1. Uma das obrigações da cidadania e da comunicação social nos próximos tempos é esmiuçar as listas de deputados que serão apresentadas a sufrágio. Depois de anos sucessivos de escândalos, de “casos e casinhos”, esse escrutínio é essencial, a bem da República e da sua ética. Não se pode aceitar novamente a inclusão de meros aparelhistas, de gente sem vida profissional ou ligada a situações menos claras. Essa verificação compete em primeiro lugar aos órgãos dos partidos e, repete-se, à cidadania e à comunicação social. Não vale a pena insinuar que esse indispensável procedimento se pode comparar a uma caça às bruxas. Em todos os partidos há gente oportunista que deslustra a política, dando origem a escândalos de todos os géneros. A isso somam-se incompetentes, que se encontram no parlamento, nos governos, nas autarquias, nas empresas do Estado e em todos os lugares de nomeação. Há ainda uma desenfreada teia de interesses que se aproveita da burocracia, da legislação dúbia, promovendo negócios no mínimo estranhos, através de tráfico de influências ou mesmo de corrupção. Tudo isso, para além da degradação social, faz com que os portugueses estejam cada vez mais alheados da política ou se refugiem nos partidos de protesto, de direita e de esquerda, espartilhando o leque de opções e criando um quadro de difícil governabilidade. Daí resulta um inusitado potencial de abstencionistas e indecisos. A propósito, há especialistas que assinalam que a maioria das sondagens conhecidas até agora não assinalam nem valorizam suficientemente esse distanciamento. Se houvesse um crivo de idoneidade nas escolhas para deputados e depois para governantes, talvez a motivação para ir às urnas fosse maior.
2. Inteligentemente, o PSD transformou o seu congresso estatutário no verdadeiro arranque da campanha eleitoral. Luís Montenegro fez bem e aproveitou para se afirmar como um líder com potencial de vitória. A sua intervenção final foi sincera, honesta, sem fanfarronices e com uns laivos de humildade, o que só lhe fica bem. Aproveitou para tranquilizar os reformados e aposentados, reconhecidamente traumatizados pelas políticas que o PSD aplicou no tempo da troika, cortando pensões, ainda que a culpa da falência do país coubesse inteiramente ao governo Sócrates e ao seu partido. Montenegro optou por fazer promessas de futuro, o que é mais do mesmo politicamente. Faltou-lhe a chama de uma renovação humana e da revigoração do projeto. Talvez não houvesse tempo para isso em poucos dias, mas é um passo essencial para um partido que se quer reformista. As presenças de Cavaco Silva (inesperada) e de Manuela Ferreira Leite foram para Montenegro um atestado de confiabilidade, dado por duas figuras de referência de seriedade para a maioria dos portugueses. Pena que outros ex-líderes tenham faltado. A exceção compreensível é a de Marques Mendes, uma vez que é um comentador ativo e um putativo candidato a Belém. A outra será a de Santana Lopes, que se afastou do seu PPD/PSD, mas que continua a ser mais laranja do que muitos dos que por lá andam. Passos mantém-se discreto e distante. Ficava-lhe bem aparecer na campanha eleitoral, até para desfazer a persistente ideia de que está em divergência com Montenegro.
3. No PS, a caminhada de Pedro Nuno Santos (PNS) é feita em força e a de José Luís Carneiro em tranquilidade. Sendo o favorito, não é absolutamente certo que tenha a vitória esmagadora que se esperava. O ex-ministro fugiu ao debate direto com Carneiro. Sabe que é nesse terreno que tem mais fragilidades e pode sofrer mais danos políticos. Veremos se, ganhando, PNS vai mesmo aceitar um frente a frente com Luís Montenegro, que é forte a debater e até melhor do que a discursar. A sua tenacidade polémica como líder parlamentar dos sociais-democratas no tempo de Passos/Portas foi um contributo decisivo para o resultado da vitória insuficiente da coligação PSD/CDS que não chegou para evitar a geringonça. Para o PSD de Montenegro, a vitória de PNS permitiria mais facilmente clarificar as águas entre a esquerda e a direita. Já José Luís Carneiro acaba por disputar mais diretamente o eleitorado moderado, mas possibilitaria cenários menos radicais no pós-eleições. Abriria eventualmente as portas à viabilização de governos minoritários do PSD, se esse fosse um quadro possível. Uma coisa desejável no PS é que ambos os candidatos atuais sejam também candidatos a deputados. Veremos se há essa elevação. É desejável que a uma vitória não corresponda a saída do líder do parlamento como vem sendo hábito, prejudicando fortemente o exercício da oposição. A política tanto é digna e essencial no governo como no Parlamento a fiscalizar e legislar. A questão é particularmente importante no PSD, visto que ninguém assume a tentação de ser alternativa a Luís Montenegro. Passos Coelho tinha, segundo alguns dos seus próximos, essa intenção para o pós-europeias se o resultado fosse fraco. Com a demissão de Costa e a marcação de legislativas a hipótese está suspensa. É improvável que o seu nome volte a estar em cima da mesa nos próximos tempos.
4. Com o vergonhoso veto e a subsequente ausência do PS de Lisboa, Carlos Moedas evocou o 25 de Novembro de 1975 nos seus 48 anos numa cerimónia no local onde morreram dois militares dos comandos. A comemoração só foi oportuna na medida em que a data foi miseravelmente retirada da agenda das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, que vão durar até abril de 2025. O apagar da data é uma herança do espírito sectário de uma esquerda que a geringonça de certo modo representou, deslustrando a memória de Mário Soares, que liderou a resistência às tentações totalitárias esquerdistas da época. A esse propósito, duas figuras de referência para a democracia escreveram nos últimos dias textos notáveis no jornal Público. Um socialista histórico, Vítor Ramalho, referiu que “O 25 de Novembro faz parte integrante do dia inicial, inteiro e limpo”, aludindo ao poema de Sophia de Mello Breyner sobre o 25 de Abril. Já António Barreto escreveu que “em 1975, Novembro salvou Abril. Salvou a liberdade e a democracia (…) Não vingou, não matou, não prendeu, nem proibiu os responsáveis pela deriva autoritária e revolucionária”. O 25 de Novembro, com Ramalho Eanes e Melo Antunes como seus executantes e mentores, foi um momento chave que permitiu que todos os atos democráticos subsequentes se concretizassem. Sem ele não teríamos a democracia em que vivemos nem votaríamos novamente a 10 de março de 2024.
5. A situação do Banco Montepio (BM) merece permanente preocupação. As contas consolidadas mostram que, mesmo sem a venda do Finibanco, o BM teve apenas 94 milhões de euros de lucro, um resultado que é considerado fraco. De notar que a Caixa Agrícola, uma instituição de dimensão semelhante ao BM, tinha acumulado 224 milhões euros de lucro no final do terceiro trimestre. Com o prejuízo da venda do Finibanco, o resultado líquido do Banco Montepio no fim de setembro é de 21 milhões de prejuízo. Isto num ano em que os bancos têm sido altamente beneficiados por decisões de política económica.
6. Vão realizar-se eleições para a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) já no dia 6 de dezembro. Manuel Lemos vai ter um adversário, o que não é habitual. Trata-se de António Sérgio Brito Martins, Provedor da Misericórdia de Pampilhosa da Serra. Esta candidatura vem na lógica de colocar à frente da UMP um provedor, cargo que Manuel de Lemos não exerce. Em várias ocasiões António Sérgio tem alertado para o risco de colapso do modelo de parceria entre o Estado e o setor social. Fontes ligadas ao processo manifestaram, entretanto, algum desconforto pela data da eleição ser numa quarta-feira e não num sábado como habitualmente. Temem que tal possa desmobilizar os eleitores.