pode minar a adesão georgiana à União Europeia – um desejo que não é de agora.

«Uma investigação de março de 2022 descobriu que 41% dos georgianos sente uma regressão democrática», refere um artigo de Lindsay Maizland para o Council on Foreign Relations. Maizland acrescenta ainda que o partido no poder desde 2012 «tem sido acusado de expandir o seu controlo sobre as instituições estatais e forças de segurança, infringindo no trabalho da sociedade civil e nos média independentes e ainda cometendo irregularidades eleitorais».

A lei «agente estrangeiro» foi um dos propulsores da convulsão recente, mas desde que o Partido Sonho Georgiano – cujo fundador ainda mantém ligações negociais com a Rússia – chegou ao Governo que a realidade política tem sido, de certa forma, conturbada.

O «agente estrangeiro»

À semelhança da proposta de lei que foi apresentada em março do ano passado – que acabou por cair após duas noites de protestos intensos – o Governo voltou à carga com a medida que prevê que todos os agentes e organizações não governamentais que recebam mais de 20% do seu financiamento total do exterior se declarem como agentes de influência externa –caso não o façam, serão penalizados de uma forma significativa.

A justificação da medida é de uma maior transparência e de um combate a «valores pseudoliberais», com avançou a Reuters no mês passado. O executivo afirma ainda que teve como inspiração uma norma legal norte-americana, o Foreign Agents Registration Act. Contudo, existe uma semelhança mais evidente com uma ação do Kremlin que data de 2012, que também usou um instrumento legal parecido de modo a controlar alegados atos de dissidência por parte de jornalistas, ativistas ambientais e até de políticos.

E é aqui que Tbilisi entra em derrapagem democrática, com a medida a ser apelidada de «lei Russa» pela oposição. Com eleições agendadas para o próximo mês de outubro, o Sonho Georgiano também tem operado no sentido de controlar a comissão eleitoral.

Sonho europeu e a influência russa

Esta deriva leva os mais europeístas a temer que tais restrições ao pleno funcionamento democrático coloquem em xeque o sonho de uma adesão à União Europeia. É de lembrar que a Geórgia está no mais recente lote de candidatos à União, juntamente com a Albânia, Bósnia e Herzegovina, Moldávia, Montenegro, Macedónia do Norte, Sérvia, Ucrânia e ainda com a Turquia – o eterno candidato. Segundo o artigo publicado no Council on Foreign Relations que foi referido anteriormente, 88% dos georgianos estão a favor da adesão ao projeto europeu.

No último mês, os protestos de cariz europeísta impulsionados pela medida anteriormente descrita vieram também na sequência de uma alegação por parte de um representante do Governo. «No passado mês de dezembro tornámo-nos candidatos, o próximo passo é a adesão», afirmou Irakli Garibashvili. Mas concluía, em sentido contrário: «Neste momento, não estamos em condições de nos tornarmos um Estado-membro». Estas palavras, citadas pelo Politico, foram também responsáveis pela ansiedade que se fez sentir na capital georgiana.

Os protestos, que levaram milhares de georgianos às ruas, foram alvo de uma considerável, e até violenta, intervenção policial, o que mereceu a condenação tanto da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, quanto do alto representante da Política Externa e de Segurança da União, Josep Borrell.

Von der Leyen escreveu, na sua conta do X, que está a «acompanhar a situação na Geórgia com grande preocupação» e condena «a violência nas ruas de Tbilisi». «A população georgiana quer um futuro europeu para o seu país. A Geórgia está numa encruzilhada e deve manter-se no caminho da Europa», concluiu.

Já o chefe da diplomacia europeia, através do mesmo meio, condenou «firmemente a violência contra os manifestantes na Geórgia que se demonstravam pacificamente contra a lei de influência externa». «A Geórgia é um candidato à UE e apelo às suas autoridades que garantam o direito de manifestação pacífica. O uso da força para a suprimir é inaceitável».

Mas, e como todos os temas que polarizam e dividem, existe resistência por parte dos apoiantes do Governo, que veem a medida como necessária para garantir a soberania da Geórgia, segundo a Euronews. Tal soberania foi ameaçada em 2008, quando a Rússia lançou uma incursão sobre algumas zonas do território georgiano, o que foi, curiosamente o que colocou o agora partido no Governo na rampa de lançamento para as eleições de 2012, ato eleitoral que venceram – resultado que foi revalidado nas últimas duas eleições. Isto coloca a realidade política da Geórgia numa situação paradoxal, já que – e ainda apoiando timidamente a Ucrânia – este Governo, cujo primeiro-ministro atribuiu culpas à expansão da NATO, não uniu esforços com o ocidente nas sanções ao Kremlin e teve como objetivo a normalização das relações Tbilisi-Moscovo.

A postura presidencial e o futuro

A Presidente da Geórgia, Salome Zourabichvili, cuja candidatura foi apoiada pelo Sonho Georgiano, também tem desferido ataques à ação do partido que chefia o executivo e opôs-se publicamente ao polémico projeto de lei. Classificou ainda os meios policiais usados contra os manifestantes como «injustificados, não-provocados e desproporcionais», prometendo vetar a lei caso passe no parlamento.

Prevê-se um braço de ferro entre as instituições do sistema político georgiano e, enquanto isso, as aspirações europeias ficam estagnadas. A população da Geórgia dará o seu veredicto definitivo nas urnas em outubro, onde decidirá não apenas o futuro Governo, mas também – e ainda mais importante – a futura posição e alinhamento do país. Em cima da mesa estão duas opções: mudança e caminho europeu ou continuação e queda definitiva na esfera de influência do Kremlin.