A enorme tragédia provocada pelos incêndios de 2017, com os seus 125 mortos, foi um “murro no estômago” de todos os portugueses e provocou uma série de pronunciamentos políticos que visaram convencer a opinião pública de que “agora é que se vai resolver o problema do Interior”.
Nada de mais enganador!
Desde logo porque o Governo decidiu, após essas tragédias, massacrar ainda mais os já massacrados pequenos proprietários do minifúndio do Interior, em vez de apoiar as populações que aí vivem e investem.
Decretaram “limpezas e coimas obrigatórias” para forçar os pequenos proprietários a desperdiçarem tempo e dinheiro a cortar ervas e matos logo em Março, para depois estas crescerem com força com as chuvas de abril e maio.
As políticas públicas para o Interior rural têm que criar as condições para promover e orientar a iniciativa e o esforço dos respetivos agentes económicos, no interesse geral de todo o país.
Ora desde 2003 que se vêm registando sucessivas vagas de incêndios que têm repetidamente destruído o património das populações, e o número anormalmente elevado de ignições que se registam em Portugal indiciam numerosas ações criminosas ou de grossa negligência no uso do fogo.
Assim, uma das medidas prioritárias a tomar pelo Governo para combater os flagelos dos incêndios rurais terá que ser o agravamento da moldura penal para este tipo de crimes.
O que, para além do efeito dissuasor, permitirá também que sejam conferidos mais meios para a respetiva investigação.
Por outro lado, é igualmente fundamental incentivar o aproveitamento energético dos sobrantes de biomassas, pois este permite alcançar em simultâneo quatro objetivos essenciais:
– Economicamente a recolha dos sobrantes de biomassa dos terrenos rurais sem que os respetivos proprietários tenham que recorrer a queimadas, evitando-se assim a propagação dos incêndios;
– Garantir potencias elétricas firmes de origem renovável, evitando assim a intermitência das potências eólicas e solares;
– Evitar as quantidades brutais de emissões de CO2 que os grandes incêndios rurais provocam, conferindo à floresta o seu papel essencial de sumidouro de carbono;
– Promover o emprego e a coesão social em muitas regiões desertificadas do Interior.
A não inclusão desta vertente nas prioridades do PRR é uma falha estratégica grave que deu mais um sinal às populações rurais do Interior que elas “estão abandonadas à sua sorte”.
Como exemplos deste abandono a que os poderes públicos têm votado os espaços rurais, temos dois casos chocantes:
– As muitas centenas de toneladas de madeira queimada proveniente dos trágicos incêndios de 2017 que, cinco anos depois, continuam ainda armazenadas a céu aberto à entrada da própria vila de Castanheira de Pera.
Ou seja, a poucas centenas de metros da “estrada da morte”, onde em 2017 sessenta compatriotas nossos morreram carbonizados, lá continua esta madeira pronta para alimentar uma nova tragédia, em vez de ter sido entretanto utilizada para produzir “energia verde”;
– A degradação e o abandono a que continuam votados centenas de quilómetros quadrados do Pinhal de Leiria, propriedade do próprio Estado. Com esta total incapacidade de gerir o seu próprio património, que moral tem o Estado para esmagar com coimas os pequenos proprietários do minifúndio?
Não admira pois que num ano muito seco como o atual, a recente onda de calor tenha já provocado profundo alarme social, com um rasto de destruição e morte que está novamente a traumatizar as populações.
Note-se que o fenómeno das “ignições excessivas” marcou agora presença também em zonas do litoral, como foi o caso de Palmela, na zona da Grande Lisboa, e de Faro/Quinta do Lago, uma das zonas de turismo de luxo do nosso país.
Pode-se dizer que o sistema atual de publicitar os dias de maior risco de incêndio tem uma vertente contraproducente, porque dá um “incentivo adicional” para que mentes criminosas provoquem ignições nesses dias.
Nas alturas de maior perigosidade, a prioridade deverá ser o aumento da vigilância e da repressão nas áreas mais sensíveis.
Desde 2017 criou-se um Ministério da Coesão Territorial, mas legislou-se contra as populações e os pequenos proprietários do Interior, e de costas voltadas para elas. Urge arrepiar caminho!
A desertificação de vastas regiões rurais do Interior combate-se em coordenação com as respetivas populações, pois são elas que melhor conhecem o terreno, mais têm a perder com os incêndios e mais podem colaborar na criação de sistemas logísticos de recolha e utilização de sobrantes de biomassa.
O nosso país tem que tirar partido de todo o seu território, saindo do círculo vicioso em que o Interior rural caiu nos últimos vinte anos.
Este “novo contrato social com as populações do interior” é um passo decisivo para se relançar no nosso país o crescimento económico com coesão territorial.
Assim o exige uma Democracia de Qualidade.