1. Se tudo se passou no caso da gémeas como disse o ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria a Vítor Gonçalves na RTP3 (até quando se vai esconder a melhor entrevista nacional num canal quase clandestino?), então estamos perante um enorme “Não Caso” de jornalismo. O médico Luís Pinheiro garantiu nunca ter sido contactado pelo Presidente Marcelo, por alguém da presidência ou por Lacerda Sales. Assegurou que não conhece e nunca falou com o filho do presidente. Disse que o caso lhe foi transmitido pela diretora de pediatria e sinalizado junto do hospital (estranha palavra) pela secretaria de Estado. Negou a existência de ordens superiores e justificou que, havendo antecedentes no uso do medicamento, não havia razão para evitar a sua administração, apesar do preço. Luís Pinheiro reforçou a convicção do que aqui já se escreveu. Mais parece um caso de “bullying” comunicacional do que outra coisa qualquer. Resta saber a razão pela qual Luís Pinheiro esteve tanto tempo calado. A mãe das crianças também falou à RTP (com a câmara claramente apontada, como a ética recomenda) e não confirmou ter contactado a atual nora do Presidente Marcelo para que fosse dada prioridade às suas filhas. Explicou até razoavelmente um percurso que não parece muito diferente de outros. Em termos políticos, o Chefe de Estado tem por agora a sua quota de popularidade em baixa. É o efeito somado do caso das gémeas, da autodemissão do primeiro-ministro e da dissolução dos parlamentos nacional e dos Açores. Mesmo assim, há razões para achar que o copo de Marcelo está meio cheio e não meio vazio. O maior problema para Marcelo (e o país) seria as legislativas produzirem um cenário de fragilidade governativa, o que não deixa de ser provável.
2. Sem surpresa, Pedro Nuno Santos (PNS) venceu claramente a corrida à liderança do PS. A campanha mostrou um partido mobilizado, combativo e que vai lutar pela manutenção do poder com o empenho dos seus militantes e simpatizantes, designadamente os muitos que ocupam milhares de lugares na gigantesca máquina do Estado, que foram ocupando ao longo dos 22 dos últimos 26 anos em que o partido governou. Na noite da vitória, PNS lançou-se num discurso em que apontou para um conjunto de problemas que estão por resolver e que vão dos mais desprotegidos às mulheres. Não teve medo de mostrar que há mesmo muito por fazer do ponto de vista social e económico. Mas não apresentou nenhuma medida política verdadeiramente inovadora, por exemplo na Saúde, na Segurança Social ou na Justiça. O novo líder não se cansou de elogiar António Costa, que se mostra ativíssimo na política, mantendo-se a referência nuclear de um PS que o seguirá para onde ele quiser ir, até para evitar que ele se transforme numa espécie de fantasma assombrador da sede do Largo do Rato, coisa que Costa garantiu que não quer. Foi no domingo na passagem da pasta de liderança do partido. Se ganhar as legislativas, uma das prioridades de PNS terá de ser a colocação política de António Costa, assim que seja liberto do colete de forças em que a Justiça o colocou. Mas não há dúvida de que PNS pôs Costa no passado ao mostrar-se mais fazedor, não hesitando em assumir os muitos sonhos que Costa deixou por concretizar. PNS já está na estrada para S. Bento. Pelo seu tom, poucas vezes, em quase 50 anos, terá sido tão clara a diferença entre um PS de esquerda inequívoca e um PSD de pendor social liberal sob a liderança de Montenegro. A escolha dos eleitores entre blocos à direita e à esquerda não é tão evidente desde os tempos da AD e de combates como as presidenciais Soares/Freitas. Compete aos portugueses escolher e pensar bem antes de votar, o que não é tarefa fácil. Isto se quiserem evitar uma situação de tipo bloco central. E também se forem contra a regionalização do país de que PNS lembrou defender. Lá está uma questão relativamente à qual existe resistência de grande parte de uma população receosa de ter de suportar uma classe política e administrativa ainda maior do que a gigantesca que já paga.
3. No meio disto, António Costa não perdeu tempo e está em campanha pessoal. Face à inconsistência de factos judiciários contra si, o primeiro-ministro em gestão passou ao ataque ao presidente da República e à procuradora-geral, responsabilizando-os pela crise política que o levou a demitir-se. Percebe-se, mas seria sempre impossível Costa manter-se face ao famoso o parágrafo da procuradora que anuncia que ele está a ser investigado. Mas ainda que, no limite fosse possível, era insuperável o momento em que António Costa ficou sem chão político ao saber-se que foram encontrados mais de 75 mil euros escondidos nas instalações do seu chefe de gabinete, contíguas às suas. Quanto a participar em campanhas e ter aspirações quanto à Europa ou à presidência da República é perfeitamente legítimo que o faça enquanto não for arguido. Começou brilhantemente essa etapa no passado dia sete, com corrosivos depoimentos televisivos durante o dia. Até que à noite beneficiou de um verdadeiro tempo de antena na TVI/CNN. Costa não anda por aí. Anda mesmo é nas televisões de cada um de nós e não tenciona sair de cena até maio, quando e se houver governo.
4. Está em curso uma investigação judicial que dá pelo nome de Origami (vá-se lá saber porquê). Envolve um alegado traficante de drogas que está em detenção, familiares dele e uma suposta ligação a Luís Newton, o todo poderoso presidente da Junta de Freguesia da Estrela e líder da concelhia de Lisboa. Newton não é acusado de nada, mas talvez fosse saudável que suspendesse a sua atividade política, a fim de evitar especulações.
5. Com o fim do ano civil, terminam o mandato algumas administrações de empresas do perímetro empresarial do Estado. Uma delas é a da RTP, onde a indicação formal é feita pelo chamado Conselho Geral Independente (CGI), cuja constituição tem, aliás, pouco de independente. Esse órgão era suposto ter produzido relatórios sobre a empresa, mas não há nota de o ter feito. Num momento eleitoral e num quadro em que há que repensar o papel de toda a comunicação social e designadamente aquela que o Estado tutela diretamente (Lusa e RTP) é importante congelar qualquer ação tendente a renovar ou nomear novos gestores, seja na comunicação seja no setor empresarial em geral. Mesmo obras programadas e não urgentes devem ser evitadas. Se é assim com o novo aeroporto, não há razão para não se proceder do mesmo modo em alguns setores. Lá está uma matéria que merece um olhar atento do Presidente da República e dos partidos de oposição à direita e à esquerda do PS.
6. Vamos outra vez para eleições com uma situação confusa no que diz respeito ao voto dos emigrantes e dos novos nacionais (que se calhar nem sabem onde o país fica, quanto mais quem se propõe governá-lo). Nos processos anteriores, verificou-se que se perdem os boletins enviados para fora, que alguns são devolvidos aos CTT pelos seus congéneres, que há dificuldades de acesso dos eleitores aos consulados ou que os boletins que chegam estão identificados de forma deficiente. São sucessivas situações lamentáveis e nunca corrigidas. As falhas já obrigaram a atrasar o apuramento nacional, num processo eleitoral longuíssimo (três meses entre uma dissolução e a votação é um absurdo). Normalmente, os quatro deputados eleitos pelos círculos da Europa e de Fora da Europa dividem-se entre o PS e o PSD. Só que, desta vez, há a hipótese do Chega também eleger, o que altera o cenário. Importa, pois, dar a devida atenção à organização da votação e ao apuramento, a fim de evitar atrasos, polémicas e de preservar a transparência democrática.
7. Histórias de uma Comporta Aberta…e o Carvalhal aqui tão perto é o terceiro livro da jornalista Cidalisa Guerra. Tal como já fez com a Comporta, relata agora histórias humanas e costumes do Carvalhal, a freguesia onde se verifica atualmente o maior desenvolvimento. É também lá que estão sediadas as praias mais concorridas da zona que genericamente chamamos Comporta, devido à importância que tinha e tem a emblemática herdade que marcou gerações. Os dois livros completam-se e servem para os locais revisitarem a sua história e origens e os forasteiros perceberem onde estão.