África deles


O grande jogo entre europeus, chineses, americanos e russos também decorre em África e as suas consequências estendem-se aos vários continentes.


   África continua a ser o continente do futuro, pelo extraordinário crescimento da sua população nos próximos anos, com um quarto da população a viver em África em 2050, pelos imensos recursos naturais e pelo elevado potencial de desenvolvimento económico e social.

            A China tem sido a grande vencedora da corrida aos recursos naturais, distribuindo créditos, construindo infra-estruturas e não fazendo perguntas inconvenientes aos diversos Governos. Não obstante há uma crescente consciência por parte dos dirigentes africanos quanto aos perigos da armadilha chinesa, assente num endividamento crescente, acompanhado da incapacidade de cumprir o serviço da dívida, substituído pela cedência de infra-estruturas (com destaque para os portos), direitos de mineração e licenças de extracção de madeiras tropicais.

            Em África a China abandonou a diplomacia “militarizada” que praticou durante as guerras de independência: formação de quadros militares e políticos e fornecimento de armas e munições. Este mercado não deixou de existir e para o satisfazer temos assistido nos últimos anos a um regresso em força da Rússia a África. Como Pequim, Moscovo beneficia de um grande capital de simpatia pelo apoio dispensado às lutas pela independência (basta lembrar o número muito significativo de abstenções nas votações das resoluções da Assembleia Geral da ONU sobre a invasão da Ucrânia). Em tempos recentes os russos multiplicaram o fornecimento de protecção armada aos detentores do poder, através do Grupo Wagner, treinam as forças armadas locais e fornecem armas e munições, fazendo-se pagar em recursos naturais. Se a instabilidade política de muitos dos Estados africanos anima o mercado da defesa fornecida pelos russos há também um crescente factor de pressão externa: o jihadismo que ameaça o Mali, Níger, Nigéria, Mauritânia, Togo, Burkina Faso, Chade, República Centro Africana e que controla vastas regiões do sul da Argélia e da Líbia e do leste do Sudão. Os jihadistas estão presentes e numa zona que acompanha o Sahel e que une o mar Vermelho ao Oceano Atlântico.

            A presença russa é querida por vários governos africanos e é popular junto das populações, muito em contraponto ao desamor votado às antigas potências coloniais, com destaque para França. O balanço das diversas intervenções no Sahel patrocinadas pelos franceses e financiadas pelos EUA é francamente negativo. O jihadismo não regrediu, os governos locais não reconquistaram o controlo de enormes extensões dos respectivos territórios e as populações locais manifestam-se contra a presença das forças “não russas”.

            A instabilidade política interna aumentou exponencialmente, com uma epidemia de golpes de Estado de inspiração militar (desde 2021: dois no Mali, um na Guiné, outro no Burkina Faso e o da semana passada no Níger). As organizações internacionais regionais, com destaque para a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) não têm sido capazes de passar ao uso da força e vê surgir uma coligação de Estados cujas juntas militares estão a desenvolver uma activa cooperação política, retirando eficácia às tentativas da CEDEAO de derrubar os governos putschistas.

            A queda da Françafrique e a perene desatenção dos EUA ao continente africano não foram compensadas por uma política da União Europeia. As consequências em matéria de fluxos migratórios e de terrorismo internacional far-se-ão sentir com cada vez maior intensidade e também na Europa.

 

 

 

 

África deles


O grande jogo entre europeus, chineses, americanos e russos também decorre em África e as suas consequências estendem-se aos vários continentes.


   África continua a ser o continente do futuro, pelo extraordinário crescimento da sua população nos próximos anos, com um quarto da população a viver em África em 2050, pelos imensos recursos naturais e pelo elevado potencial de desenvolvimento económico e social.

            A China tem sido a grande vencedora da corrida aos recursos naturais, distribuindo créditos, construindo infra-estruturas e não fazendo perguntas inconvenientes aos diversos Governos. Não obstante há uma crescente consciência por parte dos dirigentes africanos quanto aos perigos da armadilha chinesa, assente num endividamento crescente, acompanhado da incapacidade de cumprir o serviço da dívida, substituído pela cedência de infra-estruturas (com destaque para os portos), direitos de mineração e licenças de extracção de madeiras tropicais.

            Em África a China abandonou a diplomacia “militarizada” que praticou durante as guerras de independência: formação de quadros militares e políticos e fornecimento de armas e munições. Este mercado não deixou de existir e para o satisfazer temos assistido nos últimos anos a um regresso em força da Rússia a África. Como Pequim, Moscovo beneficia de um grande capital de simpatia pelo apoio dispensado às lutas pela independência (basta lembrar o número muito significativo de abstenções nas votações das resoluções da Assembleia Geral da ONU sobre a invasão da Ucrânia). Em tempos recentes os russos multiplicaram o fornecimento de protecção armada aos detentores do poder, através do Grupo Wagner, treinam as forças armadas locais e fornecem armas e munições, fazendo-se pagar em recursos naturais. Se a instabilidade política de muitos dos Estados africanos anima o mercado da defesa fornecida pelos russos há também um crescente factor de pressão externa: o jihadismo que ameaça o Mali, Níger, Nigéria, Mauritânia, Togo, Burkina Faso, Chade, República Centro Africana e que controla vastas regiões do sul da Argélia e da Líbia e do leste do Sudão. Os jihadistas estão presentes e numa zona que acompanha o Sahel e que une o mar Vermelho ao Oceano Atlântico.

            A presença russa é querida por vários governos africanos e é popular junto das populações, muito em contraponto ao desamor votado às antigas potências coloniais, com destaque para França. O balanço das diversas intervenções no Sahel patrocinadas pelos franceses e financiadas pelos EUA é francamente negativo. O jihadismo não regrediu, os governos locais não reconquistaram o controlo de enormes extensões dos respectivos territórios e as populações locais manifestam-se contra a presença das forças “não russas”.

            A instabilidade política interna aumentou exponencialmente, com uma epidemia de golpes de Estado de inspiração militar (desde 2021: dois no Mali, um na Guiné, outro no Burkina Faso e o da semana passada no Níger). As organizações internacionais regionais, com destaque para a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) não têm sido capazes de passar ao uso da força e vê surgir uma coligação de Estados cujas juntas militares estão a desenvolver uma activa cooperação política, retirando eficácia às tentativas da CEDEAO de derrubar os governos putschistas.

            A queda da Françafrique e a perene desatenção dos EUA ao continente africano não foram compensadas por uma política da União Europeia. As consequências em matéria de fluxos migratórios e de terrorismo internacional far-se-ão sentir com cada vez maior intensidade e também na Europa.