A Europa parece querer viver o inverno de 2024 num misto de contrariedade e resignação. O inverno de 2024 na Ucrânia, traz-nos à memória outras guerras e outros invernos mais longínquos, que a história abrigou em séculos passados. Pelos mesmos locais e de forma igualmente devastadora e dramática.
Por essas alturas de inverno as infantarias procuravam as trincheiras e os abrigos para se defenderem. E tudo parecia parar o tempo da guerra, para o relançar de novo nas ofensivas da primavera que haveria de chegar. Mas hoje os ataques sistemáticos com mísseis de longo alcance e drones “não enregelam, nem têm medo do frio,” transformaram-se no quotidiano da vida dos ucranianos que se defendem da invasão do seu território.
Abordemos sucintamente três dos pontos mais decisivos, nesta opinião, e que atingem a capacidade estratégica da Europa: os factos consumados; a desconfiança e os objetivos da Federação Russa de desmoralizar e enfraquecer a vontade dos europeus no apoio à Ucrânia.
Os factos consumados – Enquanto a Europa e mesmo os Estados Unidos alinham por vezes diferentes prioridades nas suas políticas internas e até externas, a conquista e a ocupação de territórios da Ucrânia pela Rússia transformam-se num facto consumado. Tal como foi na Crimeia a partir de 2014. A Federação Russa controla cerca de 18% do território da Ucrânia, onde se inclui parte significativa dos 4 oblasts (Donetsk, Lugansk, Zaporizhzhia e Kherson) as agora designadas “Novas Regiões.” Habitam nestas zonas aproximadamente três milhões de habitantes e que durante este conflito passaram a ter o passaporte de nacionalidade russa. Encontra-se assim em marcha um rápido processo de russificação das populações autóctones, através dos meios administrativos e de propaganda oficial do Estado russo. É assim nas escolas, na administração pública, nos processos de emprego, no acesso a subsídios e pensões, na autorização de viagens. De igual forma na cultura, na história, na imprensa e até nas mudanças de símbolos e nas designações de toponímia das localidades. Tudo isto acompanhado de perseguições políticas e ausência de liberdade de expressão. Encoraja-se também a migração de cidadãos russos para estas regiões, oferecendo-se como atrativo novas habitações em construção. O próprio Presidente Vladimir Putin anuncia um robusto financiamento anual para estas quatro províncias. Em termos práticos, cada dia que passa faz aumentar as dificuldades destas regiões regressarem ao domínio político e administrativo da Ucrânia, mesmo que decorrente de um futuro acordo de paz.
A desconfiança – Instalou-se nos países europeus mais próximos geograficamente do conflito, um verdadeiro clima de desconfiança e até de medo, face às intenções geopolíticas futuras da Federação Russa. Tem feito eco constante desta realidade a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Destacam-se também, entre muitas outras, as recentes declarações do Ministro da Defesa Civil e do Chefe das Forças Armadas da Suécia, alertando para a possibilidade real de guerra na Europa. A que se seguiu a declaração enfática do Ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, referindo que um ataque russo poderá ocorrer dentro de 5 a 8 anos. São também várias as declarações de responsáveis polacos, país onde o aumento das despesas com a defesa é notório (4% do PIB). Esta semana foi também dado ênfase ao acordo entre os Estados Bálticos para um “plano comum de defesa” junto às suas fronteiras com a Rússia. Releva-se ainda pela sua importância nesta matéria, o recente acordo de Segurança e Cooperação, entre o Reino Unido e a Ucrânia, que Rishi Sunak fez questão de salientar junto de Volodymyr Zelensky, em plena cidade de Kiev.
Desmoralizar e enfraquecer a vontade dos europeus no apoio à Ucrânia – A guerra já vai longa na Europa e o cansaço atinge também as opiniões públicas e os próprios Estados. Os contendores sabem-no bem. O cansaço favorece por norma quem está em posição dominante.
Os sucessivos ataques russos às instalações energéticas ucranianas neste inverno e as baixas temperaturas, levaram mais de 1000 localidades a ficar sem eletricidade, conforme constata a operadora elétrica ucraniana Ukrenergo. Uma situação dramática e de difícil reparação em tempo adequado. A Ucrânia necessita de importar eletricidade da Roménia e da Eslováquia.
A Rússia nesta fase do conflito aumentou bastante os seus ataques em profundidade com mísseis e drones, que atingem as principais cidades da Ucrânia, nomeadamente em Kiev e Kharkiv alimentando o desespero junto da população civil. Na frente de batalha a contra-ofensiva ucraniana não produziu os resultados esperados e os avanços russos se bem que lentos são nesta fase mais notórios. Estima-se que a Rússia continue a ter larga vantagem na produção e aquisição de drones, face à Ucrânia. A Rússia duplicou o fabrico de carros de combate passando de 100 para 200 anuais. Os custos e a capacidade de obter munições de artilharia são também muito vantajosos, em relação às possibilidades demonstradas pelo Ocidente nesta matéria. Por outro lado a capacidade de recrutamento de pessoal militar na Rússia é bastante maior que na Ucrânia, que apresenta neste capítulo claras dificuldades. As declarações dos diplomatas russos nos fóruns internacionais e do Presidente Putin têm claramente como objetivo desmoralizar e enfraquecer por esta altura o apoio ocidental à Ucrânia. No entanto é de registar que a Ucrânia tem também obtido vitórias assinaláveis, em especial nos ataques realizados à frota russa no Mar Negro e na Crimeia, efetuando também com sucesso ataques em profundidade a alvos militares e a instalações críticas.
A Europa e a União Europeia necessitam de centrar-se na sua segurança e defesa. Com realismo. Com ou sem a sombra de Donald Trump, que já paira também sob a Europa. O exercício militar da NATO “Steadfast Defender 2024” em curso faz reviver os tempos da Guerra Fria. A Europa precisa contudo de se libertar das agruras deste inverno de 2024, e mostrar-se firme no apoio à Ucrânia, na defesa dos princípios da liberdade, democracia e da segurança europeia.
Eduardo Caetano de Sousa – Coronel e especialista em geopolítica