Paulo, que não quer revelar o apelido por ter uma profissão que envolve exposição pública, estava a fazer compras numa loja de roupa, calçado e acessórios quando tirou a carteira do bolso traseiro das calças, questionou-se acerca do cartão com o qual pagaria e passou os dedos rapidamente por todos aqueles que levava consigo. Escolheu um contactless, isto é, que não necessita da introdução de um PIN para que um débito seja realizado, e efetuou o pagamento. Como estava com os dois filhos, ainda pequenos, distraiu-se e somente se apercebeu de que não tinha a carteira quando chegou a casa.
«Sinceramente, eu acho que foi algum cliente ou ‘falso cliente’ que estava na fila, atrás de mim, que pôs a mão no meu bolso sem eu dar por nada ou alguém que se dirige a estas lojas já atento a quem faz pagamentos com cartões contactless. Fiz queixa e a PSP disse-me que este modus operandi dos criminosos é muito comum desde que esta tecnologia apareceu», conta ao Nascer do SOL, garantindo que cancelou, de imediato e via telefónica, aquele cartão, mas entretanto já tinham sido feitas três compras no valor de 50 euros. Isto é, perfazem os 150 diários permitidos pelas entidades bancárias.
«Fizeram compras na zona da restauração, numa sapataria e numa muito famosa que vende doces no espaço de pouco mais de 1h», explica, adiantando que, mais do que o dinheiro perdido, aquilo que mais o perturba é a perda dos documentos. «Isto aconteceu há pouco tempo e ainda estou atrapalhado com a renovação dos documentos. São só burocracias e, claro, mais despesas. Parece-me que quem faz isto tem experiência e não é propriamente iniciante. Deve ter sido alguém, talvez até mais do que uma pessoa, que está habituada a roubar os outros desta forma».
O Nascer do SOL teve conhecimento de mais um caso idêntico ao de Paulo, sendo que a pessoa em causa contactou as autoridades e o banco. Todavia, o dinheiro não lhe foi restituído porque, aparentemente, se alguém tem o azar de comprar umas calças no dia em que é roubado, o raciocínio de quem analisa estes movimentos passa por aceitar que, provavelmente, decidiu fazer mais compras e não se ficar apenas por uma peça de roupa.
Para entender melhor até que ponto estes roubos estão a aumentar, o Nascer do SOL contactou a PSP. No entanto, não obteve dados até à hora de fecho desta edição. Ainda assim, não é difícil compreender que este crime é cada vez mais comum em território nacional. Se fizermos o levantamento das notícias relacionadas com os crimes de furto por meio de cartões contactless, encontramos uma lista considerável. Por exemplo, em novembro de 2021, de acordo com informação avançada pela Procuradoria da Comarca de Faro, um homem de 38 anos, indiciado pela prática de 13 crimes de furto, 6 crimes de burla informática, 6 crimes de falsidade informática e 1 crime de detenção de arma proibida, foi presente ao Juízo de Instrução Criminal de Faro e ficou em prisão preventiva.
E a história era mesmo essa: entre os meses de julho de 2020 e agosto de 2021, na cidade de Olhão, «o detido introduzia-se, durante a noite, em estabelecimentos de restauração, habitações, autocaravanas e automóveis, através do arrombamento de janelas e de portas», roubando «dinheiro, cartões bancários, objetos com valor económico, aparelhos eletrónicos e de cozinha», disse a polícia em comunicado. Segundo as informações adiantadas, «gastava o dinheiro, vendia os aparelhos e objetos, e através do sistema ‘contactless’ efetuava compras com os cartões bancários».
«Os bancos têm a obrigação ética de informar o cliente»
Com o objetivo de entender a perceção que os portugueses têm naquilo que diz respeito aos perigos inerentes ao sistema contactless, o Nascer do SOL fez uma pequena sondagem no Instagram. À pergunta «Tem algum cartão contactless?», foram obtidas 73 respostas afirmativas, 17 afirmativas referindo que os inquiridos têm mais do que um, 10 negativas e uma ‘Não e nem quero ter’.
Relativamente à questão «Em caso afirmativo, já foi vítima de algum crime?», os resultados foram os seguintes: três pessoas responderam que tal já lhes aconteceu, 23 não se tornaram vítimas porque encontraram o cartão ou cartões antes de os mesmos terem sido roubados e 42 não sabem. Em relação aos crimes que têm vindo a ser denunciados, como a aproximação dos TPA dos bolsos traseiros das calças em estabelecimentos de diversão noturna, para a realização de débitos com discrição, este crime ocorreu a um inquirido, não aconteceu a 61 e 18 nem sequer tinham conhecimento da existência de estratégias como esta. Por fim, naquilo que concerne a existência destes cartões, 63 pessoas concordam, 13 discordam e sete ainda não têm um posicionamento quanto à mesma.
«Os perigos do contactless são, principalmente, as máquinas que retiram valores aos cartões. Estes não têm nenhuma segurança primária, apenas um limite regular de perto de 50 euros», diz uma fonte da área da investigação digital e criminal. Destacando que, para além dos estabelecimentos mencionados, os roubos ocorrem frequentemente em locais como os transportes públicos, elucida que «por isso é importante ter os cartões no interior das carteiras e, acima de tudo, com o cartão na parte interior do bolso, isto é, que esteja protegido da rede contactless».
O que pode não saber, mas descobrimos entretanto, é que já há carteiras que impedem a leitura de cartões. «Sim, é verdade. Trata-se de um inibidor de contacto. Ou seja, previne que a máquina contacte com o cartão», acrescenta a mesma fonte, sendo importante indicar que são vendidas igualmente as denominadas capas de cartão NFC (Near Field Communication) antifurto.
E que conselhos dá este especialista? «Primeiro que tudo consultar o seu limite de utilização; em segundo lugar, que seja verificada com regularidade a aplicação bancária para serem consultados os gastos e extratos» e «após utilização do cartão, verificar se o débito foi executado, assim como ter sempre os cartões regularizados».
«Outra das questões é que os clientes podem rejeitar ter contactless nos seus cartões de débito. Portanto, os bancos têm a obrigação ética de informar o cliente se quer ser possuidor de contactless no seu cartão», acrescenta, explicando os riscos do sistema de pagamento que foi apresentado, em Portugal, pela Unicre, a 2 de agosto de 2013. À época, o Jornal de Negócios salientava que «os pagamentos com cartão poderão tornar-se cinco vezes mais rápidos devido à expansão de cartões e terminais de pagamento automático (TPA) com tecnologia ‘contactless’», realçando que «as transações com cartão de crédito ou débito, até ao limite máximo de 20 euros, operar-se-ão com recurso à tecnologia NFC normalmente utilizada em pagamentos com passes nos transportes públicos».
Lá fora, a mesma história
Atualmente a viver em Londres, o jovem brasileiro Werison Gremaschi-Ferreira já foi roubado três vezes através do sistema contactless. A primeira vez foi no Brasil, em 2018, recorda. «Normalmente o que acontece é que você entrega seu cartão e a pessoa na caixa insere na máquina e devolve-lho para você digitar a senha. O que aconteceu nesse dia foi que o atendente passou primeiro meu cartão no contactless e depois inseriu para eu poder digitar a senha e pagar pela comida normalmente. Eu só fui notar mais tarde, no mesmo dia, que no meu extrato do banco havia duas cobranças: uma de 47 reais no contactless e outra normal de 13 reais, que foi o preço do prato que eu consumi».
«A segunda vez foi quando perdi minha carteira em um hostel, em Berlim, e foram feitas diversas compras na McDonald’s, pois o limite para o contactless era de 25 euros», recorda, finalizando que o terceiro roubo ocorreu já na capital inglesa. «Não tenho muitos detalhes porque só notei depois e acredito que foi com alguém passando com algo que fazia cobrança perto das carteiras, um TPA. Depois disso, comecei a usar o contactless apenas pelo Apple Pay onde você primeiro tem que desbloquear o telemóvel para poder realizar o pagamento», explicita, alinhando-se com os jornais brasileiros que frequentemente publicam artigos com títulos como ‘Confira cuidados para evitar golpes ao utilizar o cartão de contato’ ou ‘Proteste alerta sobre fraude com cartão de aproximação’.