A Crise na justiça penal olhada pelo outro lado do espelho


No Código de Processo Penal, a intervenção hierárquica do Ministério Público está praticamente reduzida à apreciação das reclamações contra os despachos de arquivamento de processos.


1. Trabalhei mais de quarenta anos no Ministério Público (MP) português.

Custa-me ver, por isso, como certos problemas, sem dúvida sérios, que, aparentemente, resultam apenas da atuação de uns poucos procuradores, são tratados, repetitiva e levianamente, em alguns media, por alguns agentes políticos – quase sempre os mesmos- como representando uma atitude e um comportamento geral e militantemente assumido pela generalidade dos magistrados do MP.

O MP não é, como sabemos, um partido com uma doutrina própria e um projeto de futuro definido.

Por alguns dos seus procuradores estarem, precisamente nos dias de hoje, a agir com uma margem de autonomia quase total, não deixam de ser equívocas e algo contraditórias as críticas que são dirigidas ao MP, enquanto instituição, como se ele, na realidade, atuasse processualmente como corpo coerente e disciplinado.

Não se entende, por isso, como, enquanto se continua a criticar a instituição MP, as referidas críticas visam, exatamente apenas, as atuações autónomas de um punhado dos seus magistrados.

Ou melhor, sendo contraditório, entende-se.

2. Hoje em dia, como referi, devido às alterações introduzidas na última versão do seu Estatuto (EMP), nem sequer pode dizer-se, com propriedade, que o MP age como um corpo de magistrados, subordinado à orientação do Procurador-Geral da República (PGR) ou à das chefias regionais ou departamentais.

É, assim, deplorável o jogo de enganos com que os comportamentos independentes de alguns procuradores são noticiados e, em simultâneo, se fala deles como se todo o MP fosse por eles responsável e agisse inteiro dessa mesma maneira.

Todos sabem que não é verdade, mas, mesmo assim, assumem que assim é e escrevem sobre tal ficção, como se fosse a realidade.

Esse MP imaginário não existe, porém, a não ser nas cabeças – muitas delas atormentadas – de tais críticos.

O MP serve, pois, neste caso, de moinho de Quixote onde alguns se entretêm a espetar, sem grande sentido institucional, mas com muito fel pessoal, as lanças verbais de que ainda dispõem.

Se atuações incorretas existem, por parte de magistrados concretos – e disso não me atrevo a duvidar -, elas estão, então, a ser criticadas pelo lado errado: pelo lado mais demagógico e ocioso, pois responsabilizando-se em nome delas todos os procuradores, não se responsabiliza, afinal, ninguém.

3. Na sequência da aprovação do novo Estatuto do MP (EMP) – como outros magistrados também fizeram – tomei posição pública escrita sobre os problemas concretos da organização, regimento e funcionamento das procuradorias.

Referi-me, em particular, à indefinição da autoria das decisões finais ou interlocutórias tomadas no seio das equipas de investigação integradas por mais de um procurador.

Acrescentei, ainda, que, na ausência de tal regulação, se dificultava igualmente o conhecimento, pelos outros sujeitos processuais, de quem é, afinal, o verdadeiro responsável pela decisão de, por exemplo, acusar ou arquivar um inquérito.

Dei conta, também neste jornal, da opinião de vários procuradores sobre as incongruências e obscuridades que a nova redação do Estatuto do Ministério Público (EMP) – inadvertidamente aprovada pelo poder político no parlamento (Lei n.º 2/2020, de 31/03) – comportava para o funcionamento de uma magistratura que, de acordo com a Constituição, deve ser e agir hierarquicamente organizada, para permitir aos tribunais concretizarem o princípio da igualdade de todos perante a lei.

Outros procuradores fizeram o mesmo, ainda que com perspetivas diferentes e em diferentes jornais.

Todos partilhávamos, porém, a ideia de que hierarquia no MP tem especialmente em vista possibilitar uma abordagem mais flexível e eficiente das investigações e um exercício da ação penal processualmente mais responsável, coerente e controlado.

A existência e funcionamento articulado de um corpo de magistrados hierarquizado, como era, antes do novo Estatuto, o do MP foi, aliás, determinante para que, no (novo) Código de Processo Penal (CPP), a direção do inquérito fosse atribuída esta magistratura.

Preocupava, isso sim, muitos magistrados, a falta de formalidade e transparência no exercício dos poderes processuais hierárquicos; era necessário, sustentava-se, saber quem era, afinal, o autor de uma qualquer decisão relevante tomada no decurso do inquérito criminal.

Em contrapartida, sempre se entendeu ser indispensável formalizar no próprio processo de inquérito tal tipo de intervenção superior, de modo a que ela fosse transparente e acessível aos sujeitos processuais e a outras pessoas com interesse no inquérito.

Quando o novo EMP entrou em vigor, logo se fez notar, assim, a necessidade urgente de reformar cirurgicamente o CPP, de molde a evitar a neutralização quase total da intervenção hierárquica processual no seio do MP.

O novo Estatuto só admitia como legítimas as raras intervenções hierárquicas previstas naquele Código.

Tais intervenções estão, com efeito, praticamente reduzidas à apreciação das reclamações contra despachos de arquivamento de processos.

Por isso, neste e em outros jornais, foram expostas as consequências que decorreram da publicação e, depois, da impugnação judicial da Diretiva dimanada da PGR,  e que tentava solucionar a indecifrável reforma do EMP.

Tal Diretiva pretendia, com efeito, na ausência de uma medida legislativa clarificadora, resolver – para alguns de forma juridicamente discutível, – o problema real da harmonização das normas do EMP com as do CPP em matéria de intervenção e direção hierárquica.

Salientaram, portanto, alguns procuradores preocupados com a evolução do modelo do MP a necessidade de se manter uma intervenção hierárquica desconcentrada, sem pôr em causa o poder de intervenção do PGR no desenvolvimento de alguns dos inquéritos criminais mais sensíveis.

Esta faculdade de intervenção direta e per saltum do PGR ficava, pois, como sempre acontecera, limitada a medidas concretas definidas na lei e ao cuidado a ter no acompanhamento de casos de grande impacto público e político.

4.  A partir de dado momento, e a convite do seu então presidente, Pedro Bacelar de Vasconcelos, os relatórios anuais do Gabinete Português da Eurojust passaram a ser apresentados e discutidos presencialmente, todos os anos, pelo Membro Nacional (MN) na Comissão de Direitos Liberdades e Garantias da Assembleia da República.

Estas intervenções no Parlamento em nada prejudicaram, todavia, a autonomia do MN: de certa forma, legitimaram mesmo, o sentido da sua intervenção naquele órgão europeu.

Serviram, igualmente, para esclarecer e atualizar o legislador nacional sobre matérias relativas ao funcionamento da Eurojust e as novas tendências do Direito europeu em matéria penal. 

Em apresentações mais recentes, foi, por exemplo, possível ao MN alertar aquela Comissão parlamentar para a inadequação, em termos de Direito Europeu, da competência do MP para a emissão de mandados de detenção nacionais e europeus, tal como ela está, ainda hoje, prevista e regulada na legislação nacional (CPP).

Deu-se conta, também, da ênfase que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) coloca no estatuto de «independência» do MP, para que este possa ser reconhecido como autoridade judiciária, para efeitos da cooperação judicial europeia: sim, o termo usado pelo TJUE é mesmo «independência» e não, como acontece entre nós, a eufemística qualificação de «autonomia».

O conceito de autoridade judicial (e judiciária) foi, entretanto, reivindicado pelo TJUE, como constituindo um acervo do Direito europeu.

Sei que muitas destas observações foram ouvidas e seriamente meditadas por deputados integrantes daquela Comissão Parlamentar, sem que, finalmente, tivessem tido oportunidade política para lhes dar concretização legislativa.

Sei eu, sabem eles, soube o Governo e soube a PGR.

5. É, por isso, imerecido que o pouco rigoroso discurso mediático e político sobre algumas destas questões, não refira – com a isenção que se exige – a iniciativa da difusão pelo próprio MP de artigos e de apontamentos jornalísticos críticos sobre os problemas sobrevindos com o novo EMP: eles existiram e eram certeiros.

Sem a notícia deles – porque apenas como consequência da prática processual tais situações se tornaram evidentes – o próprio discurso crítico de algumas personalidades não conseguiria, possivelmente, identificar alguns dos problemas e pormenores mais sérios e, bem assim, as soluções simples, aventadas publicamente pelos procuradores que as suscitaram.

Não, não é, pois, verdade que o MP – todo o MP – tenha acalentado e praticado soluções, que se demonstraram, em seguida à sua aprovação pelo parlamento, potencialmente perigosas e causadoras de bloqueios consideráveis no sistema de Justiça, bem como no normal funcionamento da Democracia.

Pelo contrário, vários procuradores exprimiram mesmo, publicamente, com frontalidade e em tempo útil, opiniões fundamentadas sobre as consequências negativas que algumas das novas normas do EMP e as práticas delas derivadas podiam acarretar para a retidão e exigível objetividade da intervenção processual desta magistratura; todavia, nada, nem ninguém, com competência para tanto, achou oportuno atuar.

A avaliação do desempenho global do MP e a determinação de responsabilidades de alguns dos seus magistrados não pode reconduzir-se, pois, à identificação e julgamento mediático dos nomes dos autores de uma ou outra intervenção mais ousada e estrondosa e capaz, por isso, de interferir – mesmo que só como dano colateral – no funcionamento regular das instituições democráticas.

Tal apreciação é, de resto, no essencial, matéria da competência do Conselho Superior do MP, que, como se sabe, integra significativo número de representantes do Parlamento (5) e do Governo (2).

No entanto, qualquer que seja a inspiração para a leitura das atuações desses magistrados e de quem os «dirige» – se assim se pode dizer – ela não deve centrar-se, sobretudo, na sempre fácil e populista exigência de fazer rolar cabeças.

Pelo menos as cabeças de quem nunca teve – e nisto devemos ser totalmente isentos e rigorosos – poderes efetivos para agir, como, em rigor, se exigiria que o fizesse, caso o quadro legal fosse outro.

Acresce que, nem o poder judicial, no plano da jurisdição administrativa onde pende, ainda, o recurso contra a já mencionada Diretiva, nem o poder político, através da sua função legislativa, ajudaram, de alguma maneira, a resolver, oportunamente, os problemas de há muito por todos conhecidos.

A ninguém interessa, no entanto, chorar, atualmente, por leite derramado, ou rasgar vestes de uma indignação tardia: isso, agora, nada resolve e, à boa maneira portuguesa, apenas permite sacudir água de múltiplos capotes.

A resolução das questões suscitadas deve situar-se, antes, no plano devido: o da procura urgente – consensual, se possível – mas não precipitada, de soluções legislativas certeiras e eficazes, para articular, cuidadosamente, a nova versão do EMP com o que o CPP estipula, com demasiada parcimónia, sobre a matéria.

A Crise na justiça penal olhada pelo outro lado do espelho


No Código de Processo Penal, a intervenção hierárquica do Ministério Público está praticamente reduzida à apreciação das reclamações contra os despachos de arquivamento de processos.


1. Trabalhei mais de quarenta anos no Ministério Público (MP) português.

Custa-me ver, por isso, como certos problemas, sem dúvida sérios, que, aparentemente, resultam apenas da atuação de uns poucos procuradores, são tratados, repetitiva e levianamente, em alguns media, por alguns agentes políticos – quase sempre os mesmos- como representando uma atitude e um comportamento geral e militantemente assumido pela generalidade dos magistrados do MP.

O MP não é, como sabemos, um partido com uma doutrina própria e um projeto de futuro definido.

Por alguns dos seus procuradores estarem, precisamente nos dias de hoje, a agir com uma margem de autonomia quase total, não deixam de ser equívocas e algo contraditórias as críticas que são dirigidas ao MP, enquanto instituição, como se ele, na realidade, atuasse processualmente como corpo coerente e disciplinado.

Não se entende, por isso, como, enquanto se continua a criticar a instituição MP, as referidas críticas visam, exatamente apenas, as atuações autónomas de um punhado dos seus magistrados.

Ou melhor, sendo contraditório, entende-se.

2. Hoje em dia, como referi, devido às alterações introduzidas na última versão do seu Estatuto (EMP), nem sequer pode dizer-se, com propriedade, que o MP age como um corpo de magistrados, subordinado à orientação do Procurador-Geral da República (PGR) ou à das chefias regionais ou departamentais.

É, assim, deplorável o jogo de enganos com que os comportamentos independentes de alguns procuradores são noticiados e, em simultâneo, se fala deles como se todo o MP fosse por eles responsável e agisse inteiro dessa mesma maneira.

Todos sabem que não é verdade, mas, mesmo assim, assumem que assim é e escrevem sobre tal ficção, como se fosse a realidade.

Esse MP imaginário não existe, porém, a não ser nas cabeças – muitas delas atormentadas – de tais críticos.

O MP serve, pois, neste caso, de moinho de Quixote onde alguns se entretêm a espetar, sem grande sentido institucional, mas com muito fel pessoal, as lanças verbais de que ainda dispõem.

Se atuações incorretas existem, por parte de magistrados concretos – e disso não me atrevo a duvidar -, elas estão, então, a ser criticadas pelo lado errado: pelo lado mais demagógico e ocioso, pois responsabilizando-se em nome delas todos os procuradores, não se responsabiliza, afinal, ninguém.

3. Na sequência da aprovação do novo Estatuto do MP (EMP) – como outros magistrados também fizeram – tomei posição pública escrita sobre os problemas concretos da organização, regimento e funcionamento das procuradorias.

Referi-me, em particular, à indefinição da autoria das decisões finais ou interlocutórias tomadas no seio das equipas de investigação integradas por mais de um procurador.

Acrescentei, ainda, que, na ausência de tal regulação, se dificultava igualmente o conhecimento, pelos outros sujeitos processuais, de quem é, afinal, o verdadeiro responsável pela decisão de, por exemplo, acusar ou arquivar um inquérito.

Dei conta, também neste jornal, da opinião de vários procuradores sobre as incongruências e obscuridades que a nova redação do Estatuto do Ministério Público (EMP) – inadvertidamente aprovada pelo poder político no parlamento (Lei n.º 2/2020, de 31/03) – comportava para o funcionamento de uma magistratura que, de acordo com a Constituição, deve ser e agir hierarquicamente organizada, para permitir aos tribunais concretizarem o princípio da igualdade de todos perante a lei.

Outros procuradores fizeram o mesmo, ainda que com perspetivas diferentes e em diferentes jornais.

Todos partilhávamos, porém, a ideia de que hierarquia no MP tem especialmente em vista possibilitar uma abordagem mais flexível e eficiente das investigações e um exercício da ação penal processualmente mais responsável, coerente e controlado.

A existência e funcionamento articulado de um corpo de magistrados hierarquizado, como era, antes do novo Estatuto, o do MP foi, aliás, determinante para que, no (novo) Código de Processo Penal (CPP), a direção do inquérito fosse atribuída esta magistratura.

Preocupava, isso sim, muitos magistrados, a falta de formalidade e transparência no exercício dos poderes processuais hierárquicos; era necessário, sustentava-se, saber quem era, afinal, o autor de uma qualquer decisão relevante tomada no decurso do inquérito criminal.

Em contrapartida, sempre se entendeu ser indispensável formalizar no próprio processo de inquérito tal tipo de intervenção superior, de modo a que ela fosse transparente e acessível aos sujeitos processuais e a outras pessoas com interesse no inquérito.

Quando o novo EMP entrou em vigor, logo se fez notar, assim, a necessidade urgente de reformar cirurgicamente o CPP, de molde a evitar a neutralização quase total da intervenção hierárquica processual no seio do MP.

O novo Estatuto só admitia como legítimas as raras intervenções hierárquicas previstas naquele Código.

Tais intervenções estão, com efeito, praticamente reduzidas à apreciação das reclamações contra despachos de arquivamento de processos.

Por isso, neste e em outros jornais, foram expostas as consequências que decorreram da publicação e, depois, da impugnação judicial da Diretiva dimanada da PGR,  e que tentava solucionar a indecifrável reforma do EMP.

Tal Diretiva pretendia, com efeito, na ausência de uma medida legislativa clarificadora, resolver – para alguns de forma juridicamente discutível, – o problema real da harmonização das normas do EMP com as do CPP em matéria de intervenção e direção hierárquica.

Salientaram, portanto, alguns procuradores preocupados com a evolução do modelo do MP a necessidade de se manter uma intervenção hierárquica desconcentrada, sem pôr em causa o poder de intervenção do PGR no desenvolvimento de alguns dos inquéritos criminais mais sensíveis.

Esta faculdade de intervenção direta e per saltum do PGR ficava, pois, como sempre acontecera, limitada a medidas concretas definidas na lei e ao cuidado a ter no acompanhamento de casos de grande impacto público e político.

4.  A partir de dado momento, e a convite do seu então presidente, Pedro Bacelar de Vasconcelos, os relatórios anuais do Gabinete Português da Eurojust passaram a ser apresentados e discutidos presencialmente, todos os anos, pelo Membro Nacional (MN) na Comissão de Direitos Liberdades e Garantias da Assembleia da República.

Estas intervenções no Parlamento em nada prejudicaram, todavia, a autonomia do MN: de certa forma, legitimaram mesmo, o sentido da sua intervenção naquele órgão europeu.

Serviram, igualmente, para esclarecer e atualizar o legislador nacional sobre matérias relativas ao funcionamento da Eurojust e as novas tendências do Direito europeu em matéria penal. 

Em apresentações mais recentes, foi, por exemplo, possível ao MN alertar aquela Comissão parlamentar para a inadequação, em termos de Direito Europeu, da competência do MP para a emissão de mandados de detenção nacionais e europeus, tal como ela está, ainda hoje, prevista e regulada na legislação nacional (CPP).

Deu-se conta, também, da ênfase que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) coloca no estatuto de «independência» do MP, para que este possa ser reconhecido como autoridade judiciária, para efeitos da cooperação judicial europeia: sim, o termo usado pelo TJUE é mesmo «independência» e não, como acontece entre nós, a eufemística qualificação de «autonomia».

O conceito de autoridade judicial (e judiciária) foi, entretanto, reivindicado pelo TJUE, como constituindo um acervo do Direito europeu.

Sei que muitas destas observações foram ouvidas e seriamente meditadas por deputados integrantes daquela Comissão Parlamentar, sem que, finalmente, tivessem tido oportunidade política para lhes dar concretização legislativa.

Sei eu, sabem eles, soube o Governo e soube a PGR.

5. É, por isso, imerecido que o pouco rigoroso discurso mediático e político sobre algumas destas questões, não refira – com a isenção que se exige – a iniciativa da difusão pelo próprio MP de artigos e de apontamentos jornalísticos críticos sobre os problemas sobrevindos com o novo EMP: eles existiram e eram certeiros.

Sem a notícia deles – porque apenas como consequência da prática processual tais situações se tornaram evidentes – o próprio discurso crítico de algumas personalidades não conseguiria, possivelmente, identificar alguns dos problemas e pormenores mais sérios e, bem assim, as soluções simples, aventadas publicamente pelos procuradores que as suscitaram.

Não, não é, pois, verdade que o MP – todo o MP – tenha acalentado e praticado soluções, que se demonstraram, em seguida à sua aprovação pelo parlamento, potencialmente perigosas e causadoras de bloqueios consideráveis no sistema de Justiça, bem como no normal funcionamento da Democracia.

Pelo contrário, vários procuradores exprimiram mesmo, publicamente, com frontalidade e em tempo útil, opiniões fundamentadas sobre as consequências negativas que algumas das novas normas do EMP e as práticas delas derivadas podiam acarretar para a retidão e exigível objetividade da intervenção processual desta magistratura; todavia, nada, nem ninguém, com competência para tanto, achou oportuno atuar.

A avaliação do desempenho global do MP e a determinação de responsabilidades de alguns dos seus magistrados não pode reconduzir-se, pois, à identificação e julgamento mediático dos nomes dos autores de uma ou outra intervenção mais ousada e estrondosa e capaz, por isso, de interferir – mesmo que só como dano colateral – no funcionamento regular das instituições democráticas.

Tal apreciação é, de resto, no essencial, matéria da competência do Conselho Superior do MP, que, como se sabe, integra significativo número de representantes do Parlamento (5) e do Governo (2).

No entanto, qualquer que seja a inspiração para a leitura das atuações desses magistrados e de quem os «dirige» – se assim se pode dizer – ela não deve centrar-se, sobretudo, na sempre fácil e populista exigência de fazer rolar cabeças.

Pelo menos as cabeças de quem nunca teve – e nisto devemos ser totalmente isentos e rigorosos – poderes efetivos para agir, como, em rigor, se exigiria que o fizesse, caso o quadro legal fosse outro.

Acresce que, nem o poder judicial, no plano da jurisdição administrativa onde pende, ainda, o recurso contra a já mencionada Diretiva, nem o poder político, através da sua função legislativa, ajudaram, de alguma maneira, a resolver, oportunamente, os problemas de há muito por todos conhecidos.

A ninguém interessa, no entanto, chorar, atualmente, por leite derramado, ou rasgar vestes de uma indignação tardia: isso, agora, nada resolve e, à boa maneira portuguesa, apenas permite sacudir água de múltiplos capotes.

A resolução das questões suscitadas deve situar-se, antes, no plano devido: o da procura urgente – consensual, se possível – mas não precipitada, de soluções legislativas certeiras e eficazes, para articular, cuidadosamente, a nova versão do EMP com o que o CPP estipula, com demasiada parcimónia, sobre a matéria.