Júlio Moreira. Quando o mundo deixa de ser a nossa casa

Júlio Moreira. Quando o mundo deixa de ser a nossa casa


1929-2024. Arquiteto Paisagista e Escritor


Nós vivemos várias utopias e a utopia é uma maneira de nos conduzir a qualquer coisa, mas não uma coisa que se vá realizar. É uma coisa que nos orienta em determinadas direções», afirmava numa entrevista à Fundação Calouste Gulbenkian em 2021 a propósito do seu livro infantil, O Mundo é a nossa Casa, onde explica às crianças porque é que o mundo deixou de o ser. «Estar em equilíbrio com o mundo é usar todas as coisas sem destruir. É fazer crescer as plantas e os animais com o nosso trabalho, é não haver homens com fome, é não haver razões para guerras e violências, é viver o mundo como em nossa casa e ser capaz de viver a nossa única vida como uma», lê-se numa das passagens do livro ilustrado por Cristina Reis e que acabou por ser apreendido e destruído por ordem de Marcelo Caetano, à época chefe do governo. O livro voltou a ser reeditado em 2009.

O escritor e arquiteto paisagista Júlio Moreira, 94 anos, morreu no domingo, na sua residência em Lisboa, confirmou à agência Lusa um familiar. «Teve uma vida plena e cumpriu os seus dois últimos desejos: celebrar os 50 anos do 25 de Abril e os 50 anos de um amor intenso com [a galerista] Ana Viegas», afirmou a família em comunicado.

A sua exposição Landscape Design, que integrou a 2.ª Exposição de Design Português, promovida em 1973, como a Gulbenkian indica, é «considerada a primeira manifestação consistente de uma consciência ecológica em Portugal». Como arquiteto paisagista, enumera ainda a Fundação, interveio em espaços industriais, como as áreas envolventes do bairro operário A Tabaqueira, em 1966, teve colaborações em planos sobre espaços de interesse patrimonial, como o plano de reconversão do Mosteiro de Alcobaça, em 1995, e projetos em torno de espaços reservados, como aconteceu com os cemitérios de Carnide, em 1985, e do Lumiar, em 1999. Paralelamente tinha a sua atividade literária como tradutor e escritor. Dela fazem parte oito romances, entre os quais A Barragem, que foi distinguido com o Prémio P.E.N. Clube; duas obras ensaístas e foi ainda autor de várias livros didáticos e infantis. No seu blog confidenciou que escrevia tudo com caneta de tinta permanente marca Sheaffer, aparo de ouro, em papel de 80 gramas.