Os “transpolíticos”


À cidadania e aos media compete analisar cuidadosamente os nomes dos candidatos às legislativas e regionais para evitar mais casos, casinhos e escandaleiras.


1. Há muitos séculos que existem “transpoliticos”, independentemente do regime. Alguns mudam de opinião e de grupo por convicção profunda, mas muitos fazem-no por mero oportunismo. Uns são pequeninos nas suas convicções. Outros são figuras históricas que mudaram o curso da Humanidade. Basta dizer que o glorificado Winston Churchill saltou dos conservadores para os liberais para depois voltar ao ninho. Este fenómeno é, digamos, fruta da época pré-eleitoral que vivemos. Há casos de verdadeira transumância política. Seria a situação de Maló de Abreu, por sinal nascido no sul de Angola onde a transumância é histórica, se o ex-braço direito de Rio acabasse mesmo por integrar o Chega, como fez Henrique de Freitas, um ex-secretário de Estado da Defesa de um governo do PSD. Tal como o Bloco e o IL, o Chega formou-se também com base em muitos “transpolíticos”. Nesta fase, a mudança pode ser tentadora, uma vez que o partido de Ventura exibe grande potencial de crescimento. E também porque que a caça ao lugar na AD, que inclui CDS, independentes elegíveis e o resíduo do PPM, está agora dificultada. Outro género de “transpolíticos” em atividade nesta altura é o dinossauro autarca. Há muitos que saltam de um município para o outro ao fim de três mandatos, interrompendo por uma temporada, tentando depois voltar. É coisa que se vai repetir. Alguns estão já a pressionar para dar o salto para as listas de deputados por estarem no último mandato. São principalmente do PS e do PSD. Constituem um lóbi forte. Normalmente têm trejeitos de caciquismo, o que facilita a operação. No limite, esta espécie não hesita em assumir uma mutação, transformando-se em independente. Como no futebol, estamos na época das renovações e das transferências. Também mete negociações e negociatas. Neste caso – espera-se – que só políticas. Face aos “transpolíticos” e a outros fenómenos, convém que a cidadania e a comunicação social estejam atentas às listas de deputados. Importa escrutinar e esmiuçar o historial de todos. Não por bisbilhotice, mas para saber quem são, de onde nos chegam e que mochila de casos trazem ou não. Esta observação ornitológica de alguns passarões migratórios ou recém-chegados é uma forma de antecipar amanhãs dramáticos, denúncias e situações complexas que no seu jargão António Costa traduziu por casos e casinhos, embora alguns sejam monumentos de malandrice. Num país onde dois primeiros-ministros, vários ministros, secretários de Estado, inúmeros deputados, dezenas de autarcas (estes por vezes mais vítimas do que culpados devido ao sistema) são postos na berlinda pela Justiça, convém estar prevenido. É essencial proceder-se à depuração prévia das listas, a fim de evitar distúrbios digestivos ou mesmo intoxicações. Há também que exigir uma renovação qualitativa nos partidos, o que não é fácil. É preciso equilíbrio entre candidatos mais experientes, trabalhadores, respeitados e respeitadores de princípios e uma renovação assente no mérito, na qualificação e na capacidade profissional e política, diminuindo o arrivismo. É certo que a probabilidade de tal acontecer é baixa. Mas viver a vida sem esperança e alguma ingenuidade também não faz sentido.

2. Em bom rigor, ainda nada de substancial se sabe das propostas dos dois principais blocos (PS e AD) que concorrem às legislativas. Curiosamente, são os socialistas que estão mais adiantados, apesar de Pedro Nuno Santos ter acabado de chegar. Sabe-se que o seu braço direito, Alexandra Leitão, está a ultimar o programa de Governo. Já da AD e, sobretudo, do PSD pouco se conhece, apesar do tempo acumulado na oposição. Claro que há que pensar em soluções de fundo, ouvir a sociedade civil que o PSD quer agregar e mobilizar e também ter uma ideia do estado de coisas em que o PS deixa o país, para além da artificialidade da propaganda. Quem não anda na bolha político-mediática sabe bem que a sociedade se está a desmoronar em muitas áreas, que o país não cresce, antes empobrece comparativamente aos seus parceiros europeus. A economia é, obviamente, a única via para alterar o rumo, mas convenhamos que o PSD deveria estar mais adiantado. E, já agora, que se tivesse em conta que o eleitorado indígena está cada vez mais envelhecido e avesso a experimentalismos neoliberais.

3. Os programas do Bloco, PCP, Livre, Liberais e PAN também interessam, embora não venham de partidos candidatos diretos à governação. Todavia, podem ser decisivos na formação de maiorias à esquerda e à direita e inscreverem linhas vermelhas. É certo que a coerência política é coisa que, em Portugal, facilmente se negoceia. Os exemplos são múltiplos.

4. Quanto ao Chega, a estrela do momento, é fácil. O trajeto é agora programa supostamente mais abrangente e moderado, como parece resultar de algumas intervenções do indiscutível líder no congresso do fim de semana. Ventura, que se inspira na extrema direita europeia, sem nunca ser fascista, passou três dias a fazer o mesmo que os outros partidos, ao prometer coisas que sabe de antemão não poderem ser concedidas por falta de verbas. É a lógica de quem não está verdadeiramente à espera de governar, mas sabe que tem o maior potencial de crescimento entre todos os que concorrem. Esse discurso inteligente permite-lhe a flexibilidade de fazer pontes para os eleitores de uma direita mais clássica, sem perder o apoio “operário” que lhe dá substância nos votos contados por via do descontentamento óbvio das classes média baixa e trabalhadora, fartas de se sentirem parasitadas. Seja como for, o Chega continuará a ser apenas o resultado da vontade tática do seu caudilho. Ali, o presidente do “ajuntamento” é Ventura. Os outros dirigentes são decorativos e pouco têm para dizer. Tudo é um “one man show” que até se dá ao luxo de se desdizer sempre que o entende, ao radicalizar o discurso no palco e moderá-lo a seguir perante os jornalistas. A cobertura mediática do evento foi enorme, a organização correu sem falhas, o marketing político é eficaz. O Chega é nesta fase uma realidade relevante e deve crescer bastante.

5. Antes das legislativa, há eleições regionais nos Açores. São mais decisivas do que parecem. Desde logo porque os Açores são certamente a região (independentemente de ser autónoma) mais pobre do país, cheia de problemas sociais, apesar do seu potencial económico inexplorado devidamente, como a economia do Mar. Do arquipélago partiu historicamente uma comunidade gigantesca na busca da sobrevivência. Nos Açores, o PSD há muito que não ganha sozinho. Ultimamente para governar precisou do Chega. A coisa correu mal, o executivo caiu e há que voltar às urnas a menos de metade da jornada prevista. Uma derrota socialista nas regionais de 4 de fevereiro é o mínimo que os sociais-democratas têm de apresentar, se quiserem criar uma dinâmica nacional de vitória. Na Madeira, onde a propensão para o laranja sempre foi maior, a última ida às urnas não correu propriamente bem. Obrigou a uma coligação com uma única deputada liberal. Os madeirenses mostraram não ser bananas. Como será nos Açores depois da desavença com o Chega que exige uma diminuição dos apoios sociais? O certo é que qualquer resultado terá um forte impacto mediático no país todo e na emigração.

6. É óbvio que os agentes da PSP e os militares da GNR têm o mesmíssimo direito a um subsídio de risco do que os elementos da polícia judiciária. Todos correm riscos, mas são de natureza diferente. A judiciária investiga fundamentalmente depois das ocorrências. A GNR intervém em território normalmente rural e, portanto, menos povoado e tendencialmente mais pacato. Já à PSP compete o patrulhamento de zonas urbanas altamente violentas em todo o país. É inaceitável a diferença de tratamento adotada pelo governo. O mínimo que se exige é uma igualdade plena entre as três corporações. A propósito de segurança é cada vez mais inexplicável a função das polícias municipais. São basicamente fiscais armados, rebocadores de veículos e colocadores de radares de velocidade em locais onde absurdamente se limita a velocidade a 30 km, só para faturar.

Os “transpolíticos”


À cidadania e aos media compete analisar cuidadosamente os nomes dos candidatos às legislativas e regionais para evitar mais casos, casinhos e escandaleiras.


1. Há muitos séculos que existem “transpoliticos”, independentemente do regime. Alguns mudam de opinião e de grupo por convicção profunda, mas muitos fazem-no por mero oportunismo. Uns são pequeninos nas suas convicções. Outros são figuras históricas que mudaram o curso da Humanidade. Basta dizer que o glorificado Winston Churchill saltou dos conservadores para os liberais para depois voltar ao ninho. Este fenómeno é, digamos, fruta da época pré-eleitoral que vivemos. Há casos de verdadeira transumância política. Seria a situação de Maló de Abreu, por sinal nascido no sul de Angola onde a transumância é histórica, se o ex-braço direito de Rio acabasse mesmo por integrar o Chega, como fez Henrique de Freitas, um ex-secretário de Estado da Defesa de um governo do PSD. Tal como o Bloco e o IL, o Chega formou-se também com base em muitos “transpolíticos”. Nesta fase, a mudança pode ser tentadora, uma vez que o partido de Ventura exibe grande potencial de crescimento. E também porque que a caça ao lugar na AD, que inclui CDS, independentes elegíveis e o resíduo do PPM, está agora dificultada. Outro género de “transpolíticos” em atividade nesta altura é o dinossauro autarca. Há muitos que saltam de um município para o outro ao fim de três mandatos, interrompendo por uma temporada, tentando depois voltar. É coisa que se vai repetir. Alguns estão já a pressionar para dar o salto para as listas de deputados por estarem no último mandato. São principalmente do PS e do PSD. Constituem um lóbi forte. Normalmente têm trejeitos de caciquismo, o que facilita a operação. No limite, esta espécie não hesita em assumir uma mutação, transformando-se em independente. Como no futebol, estamos na época das renovações e das transferências. Também mete negociações e negociatas. Neste caso – espera-se – que só políticas. Face aos “transpolíticos” e a outros fenómenos, convém que a cidadania e a comunicação social estejam atentas às listas de deputados. Importa escrutinar e esmiuçar o historial de todos. Não por bisbilhotice, mas para saber quem são, de onde nos chegam e que mochila de casos trazem ou não. Esta observação ornitológica de alguns passarões migratórios ou recém-chegados é uma forma de antecipar amanhãs dramáticos, denúncias e situações complexas que no seu jargão António Costa traduziu por casos e casinhos, embora alguns sejam monumentos de malandrice. Num país onde dois primeiros-ministros, vários ministros, secretários de Estado, inúmeros deputados, dezenas de autarcas (estes por vezes mais vítimas do que culpados devido ao sistema) são postos na berlinda pela Justiça, convém estar prevenido. É essencial proceder-se à depuração prévia das listas, a fim de evitar distúrbios digestivos ou mesmo intoxicações. Há também que exigir uma renovação qualitativa nos partidos, o que não é fácil. É preciso equilíbrio entre candidatos mais experientes, trabalhadores, respeitados e respeitadores de princípios e uma renovação assente no mérito, na qualificação e na capacidade profissional e política, diminuindo o arrivismo. É certo que a probabilidade de tal acontecer é baixa. Mas viver a vida sem esperança e alguma ingenuidade também não faz sentido.

2. Em bom rigor, ainda nada de substancial se sabe das propostas dos dois principais blocos (PS e AD) que concorrem às legislativas. Curiosamente, são os socialistas que estão mais adiantados, apesar de Pedro Nuno Santos ter acabado de chegar. Sabe-se que o seu braço direito, Alexandra Leitão, está a ultimar o programa de Governo. Já da AD e, sobretudo, do PSD pouco se conhece, apesar do tempo acumulado na oposição. Claro que há que pensar em soluções de fundo, ouvir a sociedade civil que o PSD quer agregar e mobilizar e também ter uma ideia do estado de coisas em que o PS deixa o país, para além da artificialidade da propaganda. Quem não anda na bolha político-mediática sabe bem que a sociedade se está a desmoronar em muitas áreas, que o país não cresce, antes empobrece comparativamente aos seus parceiros europeus. A economia é, obviamente, a única via para alterar o rumo, mas convenhamos que o PSD deveria estar mais adiantado. E, já agora, que se tivesse em conta que o eleitorado indígena está cada vez mais envelhecido e avesso a experimentalismos neoliberais.

3. Os programas do Bloco, PCP, Livre, Liberais e PAN também interessam, embora não venham de partidos candidatos diretos à governação. Todavia, podem ser decisivos na formação de maiorias à esquerda e à direita e inscreverem linhas vermelhas. É certo que a coerência política é coisa que, em Portugal, facilmente se negoceia. Os exemplos são múltiplos.

4. Quanto ao Chega, a estrela do momento, é fácil. O trajeto é agora programa supostamente mais abrangente e moderado, como parece resultar de algumas intervenções do indiscutível líder no congresso do fim de semana. Ventura, que se inspira na extrema direita europeia, sem nunca ser fascista, passou três dias a fazer o mesmo que os outros partidos, ao prometer coisas que sabe de antemão não poderem ser concedidas por falta de verbas. É a lógica de quem não está verdadeiramente à espera de governar, mas sabe que tem o maior potencial de crescimento entre todos os que concorrem. Esse discurso inteligente permite-lhe a flexibilidade de fazer pontes para os eleitores de uma direita mais clássica, sem perder o apoio “operário” que lhe dá substância nos votos contados por via do descontentamento óbvio das classes média baixa e trabalhadora, fartas de se sentirem parasitadas. Seja como for, o Chega continuará a ser apenas o resultado da vontade tática do seu caudilho. Ali, o presidente do “ajuntamento” é Ventura. Os outros dirigentes são decorativos e pouco têm para dizer. Tudo é um “one man show” que até se dá ao luxo de se desdizer sempre que o entende, ao radicalizar o discurso no palco e moderá-lo a seguir perante os jornalistas. A cobertura mediática do evento foi enorme, a organização correu sem falhas, o marketing político é eficaz. O Chega é nesta fase uma realidade relevante e deve crescer bastante.

5. Antes das legislativa, há eleições regionais nos Açores. São mais decisivas do que parecem. Desde logo porque os Açores são certamente a região (independentemente de ser autónoma) mais pobre do país, cheia de problemas sociais, apesar do seu potencial económico inexplorado devidamente, como a economia do Mar. Do arquipélago partiu historicamente uma comunidade gigantesca na busca da sobrevivência. Nos Açores, o PSD há muito que não ganha sozinho. Ultimamente para governar precisou do Chega. A coisa correu mal, o executivo caiu e há que voltar às urnas a menos de metade da jornada prevista. Uma derrota socialista nas regionais de 4 de fevereiro é o mínimo que os sociais-democratas têm de apresentar, se quiserem criar uma dinâmica nacional de vitória. Na Madeira, onde a propensão para o laranja sempre foi maior, a última ida às urnas não correu propriamente bem. Obrigou a uma coligação com uma única deputada liberal. Os madeirenses mostraram não ser bananas. Como será nos Açores depois da desavença com o Chega que exige uma diminuição dos apoios sociais? O certo é que qualquer resultado terá um forte impacto mediático no país todo e na emigração.

6. É óbvio que os agentes da PSP e os militares da GNR têm o mesmíssimo direito a um subsídio de risco do que os elementos da polícia judiciária. Todos correm riscos, mas são de natureza diferente. A judiciária investiga fundamentalmente depois das ocorrências. A GNR intervém em território normalmente rural e, portanto, menos povoado e tendencialmente mais pacato. Já à PSP compete o patrulhamento de zonas urbanas altamente violentas em todo o país. É inaceitável a diferença de tratamento adotada pelo governo. O mínimo que se exige é uma igualdade plena entre as três corporações. A propósito de segurança é cada vez mais inexplicável a função das polícias municipais. São basicamente fiscais armados, rebocadores de veículos e colocadores de radares de velocidade em locais onde absurdamente se limita a velocidade a 30 km, só para faturar.