Escrevo numa tarde de trovoada. Os relâmpagos entrelaçam o céu com fios de luz ziguezagueantes.
Muitos conhecimentos da eletrotecnia surgiram de observações de fenómenos naturais cujas origens permaneceram misteriosas durante séculos, envoltos em ‘magia’ e deslumbramento. Eletricidade estática e magnetismo são das primeiras manifestações da eletrotecnia observadas empiricamente. Desde cedo a humanidade observou que certos materiais têm a capacidade de atrair outros materiais. É o caso do âmbar (‘elektron’ em grego) depois de friccionado, ou da magnetite (rochas comuns na região grega de Magnesia). Eletricidade estática e magnetismo perduraram como simples curiosidades pela era medieval e pelo renascimento, sem noção da natureza física do fenómeno. No entanto, constituem a base da tecnologia moderna e permitem-nos fazer a verdadeira ‘magia’ de iluminar cidades, comunicar quase instantaneamente entre pontos em lados opostos do planeta, automatizar transportes, tarefas domésticas e industriais, fazer cálculos a velocidade super-humana, e ter robots com inteligência artificial.
No início do sec. XVII, o físico inglês William Gilbert, considerado por muitos o pai da engenharia eletrotécnica, foi o primeiro a descrever os fenómenos da eletricidade e do magnetismo num contexto científico. Em 1600, no seu livro De Magnete (On the Magnet and Magnetic Bodies, and on the Great Magnet the Earth) usou pela primeira vez os termos ‘electricus’ (do Latim ‘electrum’ – como o âmbar) para descrever os materiais que, depois de friccionados, atraem pequenas partículas, e a palavra ‘electricity’ para descrever essa força de atração. Foi o início da expansão do estudo da eletricidade, em que as demonstrações públicas dos efeitos da eletricidade tornaram-se formas de entretenimento populares. Espetáculos itinerantes de saltimbancos incluíam efeitos da eletricidade estática para atrair objetos com forças invisíveis, gerar arcos voltaicos fulminantes, atear gases inflamáveis sem fogo, cativando as audiências com uma aura de magia e misticismo.
Foi então nos meados do sec. XVIII que a natureza elétrica do relâmpago começou a ser estudada. Seria possível que o relâmpago fosse criado por eletricidade estática? Em 1750, Benjamin Franklin, escritor, cientista, jornalista e diplomata americano, propôs uma experiência para confirmar esta hipótese: colocar um poste condutor no topo de um edifício e ligá-lo ao chão por um fio condutor para conduzir a carga existente nas nuvens para o chão e assim dissipar a energia e evitar danos nos edifícios. O físico francês Thomas-Francois Dalibard efetuou esta experiência a 10 de maio 1752 com um poste metálico de 12m junto de uma nuvem baixa. Apesar de não ter sido atingido por um relâmpago, relatos indicam que foram observadas faíscas no poste metálico, comprovando que as nuvens estão carregadas eletricamente.
Benjamin Franklin, entretanto, percebeu o perigo de efetuar a experiência com um poste metálico. Em vez disso, para confirmar as observações de Dalibard, fez uma suposta experiência a 19 de outubro de 1752 durante uma trovoada em que utilizou um papagaio-de-papel feito de seda (um material com baixa condutividade) num suporte metálico amarrado por uma corda de fibra de cânhamo que, quando ensopada de água da chuva, conseguiria conduzir a eletricidade até uma chave na outra ponta da corda. Na ponta da corda de fibras de cânhamo, junto à chave, foi atada uma outra corda de seda, que servia para manobrar o papagaio-de-papel com um material isolante. Felizmente o papagaio-de-papel não foi atingido por um raio, o que poderia ter sido fatal. Mas durante a experiência Benjamin conseguiu observar o eriçar das fibras da corda de cânhamo e faíscas quando aproximava a mão da chave metálica, ficando então convencido da existência de carga elétrica nas nuvens durante as trovoadas.
Atualmente os desafios da eletrotecnia são outros, mas a “magia” mantém-se viva e o fascínio impele novas ondas de descoberta. A sustentabilidade do planeta requer novas formas de produção, armazenamento e de integração das energias renováveis na rede elétrica. Requer novos sensores e redes de comunicação para monitorizar em tempo real a mudança climática e a ‘saúde’ do planeta. Requer a eletrificação, a automatização e a otimização do sistema de transportes, cidades e indústrias. Requer novas tecnologias de apoio a pessoas idosas e com necessidades especiais. E para isto acontecer temos de desenvolver computadores mais poderosos, robots mais sofisticados, e algoritmos mais eficientes, seguros e eticamente responsáveis.
Tal como no exemplo da descoberta da eletricidade do relâmpago, o desvendar da “magia” requer um complexo processo científico, em que o conhecimento evolui do esforço distribuído de muitos intervenientes e da combinação de múltiplas áreas. Experiências empíricas, desenvolvimentos teóricos, formulação de hipóteses, e interpretação de resultados, são processos iterativos, muitas vezes incertos e falíveis, mas quando enquadrados num ecossistema científico inclusivo e multidisciplinar, permitem progredir na direção certa. É neste contexto que o ensino da eletrotecnia evolui no Instituto Superior Técnico. Através do reconhecimento da importância do equilíbrio entre os conhecimentos teóricos e experimentais, da flexibilidade em explorar múltiplas áreas de engenharia, e de metodologias de ensino que promovam a criatividade e o trabalho em grupos multidisciplinares, conseguiremos desvendar a “magia” da eletrotecnia.
Professor do Instituto Superior Técnico e investigador do Instituto de Sistemas e Robótica (ISR-Lisboa)