É a elas, às vítimas da corrupção, que dedico a reflexão de hoje, 9 de dezembro, data em que se assinala o dia internacional contra a corrupção.
E faço esta dedicatória pelas razões que procurarei explicar de seguida.
Primeiro, porque, como bem sabemos, as vítimas da corrupção somos nós todos. E somos vítimas de diversas formas. Desde logo porque as práticas corruptivas consomem parte dos orçamentos dos programas e do funcionamento das estruturas do Estado. E esses orçamentos, como bem sabemos (e sabemos bem!), são suportados através dos impostos que temos de pagar em permanência e de vários modos (impostos diretos e indiretos, taxas, taxinhas, etc.).
Recordemos, a propósito, os dados de um estudo realizado pelo Parlamento Europeu em 2018 (The Costs of Corruption Across the EU) que apontavam para um valor de custo da corrupção na ordem de 904 mil milhões de euros em todo o espaço da União Europeia, a que corresponderia uma fatia de cerca de 18,2 mil milhões de euros para o caso de Portugal, ou seja, algo como 7,9% do PIB, do nosso esforço coletivo ao longo do ano, como tive oportunidade de verificar aqui neste espaço em E tu corrupção, quanto nos custas? E estes números parecem estar a crescer, como sugere o mais recente relatório das Nações Unidas sobre o problema – The Costs of Corruption – que aponta para um valor médio global de cerca de 25% de perdas provocadas pela corrupção sobre as despesas públicas dos Estados.
Ao consumir parte dos orçamentos públicos, a corrupção reduz naturalmente a capacidade e a qualidade dos serviços e da ação do Estado junto dos mesmos cidadãos. Por outras palavras, o cidadão paga impostos para ter “lebre”, mas na realidade apenas lhe é servido “gato”. Por exemplo, quando, por via de um ato de corrupção, o empreiteiro de uma estrada pública consegue ver a aprovação do trabalho tendo aplicado um tapete de alcatrão apenas com metade da altura que estava projetada, está a reduzir a qualidade da execução dessa obra. Isso significará desde logo que o orçamento financiado pelo cidadão foi chamado a custear um trabalho que na realidade não foi executado adequadamente. Por isso, o mesmo cidadão será convocado mais cedo no tempo para financiar o custo natural e necessário para a repavimentação dessa mesma estrada, na medida em que o tapete de alcatrão afinal apresentou metade da durabilidade que era expectável.
E, para lá deste efeito, há ainda que apontar um terceiro custo, porventura mais erosivo, e de recuperação mais lenta, que é o que se associa à desconfiança e ao descrédito que se instala junto das entidades sobre as quais recaem suspeitas da presença de corrupção, nomeadamente quando essas suspeitas são objeto de mediatização ou de algum tipo de divulgação pública. Este efeito de desconfiança tem sido apontado por muitos autores como o mais perverso de todos os que estão associados à corrupção.
Efetivamente a confiança será um dos fatores maior importantes para a edificação e manutenção da coesão social. Sem confiança, será difícil acreditar em relações sociais e institucionais consistente e duradouras. E este valor importante, esta espécie de elo social, que é a confiança e a credibilidade, vai-se construindo, sedimentando e reforçando em permanência por todos os que a evidenciam nas suas relações sociais. Mas por vezes bastará “apenas” a ocorrência de um ato de fraude e corrupção praticado por uma pessoa dentro de uma organização, para que todo esse esforço coletivo de confiança e credibilidade sofra uma redução aos olhos dos cidadãos – afinal naquela determinada instituição existem pessoas que são capazes de praticar atos de fraude e corrupção.
E na realidade nenhuma instituição está livre destas possibilidades e de todos estes efeitos, na medida em que em qualquer uma podem exercer funções pessoas com perfis de integridade menos adequados para essas responsabilidades.
O cidadão e o seu superior interesse justificam, por todas as razões, que os gestores do Estado e das organizações que lhe dão forma (entidades políticas e do universo administrativo) cuidem de acautelar e garantir uma gestão adequada e de qualidade para o exercício das funções para as quais foram efetivamente criadas.
E o cidadão, organizado através da sociedade civil, não está desobrigado de exigir mais e melhor qualidade da ação do Estado e dos organismos públicos. Deve contribuir ativamente nesse sentido, mostrando indignação e intransigência sobre os casos que se vão conhecendo, e apresentando sobretudo propostas que possam contribuir para um controlo mais eficaz do problema e para a melhoria do funcionamento das próprias organizações.
Afinal, como qualquer vítima de um outro crime, é o seu interesse que está em causa.