Crédito  à habitação. Prepare-se para aumentos de mais de 100 euros por mês

Crédito à habitação. Prepare-se para aumentos de mais de 100 euros por mês


Os alarmes já soam junto de quem tem está a pagar a casa ao banco. E os dados não são animadores. Numa simulação feita para o jornal, as diferenças variam entre os 49 e os 125 euros, consoante o valor do imóvel. Analistas admitem que subida não vai parar e apontam para cenário de asfixia…


Se quem tem uma casa arrendada quase poderá suspirar de alívio ­– o Governo impôs um travão de 2% no aumento das rendas, independentemente da taxa de inflação ­–, o mesmo não acontece para quem está a pagar uma casa ao banco. Em causa está o aumento das taxas de juros por parte do Banco Central Europeu (BCE) em 0,75%. Tratou-se do segundo aumento consecutivo e representou uma nova subida histórica.

De acordo com as simulações feitas para o i do Comparaja.pt para um imóvel de 125 mil euros com uma duração do empréstimo a 33 anos e cujo juro, em julho a prestação estava nos 1,88%, mas com esta subida de juros de 0,75% passa de uma prestação mensal de 578,77 euros para 703,13 euros, ou seja, um aumento de 124,36 euros mensais.

Já para um caso de um imóvel de 186 mil euros, a pagar nos mesmos anos e com o mesmos juros, a prestação mensal passará de 423,87 euros em julho para 472,53 euros em setembro, um acréscimo de quase 49 euros por mês. No entanto, para uma casa no valor de 275 mil euros ­ – 33 anos de empréstimo com um juro de 1,88% – a prestação mensal passará de 932,52 euros em julho para 1039,57 euros em setembro, isto é, uma subida de quase 108 euros.

 

Alarmes soam

Esta subida já levou várias famílias a fazer pedidos de esclarecimento junto da Associação de Defesa dos Consumidores (Deco). A garantia foi dada ao i por Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da entidade ao reconhecer que muitos portugueses vão começar a ter problemas financeiros e dá como exemplo, um empréstimo de 150 mil euros, a 30 anos, com um spread de 1%, cuja revisão da Euribor seja feita este mês irá pagar em setembro 573 euros, um aumento de 124 euros face ao que acontecia há um ano.

E apesar de reconhecer que essas dificuldades poderão não ser imediatas, porque a subida da Euribor depende do indexante que foi contratado e a maioria está indexada a seis meses ou a um ano, há que somar estes acréscimos dos empréstimos bancários a outras subidas que se verificam no dia-a-dia. “Se juntarmos a inflação que está a afetar de forma significativa a alimentação, a energia, os combustíveis aos aumentos da Euribor é claro algumas famílias poderão começar a colocar em questão o pagamento pontual da prestação da casa”. No entanto, reconhece que irá não afetar todas as famílias da mesma forma, uma vez que depende do seus rendimentos, mas também do valor dos seus empréstimos e dos valores da dívida. “Há aqui vários cenários a ter em conta, mas os rendimentos não estão a acompanhar de forma nenhuma estes aumentos”, acrescenta.

Uma questão que ganha maior dimensão para quem contraiu créditos nos últimos anos, já que os preços das casas têm sido inflacionados e, como tal, os valores dos imóveis são bastante mais elevados. E os números falam por si. De acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o valor das casas calculado pelos bancos na hora de conceder empréstimos para a aquisição de habitação está a subir ininterruptamente há 11 meses, tendo aumentado dez euros em julho para 1417 euros por metro quadrado, o registo mais elevado desde janeiro de 2011.

 Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, garante que “esta alta dos juros começa gradualmente a refletir-se nos créditos à habitação à medida que chegam à data de revisão das taxas de juro, de acordo com a maturidade de cada crédito: a três meses, seis meses ou 12 meses”, referindo que “as prestações mensais agravam-se, o rendimento disponível das famílias diminui e as dificuldades financeiras aumentam”. E ao i salienta: “À medida que o rendimento disponível das famílias diminui penalizado pela subida da inflação, a taxa de juro é também mais um preço e que agora tende também em acompanhar a alta dos preços à medida que a inflação se agrava”.

Também o analista da XTB, Henrique Tomé, lembra que estes aumentos vão influenciar as taxas Euribor que servem como referência para os créditos habitação e, como tal, “nesse sentido, pode-se esperar que as famílias sejam afetadas, sendo que o poder de compra será naturalmente afetado”, referindo que a médio/longo prazo existe um risco das famílias entrarem em incumprimento, principalmente as que estejam demasiado alavancadas.

Em entrevista ao i, Ricardo Evangelista, Analista Sénior da ActivTrades, já tinha admitido que não tinha dúvidas: “A questão já não é se o BCE vai subir ou não as taxas de juro. É quanto é que vai subir?”. E face a isso admitia: “As famílias vão ter de começar a poupar mais, porque a prestação da casa sobe, o crédito fica mais caro e até aquelas coisas que, às vezes, se compram e que são uma pequena extravagância já não se vão poder comprar tão facilmente”.

No entanto, lembrou que ,ao contrário do que se verificou na crise de 2008/2009, em que os bancos centrais foram “muito mãos largas e iniciaram programas de compras monstruosos, cortaram as taxas de juro para níveis baixos”, enquanto os Governos, adotaram posturas muito mais restritivas, “com se fosse quase um culto da austeridade”, agora os papéis inverteram-se. Em relação ao Executivo garante que é preciso encontrar uma resposta, já que está-se a ver forçado a adotar uma postura mais generosa com os cidadãos e a evitar sobretudo cenários de austeridade que iriam ainda exacerbar mais esta crise”. Mas deixou uma garantia: “Não gostava nada de estar na pele das pessoas que têm que tomar estas decisões”.

 

Encontrar soluções

Mesmo reconhecendo as dificuldades que os portugueses irão ter pela frente, Natália Nunes acredita que é possível que haja sensibilidade por parte da banca em ajudar as famílias a encontrar soluções, como também espera que os consumidores que mal tenham a perceção de que vão ter dificuldades entrem imediatamente em contacto com os bancos. “Já passámos por isto, entre 2008 a 2012, em que as famílias tiveram muitas dificuldades, mas nessa altura havia ainda uma grande barreira em entrar em contacto contacto com a banca. Espero que neste momento essa barreira esteja já derrubada, até porque não querem repetir o que se passou nesses anos com o grande aumento que se verificou com os créditos malparados, daí ser ser importante que, neste momento, a banca tenha flexibilidade e abertura suficiente para tentar ajudar verdadeiramente as famílias porque ao estar a ajudar as famílias também está a ajudar-se e ela própria porque nem tem interesse que os seus clientes entrem em situação de incumprimento”.

Ainda esta segunda-feira, António Costa admitiu estar a analisar a situação dos créditos e que seria “provável” que venha a avançar com apoios para ajudar as famílias que têm créditos à habitação, face à escalada dos juros, no entanto, afirmou que seria necessário aguardar para ver se “as partes encontram boas soluções”.

Em cima da mesa poderão passar por medidas como moratórias, renegociação de créditos, reescalonamento e diferimento de pagamentos ou até voltar a permitir a dedução juros do crédito em sede de IRS.

Já o ministro das Finanças tinha dito que, perante a subida das taxas de juros e o consequente impacto nos orçamentos das famílias com o aumento dos créditos à habitação, o Governo iria estudar medidas para ajudar os portugueses, mas não se comprometeu com os juros a abaterem o IRS. Fernando Medina deu ainda como exemplo as moratórias implementadas durante o período da pandemia, destacando que foi um acordo europeu que não “envolveu a força orçamental.”

Ao i, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) garante que tem mantido um diálogo regular com o Governo para fazer o “acompanhamento de assuntos de interesse mútuo, como são, entre outros, os desenvolvimentos da atual conjuntura económica”. E diz que, entre esses desenvolvimentos, compreendem-se as preocupações com o caminho assumido pela inflação, que é preciso conter, e com a subida das taxas de juro desencadeada para essa contenção”.

No entanto, quanto às taxas de juro, a entidade liderada por Vítor Bento chama a atenção para o facto de que “as subidas a que se tem vindo a assistir continuam a situá-las num quadro de normalidade histórica e que os valores negativos ou extremamente baixos dos últimos anos é que se desviaram desse padrão”, acrescentando que “para se ter uma ideia dessa normalidade, registe-se que nos últimos 62 anos a média mensal do equivalente à Euribor a 3 meses se situou acima dos 2% em quase 80% dos meses (os 20% abaixo são os valores mais recentes) e que, em mais de metade desse período o seu valor esteve acima de 4%”.

Em relação às dificuldades que alguns devedores, nomeadamente famílias com crédito à habitação, possam enfrentar na transição para um cenário mais normal de taxas de juro, recorda que “os bancos credores estão habituados a procurar com os seus clientes as soluções que melhor se adequem aos seus problemas de transição, e existem instrumentos legais para enquadrar essas soluções”. E realça que “os bancos já demonstraram, na crise pandémica (e noutras ocasiões), estar atentos e responder às vulnerabilidades sociais e não deixarão de o voltar a fazer”.

Também Paulo Rosa diz que “moratórias em moldes semelhantes aos da pandemia e da grande recessão em 2008/09 estarão a ser equacionadas pelos vários governos europeus e português”, garantindo, ao mesmo tempo que, “o Executivo português pode também avançar com uma reposição de benefícios fiscais em sede de IRS para os juros pagos mensalmente nas prestações referentes ao crédito à habitação”.

Já Henrique Tomé lembra que em relação à subida das taxas, o Banco de Portugal “não tem autonomia em matéria de política monetária e por isso será obrigado a subir as taxas”. Mas acrescenta: “O Governo poderá adotar medidas para atenuar este efeito de taxas de juro mais altas”.

Também Natália Nunes considera que é difícil o Governo avançar com medidas. Ainda assim, reconhece que “podem ser tomadas algumas opções para atenuar este impacto”, defendendo que é necessário “privilegiar soluções que tenham em conta a situação em concreto das famílias”.

É certo que este risco existe e ainda esta semana foi reconhecido pela DBRS Morningstar que, apesar de admitir que os resultados dos grandes bancos portugueses foram “sólidos” no primeiro semestre, a crescente incerteza e o ambiente macroeconómico mais desafiador irão provavelmente pressionar a rentabilidade futura e a qualidade dos ativos.

Recorde-se que os cinco maiores bancos a operarem no mercado nacional – BCP, BPI, Santander Totta e Novo Banco – lucraram cerca de quatro milhões por dia nos primeiros seis meses do ano. E, na análise dos resultados dos grandes bancos portugueses na primeira metade deste ano, a DBRS afirma que nos primeiros seis meses do ano, “o rendimento líquido total dos maiores bancos portugueses quase duplicou em comparação com o mesmo período de 2021, principalmente devido a receitas mais elevadas e a menores custos de provisionamento e imparidades”.

 

O que esperar?

Mas os alertas não ficam por aqui. Depois destes dois aumentos consecutivos por parte do BCE, a entidade liderada por Christine Lagarde já assinalou que os aumentos são para se manter. Paulo Rosa faz a sua antevisão: “De acordo com o mercado monetário é expectável atualmente que as taxas de juro do BCE subam entre 100 a 125 pontos até ao final do ano e se fixem perto dos 2%, nomeadamente a taxa de juro dos depósitos do BCE. São mais duas reuniões, a 27 de outubro e a 15 de dezembro”.

Também Henrique Tomé diz que tudo dependerá do rumo que a inflação tomar. No entanto, lembra que durante as próximas reuniões, o BCE deverá aumentar ainda mais as taxas de juro para arrefecer a economia se a inflação permanecer em níveis elevados. “Espera-se que o BCE continue a aumentar as taxas de juro de referência para níveis bem acima daqueles que temos visto nos últimos anos. E segundo as últimas projeções deverá avançar com uma nova subida de 50 pontos base sobre as taxas, dado que a taxa de inflação permanece em níveis pouco desejados”.