Rentrée: ‘Por aqui se vê o que resta do PC’

Rentrée: ‘Por aqui se vê o que resta do PC’


O arranque político do PCP dá-se na tradicional Festa do Avante! Politólogos antecipam discurso e acreditam que será focado nos problemas da habitação, saúde e educação.


A Festa do Avante!, que se realiza nos próximos três dias, marca a rentrée do PCP e também a primeira presente do novo secretário-geral do partido, Paulo Raimundo, eleito em novembro passado. Ao Nascer do SOL, os politólogos não esperam grandes surpresas em relação ao discurso do novo líder comunista, antevendo emas como a habitação, a educação e a saúde, que, aliás, foram confirmados no editorial do jornal Avante. «Como até agora, durante e depois da Festa, o PCP continuará a intervir por soluções, estimulando a mobilização e a luta em torno dessas mesmas respostas. Intervenção que contrasta com a atitude daqueles que sendo responsáveis pela política de direita – PS, PSD, CDS, Chega e IL – que afeta a vida da imensa maioria do povo, tudo fazem para desviar a atenção dos problemas e das soluções», diz a publicação.

José Filipe Pinto, investigador na área da ciência política, prevê «um extremar do discurso, uma crítica muito forte, não à direita em si, mas ao ao PS, a António Costa para mostrar que o PCP entrou na geringonça de boa fé, tentando melhorar as condições de vida dos trabalhadores. E que, afinal de contas, a quem os portugueses concederam uma maioria absoluta estão, na perspetiva do PCP, arrependidíssimos porque significa um retrocesso. Vamos encontrar a palavra retrocesso. Vamos encontrar seguramente a palavra de agravamento das condições de vida, vamos encontrar uma falta de uma política de saúde, de uma política de habitação. Vamos encontrar seguramente também uma denúncia do Governo estar ao serviço dos grandes grupos económicos e dos grandes grupos de interesses e depois do capitalismo».

De acordo com o politólogo, o PCP é um partido «altamente previsível» e não é a mudança de líder que vai alterar substancialmente o discurso, já que assenta em dois conceitos base: povo e elite. «E o povo para o PCP é o mesmo desde a fundação do partido, que ainda bebe no ideário da revolução socialista soviética. E depois no estalinismo, em que o povo são sempre os trabalhadores, os explorados, enquanto a elite é sempre o grande capital, não apenas o grande capital interno, mas o grande capital internacional», lembrando que resulta daí a sua oposição à União Europeia. «Quem tem esta noção de elite e de povo não é de prever que o seu discurso vá sofrer grandes alterações, independentemente da personalidade que lidera o partido».

José Filipe Pinto admite ainda que este ano Paulo Raimundo irá dizer que o PCP está sempre com os trabalhadores e que defende uma política de habitação, saúde, de escola pública e «tentar mostrar todos os descontentamentos de rua decorrem de um elemento muito simples: é que este Governo, que se diz de esquerda tem uma política de direita, e só está ao serviço dos grandes grupos de interesses e que tudo aquilo que tenha sido conseguido no tempo da geringonça volta a ser posto em causa».

Ainda assim, reconhece que poderemos vir a assistir a um elemento surpresa que é o facto de o Governo italiano estar a taxar os impostos extraordinários sobre a banca, lembrando que «António Costa que diz ser de esquerda nem sequer segue o exemplo de governos de extrema direita, em que Portugal se favorece os bancos, em que os portugueses foram chamados a salvar bancos para manterem o sistema quando o sistema explora de uma forma desajustada e excessiva».

Também Paula Espírito Santo acredita que o discurso de Paulo Raimundo será talvez o mais próximo das bases do PCP. «Apesar de todos os secretários-gerais do partido terem sempre um cuidado e uma atenção especial à classe trabalhadora, no caso de Paulo Raimundo e tendo em conta o seu perfil consegue aproximar-se mais, sobretudo das bases do partido, precisamente pela simplicidade da mensagem, pela forma até pouca organizada e planeada como elabora a mensagem e o discurso», antecipa ao Nascer do SOL.

‘Todos no mesmo barco’

A politóloga lembra que o público comunista não é propriamente dos mais críticos da ideologia, ainda para mais quando se apresenta «como um de nós», daí acreditar que vai ser sempre bem acolhido, pelo menos, internamente, uma vez que entende, que «não terá um discurso tão inflamador ou não ser propriamente galvanizador em relação aos públicos externos ou em relação ao eleitorado em geral». 

Quanto ao conteúdo, acredita que no plano ideológico «irá certamente ao encontro da cartilha corrente do Partido Comunista», acreditando que irá centrar-se nos problemas da habitação, do trabalho, na crise económica e na dificuldades dos trabalhadores em terem alguma justiça laboral. «É um líder muito diferente dos anteriores. Álvaro Cunhal tinha um nível intelectual altíssimo e de grande inteligência e Carlos Carvalhos tinha raízes mais aristocráticas, Paulo Raimundo é aquele que estará mais próximo do eleitorado das bases do PCP e já fez questão de destacar esse perfil junto de todos aqueles que estão com mais dificuldades e são aqueles que ganham o salário mínimo e que têm contas para pagar. É um discurso mais baseado na sua experiência de vida pelo exemplo que ‘estamos todos no mesmo barco’», salienta Paula Espírito Santo. 

Prova de fogo

Para José Filipe Pinto esta estreia de Paulo Raimundo na Festa do Avante! acabará por ser uma prova de fogo numa fase em que o partido está «desde há muito tempo num plano inclinado descendente», e, como tal, defende que, a partir daqui é preciso captar novos eleitores. E atira em relação ao evento:«Por aqui se vê o que resta do PC», mesmo admitindo que irá «cavalgar a onda de descontentamento».

Já quanto à escolha do novo secretário-geral, admite que ninguém esperaria que Paulo Raimundo fosse o eleito, até porque o partido, por norma, tem mecanismos que permitem identificar quem será o próximo líder. «E isso passa por um protagonismo que é concedido a esse futuro líder, como aconteceu com Jerónimo de Sousa e também com Carlos Carvalhas ou com todos os outros líderes do PCP. Paulo Raimundo nisso representou uma novidade, porque não tinha sido candidato a Presidente da República, nem ao Parlamento Europeu. Surge como que quase uma carta fora do baralho, mas que verdadeiramente corresponde à ideia do núcleo central do PCP, porque o partido, mesmo renovando os seus órgãos como o Comité Central, acaba por ter sempre a mesma linha ideológica, em que há poucas flutuações». 

O politólogo acrescenta que, em termos de atuação, não representa uma evolução. «O PCP foi um partido que teve sempre uma grande massa do seu eleitorado entre os operários e os camponeses. E hoje Paulo Raimundo percebe que também há uma parte da classe média baixa que se vê atingida por problemas que durante muito tempo incidiram especialmente sobre os trabalhadores agrícolas e sobre os operários. E no seu discurso vai procurar também alargar um pouco a sua base de apoio, porque sabe que o PCP está em queda eleitoral de uma forma contínua». 

Combater desigualdades

O editorial do Avante! destaca que é preciso aumentar salários, pensões e reformas. «Aumentos reais e significativos que façam verdadeiramente face ao aumento do custo de vida; garantir direitos laborais, contratos efetivos, horários regulados». E continua, no tom habitual: «Enquanto o Governo, com o seu discurso das contas certas, tudo faz para defender os interesses dos grupos económicos, outros há – PSD, CDS, Chega e IL – que com um discurso de aparente oposição, na prática, nada de diferente têm para oferecer, a não ser ainda mais exploração, mais entrega dos recursos do país aos grupos económicos, mais cortes nos salários, mais favores ao capital».