Subitamente, o país constata que a “modernidade” e o “acabaram as políticas de austeridade” dos últimos vinte e dois anos de Governos socialistas, em vinte sete anos de democracia, não obviaram a que coisas que se julgavam simples e adquiridas, como ter a segurança de um abastecimento público de água potável para consumo humano, sejam apresentadas como impossíveis de cumprir face à nova seca.
Seca que é abordada como se tratasse de fenómeno inaudito dos deuses imprevisíveis, não suficientemente estudado nas faculdades de ciência do país, em que, aliás, portugueses ilustres, como o Professor Pinto Peixoto no passado e outros nos dias que correm, deram contributo notável ao mundo para a sua antecipação, como autores de verdadeiras bíblias da previsão meteorológica.
Será esta seca uma completa novidade? Em 2005 já o país tinha conhecido uma seca severa, tal como em 2012 e 2017, segundo dados divulgados pelo IPMA. E perante esta realidade que foi feito na previsão de eventos cujo perfil era antecipável na sua repetição? Rigorosamente nada.
Os recursos nacionais extorquidos à sociedade por imperatividade fiscal, cumprem o seu plano de responder à obesidade do aparelho do Estado e este trata de si e praticamente deixou aos deus dará o investimento público ou privado no incremento do potencial endógeno que se vai perdendo pelo país.
E a verdade é que estas disparidades quanto a infraestruturas em sociedades onde a qualidade e grandeza da governação se questiona, dá-se, no caso da água, por uma razão óbvia: falta de armazenamento de milhões de metros cúbicos para consumo humano e/ou aproveitamento para fins múltiplos.
E a seca, hoje previsível à distância com os modernos sistema de antecipação meteorológica, revela um Estado que vive das respostas à agenda do dia e não aos problemas há muito elencados, alguns com decénios, em proveniência de gerações.
O país como que se encontra sempre em permanente arranque da sua existência e recebe estas notícias como se a maioria destes problemas estruturais não estivessem consolidados à espera de respostas: é o caso da presente falta de água e a última constatação de insuficiência de abastecimento a grandes e pequenos centros urbanos.
E no meio das tragédias incendiárias que atingiu o país, o caso do Parque Natural da Serra da Estrela tem aspetos patéticos de especificidade averiguada, dado que falamos de uma das maiores concentrações aquíferas no quadro dos sistemas montanhosos europeus, o que não evitou a calamidade que atingiu aquele território.
Mas face a esta realidade, imagine-se as soluções governamentais anunciadas, que não passam por lançar uma grande reforma para aproveitamento e construção de mini-hídricas e barragens, retendo o enorme potencial de água ali existente, mas a proposta de aumento do preço do consumo a famílias e empresas, incluindo a sugestão de racionamento.
Este problema da água é bem o retrato da filosofia implantada como postura existencial do Estado português – cada vez mais obeso e burocratizado, cada vez mais caro e mais consumidor de recursos e da riqueza da Nação, para justificar a sua existência, naquilo que é hoje a sua indiscutível imagem: um fator que obstaculiza o desenvolvimento do país.
E este modelo de “apagar fogos”, não é uma rotina, mas a filosofia arreigada face à política de imediatismo político, na ausência de programas bem planeados e pensados em termos de estratégia económica e de desenvolvimento territorial.
Com efeito, uma política de investimentos que fosse subsidiária de uma visão integrada do país (há a certeza de que há ministro da economia?), revelar-se-ia aqui neste domínio – da falta de aproveitamento dos recursos hídricos existentes – como capaz de terminar com esta angustia regular da falta de água na previsão de secas regulares, como ajudaria à criação de uma dinâmica económica de emprego e valorização do território.
Mas como esperar que algo mude, quando depois dos festejos do anúncio e celebração do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) o tal instrumento bélico de natureza financeira que iria mudar a face do país – agora se corre para Bruxelas pedindo prorrogação de prazos para aplicar o PRR e os milhões subjacentes, confessando a incapacidade de aplicar tal programa até 2027, quando todos sabem da falta de investimento existente no país e da oportunidade de fazer entrar na economia milhões de Bruxelas que ajudariam a moderar as tensões resultantes da guerra e da inflação em que vivemos?
Um país dual onde falta a água nas torneiras e se mete abundante água em domínios onde se dispensava tal evento.