Por Clemente Pedro Nunes, Professor Catedrático do instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto “Por uma Democracia de Qualidade”
Na sequência do discurso de António Costa de 16 de fevereiro deste ano, a área da habitação em Portugal, e em especial o setor do arrendamento, entrou num período de convulsão que desgraçadamente ainda continua.
Nem os contributos das discussões públicas e parlamentares, entretanto efetuadas, nem as medidas que o Governo recentemente anunciou, conseguiram dissipar o profundo mal-estar que impede desde então o adequado funcionamento da economia social de mercado neste setor.
Cinco meses passados, o Governo continua ainda “preso no labirinto” revelado pelo power point de 16 de fevereiro, e aparentemente dele não quer sair.
E isso é um drama social crescente, sobretudo para as jovens famílias que procuram desesperadamente uma habitação na grande Lisboa e no Grande Porto.
Isto porque António Costa decidiu que o Governo se deve manter fiel ao que tinha negociado com os anteriores parceiros da “geringonça”, incluindo a manutenção do famigerado imposto Mortágua. Que se converteu numa verdadeira “arma de confisco” contra quem investe para proporcionar habitação às famílias portuguesas.
Neste quadro, a “habilidade política” de compensar este confisco com incentivos no IRS a futuros proprietários, é apenas uma “salada de medidas contraditórias” que se tornam globalmente tóxicas.
A economia social de mercado, para funcionar eficazmente, necessita de clareza de intenções, de racionalidade e de coerência.
As medidas de política pública podem ter um pendor mais económico ou mais social, de acordo com as circunstâncias e as orientações ideológicas dos diferentes Governos, mas têm que definir objetivos claros que motivem os agentes económicos para investirem, trabalharem e resolverem os problemas da habitação.
As poupanças dos portugueses têm de ser canalizadas para esta área socialmente prioritária.
Mas a inépcia política do Governo está infelizmente a impedir que isso aconteça!
Vejamos os ingredientes mais chocantes desta “política suicida”:
1 – O imposto Mortágua/AIMI é um imposto de verdadeiro confisco que recai seletivamente sobre quem investe para proporcionar habitação às famílias portuguesas.
Enquanto o Imposto Mortágua se aplicar, inclusivamente a casas que estão arrendadas por cinco e mais anos, quem é o investidor que acredita na boa-fé do Governo quando acena com incentivos fiscais em sede de IRS?
É uma contradição insanável que afugenta o investimento, diminui a oferta de habitação, e só faz subir as rendas.
2 – Ao aprovar subsídios de 200 euros de apoio às famílias atualmente em dificuldades para pagar rendas de 900 e mais euros, o Governo promove uma medida de apoio social que é de aplaudir.
Só que, ao mesmo tempo e ao contrário do que previa a Lei de 2012, decide negar qualquer subsídio aos inquilinos com rendas antigas e baixíssimas. O que arruína os proprietários de 151 mil imóveis de habitação que em Portugal continuam, por decisão do Governo da Geringonça, amarrados a contratos irracionais.
Então o Governo avança com subsídios de 200 euros mensais para ajudar inquilinos a pagar rendas de 900 euros e, ao mesmo tempo, nega-se a dar qualquer apoio aos inquilinos para que estes possam pagar aos proprietários uma renda social de 500 euros por um T2 no centro de Lisboa?
É que há, só na Grande Lisboa, mais de 72 600 contratos que têm rendas com valores inferiores a 100 euros mensais!
Trata-se duma contradição insanável, que só revela um completo desnorte estratégico por parte do Governo em matéria de política de habitação.
3 – A figura do “arrendamento coercivo” só serve na prática para afugentar investidores, nacionais e sobretudo estrangeiros, e para provocar prolongados conflitos judiciais envolvendo autarquias e proprietários.
É um gesto gratuito de pura destruição da confiança nas instituições que tem de estar subjacente à economia social de mercado.
E, como tal, anula qualquer efeito positivo que os anunciados incentivos fiscais em matéria de IRS poderiam induzir nos investidores para mobilizarem as suas poupanças.
Não admira, pois, que desde o dia 16 de fevereiro deste ano a situação do mercado de arrendamento habitacional não pare de se degradar, e que a generalidade dos agentes económicos do setor estejam extremamente pessimistas sobre a evolução futura do mercado de habitação.
Perante isto, mesmo destacados dirigentes do próprio Partido Socialista, como é o caso de Álvaro Beleza, declararam publicamente há poucos dias que “a política de habitação do atual Governo é um desastre”.
Afirmações como esta dão-me a esperança de que se possa ainda corrigir a situação e se eliminem as “contradições suicidas”, de forma que os investidores possam aumentar a oferta da habitação em Portugal, e assim evitar esta lamentável degradação social que o Governo tem vindo a fomentar de forma acelerada nos últimos cinco meses.
Uma Democracia de Qualidade exige que haja em Portugal uma nova política de habitação.