por Felícia Cabrita e Joana Faustino
Durante quatro anos, o BES pagou 5 milhões de euros a um ministro da República para que este servisse os interesses e projetos do grupo. Em troca, o banqueiro Ricardo Salgado assegurou-lhe o futuro: 15 mil euros por mês, longe dos olhares do fisco, além de uma belíssima reforma, ou, nas palavras do próprio Manuel Pinho, uma «prateleira dourada», que iria garantir «uma situação muitíssimo boa para toda a vida». Também a mulher do ministro, Alexandra Pinho, beneficiou com toda esta situação, tornando-se curadora da coleção do BES.
Estas foram as principais conclusões a que o Ministério Público (MP) chegou na sua investigação e que estão pormenorizadas ao longo do despacho de acusação de quase 600 páginas a que o Nascer do Sol teve acesso. No final, Manuel Pinho é acusado de quatro crimes (corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento de capitais e fraude fiscal), a mulher, Alexandra Pinho, de dois crimes (branqueamento de capitais e fraude fiscal) e Ricardo Salgado de três crimes (branqueamento, corrupção ativa e corrupção ativa para ato ilícito).
Os três foram acusados no âmbito do processo EDP, em que o Ministério Público acusa Pinho de ser um ‘espião’ do BES no Governo e de, com isso, receber um total de cinco milhões de euros.
Num flashback ao passado, os dois procuradores da República que redigiram o despacho de acusação, Carlos Casimiro e Hugo Neto, remontam a 1994, data em que Manuel Pinho e Ricardo Salgado se conheceram. Foi nesse ano que o antigo ministro iniciou a sua caminhada no universo Espírito Santo como vogal do Conselho de Administração do BES. Desde aí, Pinho recebeu do ‘saco azul’ do GES montantes mensais de 15 mil euros, assim como meio milhão de euros pagos numa única tranche, em maio de 2005, que acabou por declarar ao Fisco apenas 18 anos depois, à boleia do RERT III, que não implicava o repatriamento dos capitais declarados.
Começava a jornada de ocultação de dinheiro ao fisco com a abertura de sociedades com contas offshore, como a MASETE. Durante 10 anos, Manuel Pinho e Ricardo Salgado trabalharam diretamente, até que, em 2004, por decisão do banqueiro, Pinho viria a dar lugar a Amílcar Morais Pires, no seu cargo na Comissão Executiva do BES. Para ele, Salgado tinha planos mais elevados. Apesar de se encontrar numa situação laboral aparentemente de grande conforto, na véspera de tomar posse como ministro da Economia, em 2005, no Governo maioritário de José Sócrates, Pinho abdicou dos vários benefícios que tinha e ‘cessou’ – ainda que apenas formalmente – o seu contrato de trabalho com o BES. Contudo, tal não era necessário, uma vez que existe um regime legal que lhe permitiria tirar uma espécie de ‘licença sem vencimento’ e suspender as funções, voltando a elas quando terminasse o exercício do seu cargo público.
Se o podia fazer, porque não o fez? A resposta é simples: caso tivesse seguido esse caminho, o recém-empossado ministro da Economia deixaria de ter acesso a todos os dossiês relacionados com o BES, não podendo, desse modo, favorecer o grupo económico como estava alegadamente planeado.
Para o MP, fica claro que o ex-ministro revelou o desempenho de «um verdadeiro agente infiltrado do BES/GES no Governo da República», ao cessar as suas funções no banco para exercer funções como ministro «mercadejou com os cargos públicos que ocupou, violando os deveres de isenção e probidade a que se encontrava vinculado». Deste forma, consideram os procuradores, Pinho continuou «a pertencer, e a trabalhar, inclusive de modo mais produtivo para o grupo, não só como um ‘mero’ informador, mas, sobretudo, um verdadeiro agente infiltrado do BES/GES no Governo da República».
Pinho, de facto, agia como um verdadeiro ‘embaixador’ do grupo Espírito Santo. O MP assinala os negócios com o dedo de Pinho que favoreceram os interesses, diretos e indiretos, de Salgado. Por exemplo: aprovando e influenciando a aprovação de legislação no âmbito do setor do turismo, como foi o caso dos PIN; revogando a decisão da Autoridade da Concorrência sobre um dos três maiores clientes do BES, a Brisa; satisfazendo em contrarrelógio a pretensão da empresa do GES gerida pelo irmão de Salgado, a Águas do Vimeiro; apoiando a escolha da Herdade da Comporta como campo nacional candidato a receber a Ryder Cup. No âmbito deste processo, o MP pediu ao juiz de instrução que as medidas de coação se mantenham, ou seja, o ex-ministro permanecerá em prisão domiciliária com os seus bens móveis e imóveis, assim como os da companheira, arrestados. Depois de ter usado os mecanismos do Estado para proveito próprio e de terceiros, o MP pede ainda que Pinho fique impedido de exercer cargos políticos nos próximos dez anos.
No caso de Ricardo Salgado, o seu património já se encontra arrestado no âmbito do caso BES.
Recorde-se, contudo, que, no início deste mês, Manuel Pinho tinha recorrido do arresto da pensão de reforma e dos despachos relativos às buscas efetuadas na sua residência de Braga, onde está em prisão domiciliária.
Na altura, o seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, apontou para «ilegalidades» nas decisões tomadas pelo juiz Carlos Alexandre e pelo Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), falando em falta de proporcionalidade em relação ao levantamento dos bens de que Pinho era fiel depositário e considerando que as medidas serviam apenas para «castigar» o ex-ministro.
Em causa estava a apreensão, em novembro último, de bens como vinhos, uma peça de artesanato, uma máquina de ‘flippers’ e um saco com tacos de golfe, que Pinho alegada não terem qualquer relação com as vantagens supostamente obtidas através dos crimes imputados mas que, segundo um despacho do juiz do TCIC, o Ministério Público (MP) e os órgãos de polícia criminal (OPC) presentes não tinham de justificar.
Habeas corpus no Supremo
O advogado de Manuel Pinho apresentou, entretanto, no Supremo Tribunal de Justiça, um novo pedido de habeas corpus com vista ao levantamento imediato da medida de coação que o obriga a permanecer em casa, em prisão domiciliária.
A defesa alega que o MP ultrapassou em um dia o prazo de um ano para a acusação, que teria de ser deduzida e notificada ao arguido até 14 de dezembro. Ora, o despacho tem como data de conclusão 15 de dezembro, pelo que o advogado de Pinho argumenta que este está já em prisão ilegal.
Os juízes conselheiros do Supremo deverão pronunciar-se até ao Natal.